Para baixar este livro gratuitamente em
formato PDF, acessar o site do “Projeto
Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: autor/título (coluna à esquerda) e título/autor (coluna à direita).
---
Lívia,
Félix, Meneses: contraste de caracteres
Embora Machado de
Assis anuncie que tentara contrastar
dois caracteres em Ressurreição,
é preciso pontuar que
não há apenas dois personagens
confrontados no romance, por semelhanças
e/ou diferenças: encontramos o confronto entre Félix e Lívia; Félix e Meneses (conhecido de Félix); Lívia e
Meneses; Lívia e Viana (irmão de Lívia).
Considerando-se, porém, que
Félix é o herói da
trama, é de se
supor que o contraste mencionado
na advertência envolva o personagem, de modo que devemos nos centrar nos dois
primeiros confrontos, que se baseiam no ceticismo de Félix
em oposição à credulidade, seja
de Lívia ou de Meneses.
Devemos
observar, primeiramente, que apenas o contraste entre Félix e Meneses é explicitamente enunciado no romance, como
vemos na fala do narrador:
Ao inverso de Félix, cujo espírito só
engendrava receios e dúvidas, Meneses era antes de tudo propenso às fantasias
cor de rosa. Irmanavam-se no ponto de serem joguetes de sua imaginação (...)
Tal era o contraste desses dous
caracteres, que a estrela da viúva, não sei se boa ou má estrela, reuniu a seus pés. Um, se
viesse a adorar um
rosto hipócrita, desceria na escala das degradações, com os olhos fitos
na quimera da sua felicidade;
outro, ardendo pela mais angélica
das creaturas humanas, quebraria com as próprias mãos a escada que o
levaria ao céu. (ASSIS,
1977, p. 126) [grifo meu]
Essa
passagem nos inclina a assumir que o contraste anunciado por Machado de Assis no prefácio se dá
entre o protagonista e
Meneses. Vejamos, contudo, de que
maneira poderíamos mobilizar, dentro da
situação esboçada em Ressurreição e do seu vínculo com o mote do
romance, tanto o contraste entre
Félix e Meneses quanto o contraste entre o herói e
Lívia.
No enredo
de Ressurreição, Félix e
Lívia, que se conheciam apenas de vista, entram em contato em um baile, depois do que o
protagonista passa a frequentar a casa da
moça. Conforme vemos no início do romance, Félix está habituado a viver
aventuras amorosas, e espera ter com Lívia um relacionamento de igual natureza.
A disposição de Lívia é,
contudo, diversa, de forma que se trava uma disputa entre Félix e a moça (entre
o “gavião” e
a “pomba”, nos termos do título
do s timo capítulo do romance), que termina
com a “queda” do herói – intitulando-se “Queda” o oitavo capítulo do livro, que
se inicia com este trecho:
O desenlace
desta situação desigual entre
um homem
frio e uma mulher apaixonada
parece que devera ser a queda da mulher: foi a queda do homem. Para triunfar da
viúva, Félix contava apenas com a sua resolução; mas a viúva, além do seu amor,
tinha dous auxiliares ativos e latentes: o tempo e o hábito. Cada dia que passava caía como uma gota d’àgua
no coração do médico, e ia cavando fundo
com a fria tenacidade do destino. (ASSIS, 1977, p. 102)
Lívia
teria, assim, “triunfado” inicialmente sobre F lix; por m, a situação vai se invertendo na medida em que ela passa a sofrer
com o ciúme do herói, embora resista às suas
constantes dúvidas, acreditando que Félix, mesmo depois de romper várias vezes
o relacionamento entre ambos,
assumiria enfim o compromisso matrimonial. Essa conduta
de Lívia
é atribuída, no romance, à sua
credulidade, como se vê nesta passagem, que se
refere às esperanças da moça
após uma reconciliação com Félix, depois da qual o protagonista promete a Lívia
que irão se casar: “Tantas vezes apagada do céu, reapareceria enfim a estrela da
felicidade, e para sempre? Era caso de dúvida, à vista do passado; mas a credulidade da viúva
estava acima da sua experiência” (ASSIS, 1977, p. 151).
Nesse
quadro, vemos o embate entre um homem movido pela suspeita, pela descrença, e
uma mulher movida pela credulidade – sendo essa uma segunda batalha entre Félix e Lívia –; desta vez, por m, Lívia quem sai “vencida”. Sempre alerta s mais vagas
alterações no humor de Félix, procurando adivinhar-lhe qualquer possível desconfiança, ela entra num
estado quase paranóico:
Lívia não se acostumou a ler logo na
fisionomia do médico. Ele possuía em alto grau a faculdade de esconder o
bem e o mal que sentisse.
Era uma faculdade preciosa, que o orgulho educara, e se fortificou com o tempo. O
tempo, entretanto, a pouco e
pouco lhe foi adelgaçando essa couraça, à medida que se prolongava e se fortificava a luta. Então os olhos
da viúva aprenderam a soletrar-lhe
no rosto os terrores e as tempestades do coração. Às vezes, no meio de uma conversa indiferente, alegre, pueril,
os olhos de Lívia se obscureciam e a palavra
lhe morria nos lábios. A razão da
mudança estava numa ruga quase imperceptível
que ela descobria no rosto do médico, ou num gesto mal contido, ou num olhar mal disfarçado. (ASSIS, 1977, p. 107)
Ao final
do romance, Lívia sucumbe, refutando o casamento com Félix. Dessa forma, a batalha
entre um cético e uma crédula
termina com a vitória do primeiro. Contudo, essa vitória
é também uma derrota, pois Félix perde
o bem – que, para o narrador de Ressurreição, significa
contrair matrimônio – pelo receio de tentar obtê-lo – ou seja, por duvidar –, nos termos do mote de
que o romance parte.
O
desenvolvimento da situação amorosa vivida
por Félix e Lívia
confirmaria, portanto, o pensamento de
Shakespeare. No entanto, a
contraparte lógica desse pensamento
(conquista-se o bem ao não se
ter receio de obtê-lo) não pode
ser confirmada a partir do relacionamento do par central, pois a
confiança de Lívia – fruto de sua
credulidade – só lhe
rendeu um fracasso. Desse modo, é num contraste entre Félix e Meneses que a lição do romance se efetiva.
Como já
visto em citação anterior, Meneses,
diