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Antes da missa” e “O bote de rapé” – uma
breve análise da sociedade fluminense do século XIX
No
ano de 1878, Machado publica cinco textos no jornal O Cruzeiro: “O bote de Rapé”, “Um cão de lata ao rabo”, “Filosofia de
um par de botas”, “Antes da missa” e “Elogio
da vaidade”, que fogem de uma classificação tradicional e da matéria que se
podia esperar que figurasse no meio
jornalístico. O que aí notamos é uma mistura de gêneros, que vai da escrita teatral ao diálogo filosófico
e, talvez, pela dificuldade em definir a que gênero pertencem, figurem na seção “Miscelânea”
da edição Obra completa da Nova Aguilar.
Há
ainda outro curioso texto, e pouco referido, da autoria de Machado publicado no
mesmo veículo. Trata-se de “A sonâmbula”,
ópera cômica bem curta, que, apesar do nome, segue uma concepção distinta da ópera de
Bellini, embora também trate da infidelidade conjugal. O texto machadiano consta dos
Dispersos coligidos por Jean-Michel Massa, e retoma uma temática apreciada por Machado: o
charlatanismo dos adivinhos e prestidigitadores.
Nessas
produções publicadas em O Cruzeiro, Machado pratica um exercício de estilo, combinando gêneros diferentes,
experimentando formas e modelos, enfim, buscando uma nova expressão literária que culminaria na
publicação das Memórias póstumas de Brás Cubas, rompendo definitivamente com a
estrutura tradicional das narrativas até então veiculadas no Brasil.
O
jornal O Cruzeiro começou a circular no início de 1878 e, ao que tudo indica, Machado
foi um de seus principais organizadores, um mentor intelectual, digamos assim. Essa função desempenhada por ele no periódico
foi registrada em uma de suas cartas. Em correspondência destinada a Salvador de
Mendonça em 8 de outubro de 1877, havia um convite ao amigo para colaborar no jornal:
Meu caro Salvador. / Escrevo-te à
pressa, à última hora, e por isso me dispensarás
se te não digo uma série de cousas que há sempre que dizer entre bons amigos que se não falam há muito. /
Antes de tudo, estimo a tua saúde e a de
tua senhora e filhos. / Vai aparecer no 1.º do ano de 78 um novo jornal, O Cruzeiro fundado com
capitais de alguns comerciantes, uns
brasileiros e outros portugueses. O diretor será o Dr. Henrique Correia Moreira, teu colega, que
deves conhecer. / Incumbiu- me este de te propor o seguinte: / 1.º Escreveres
duas correspondências mensais. / 2.º
Remeteres cotações dos gêneros que interessem ao Brasil, principalmente banha, farinha de trigo,
querosene e café, e mais, notícias do
câmbio sobre Londres, Paris etc., e ágio do ouro. / 3.º Obteres anúncios de casas industriais e outras. / Como
remuneração: / Pelas correspondências,
50 dólares mensais./ Pelos anúncios, uma porcentagem de 20%./ Podes aceitar isso? No caso
afirmativo, convém remeter a primeira
carta de maneira que possa ser publicada em janeiro. Caso não te convenha, o Dr. Moreira pede que vejas se
nosso amigo, Rodrigues, do Novo Mundo,
pode aceitar o encargo, e em falta deste algum outro brasileiro idôneo./ Os industriais que quiserem
mandar os anúncios poderão também
remeter se lhes convier, os clichês e gravuras. Quanto ao preço dos anúncios, não está ainda marcado,
mas regulará o do Jornal do Comércio, ou
ainda alguma coisa menos./ Esta carta vai por via de Europa. No primeiro paquete escreverei outra,
para remediar o extravio desta, se
houver./
Desculpa-me a pressa, e escreve ao/ Teu
do coração./ MACHADO DE ASSIS.
Nessa
missiva, há informações acerca do mês e do ano do lançamento do jornal, mas não só isso. Pelo detalhamento feito por
Machado na carta, ficamos sabendo também como se estruturaria o jornal, qual o seu
público, que assuntos seriam abordados, quais os patrocinadores, e, o mais interessante, nos
inteiramos de que Machado seria o principal responsável pelo plantel de O Cruzeiro,
selecionando aqueles que se incumbiriam de prover-lhe artigos e textos, isto é, os
intelectuais de talento que colaborariam na publicação. Neste período, Machado já desfrutava de
reconhecimento pela sua capacidade intelectual,
tendo lançado livros de poesia e de teatro, assim como traduções, mas suas contribuições nos jornais recebiam maior
destaque. Assim como no decênio de 60,
deu seus primeiros passos como cronista,
no de 70, faria suas incursões pelo romance, estreando com Ressurreição, em edição de Garnier, e
prosseguindo na escrita de outros três livros do gênero - A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia
-, trabalhados inicialmente sob a forma de folhetim.
Naquele
período, final dos anos 70, o escritor consolidava uma fase de consagração como prosador de narrativas mais longas, é o
que deixa transparecer em outra carta, escrita um ano antes, dirigida ao mesmo Salvador de
Mendonça. Na missiva, Machado elogia o artigo
publicado por Salvador na revista Novo Mundo sobre seu livro de poesia, Americanas, e fala do lançamento do romance
Helena: “Vai com este vapor um exemplar da Helena, romance que publiquei no Globo. Dizem
aqui que dos meus livros é o menos mau;
não sei; lá verás. Faço o que posso e quando posso.” (13 de novembro de 1876). Obviamente há uma grande carga de modéstia nas
palavras do escritor, mas, segundo
consta na carta, Machado dá importância ao fato de Helena ter recebido elogios
da crítica, no sentido de ser uma
produção melhor que as anteriores. Talvez o escritor estivesse se referindo ao artigo, sem
assinatura, publicado em A Reforma, em 19 de outubro de 1876.
Helena é um trabalho que pode competir
com os mais bem acabados do gênero.
Já antes nos havia dado o Sr. Machado de
Assis um outro romance, que, pela finura
das observações, desenho dos caracteres, estudo psicológico e amenidade dos episódios, anunciava a posição
eminente que teria de ocupar entre os
romancistas nacionais, o vigoroso autor de Ressurreição. Helena, que lhe seguiu, é um grande progresso.
Uma outra crítica a Helena, posterior à
escrita da carta de Machado, também destaca
o romance como uma das melhores produções machadianas. Todavia o que nos interessa é a ressalva que o autor do artigo,
A. C. Almeida, faz à figura do poeta: “Nota-se, contudo, uma coisa: que o estamos considerando
como romancista (grifo nosso). Do Machado
poeta já não diríamos o mesmo, se bem que ande-lhe (sic) aureolado o nome por apoteose balofa e louvaminheira.”
Definitivamente,
o prosador começava a ocupar o vasto terreno literário de onde o poeta, a princípio, era banido. Como um autor
que respeitava o julgamento do outro sobre seus escritos, Machado parecia avaliar
atentamente o que se afirmava sobre sua obra e buscava a justa medida de sua vocação.
A
vida literária de Machado girava em torno dos jornais e foi esse o veículo que
lhe serviu de escola e oficina, que lhe
apurou o estro. Além de O Cruzeiro e O Globo, citados aqui, Machado já havia colaborado em outros
periódicos, como A Marmota Fluminense, (transformada
posteriormente em A Marmota), O Futuro, O Espelho, Gazeta de Notícias, Jornal das Famílias, Jornal da Tarde e Diário
do Rio de Janeiro.
Quando
destacamos os seis textos de O Cruzeiro, foi especialmente pelo fato de o periódico trazer a público textos de natureza
distinta da que a maioria dos jornais tinha por hábito veicular. Normalmente, o que se lia nas
diversas seções jornalísticas, além das notícias
e anúncios, eram traduções, romances em capítulos, novelas, contos, crônicas e poemas. O anedotário também era bem farto,
assim como as ilustrações, charges e caricaturas.
É curioso como O Cruzeiro rompe com esse padrão ao também oferecer aos leitores textos teatrais e reflexões
filosóficas.
Dois
textos de Machado em O Cruzeiro nos interessam particularmente, por serem peças teatrais escritas em verso: “O bote de
rapé” e “Antes da missa”. Ambas as comédias apresentam um aspecto singular: o papel da
mulher na sociedade fluminense do século XIX. O interesse de Machado pela questão
feminina é muito natural se observarmos que, por muitos anos, ele foi um dos principais
colaboradores do Jornal das Famílias, e sua vasta publicação neste periódico se estende de
1863 a
1878, o que comprova sua constância na
publicação de textos particularmente voltados para o público feminino. A
publicação oferecia às leitoras páginas
de romance, contos, histórias morais, lições religiosas, anedotas, receitas de economia doméstica,
culinária, partituras musicais, modas e trabalhos manuais - de artesanato a lições de corte e
costura.
Desse
universo tipicamente feminino, Machado retirou muitos perfis que viria a desenvolver em sua obra. Da mesma forma, a
convivência com tal meio ofereceu-lhe um vasto conhecimento da “alma sensível”, em confronto com o universo
masculino, dos leitores, aparentemente, “sisudos”,
mas que, da mesma forma, representavam a frágil intelectualidade da capital do Império, com
seus “medalhões”, francamente favorecidos pelo patriarcalismo.
Assim,
procuraremos fazer um estudo mais atento dessas duas peças, “Antes da Missa” e “O bote de rapé”, que, aliás, ainda
não mereceram um estudo acurado dos críticos da obra machadiana, assim como de Os deuses de
casaca. A índole da sua comédia em verso
parece ser, sobretudo, a de apresentar a face caricata e burlesca da sociedade fluminense, principalmente da elite, mas quase
sempre de uma maneira enviesada, como seu
estro de escritor exigia: na aparência, apenas rindo da superficialidade dos
tipos sociais, mas guardando, nas entrelinhas, críticas
mordazes.
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Fonte:
Flávia Vieira da Silva do Amparo: “SOB O VÉU DOS VERSOS” O LUGAR DA POESIA NA OBRA DE MACHADO DE ASSIS" ( Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção de título de Doutor em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira) Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos Secchin. Co-orientador: Professor Doutor Claudio Murilo Leal ). Rio de Janeiro, 2008
Fonte:
Flávia Vieira da Silva do Amparo: “SOB O VÉU DOS VERSOS” O LUGAR DA POESIA NA OBRA DE MACHADO DE ASSIS" ( Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção de título de Doutor em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira) Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos Secchin. Co-orientador: Professor Doutor Claudio Murilo Leal ). Rio de Janeiro, 2008
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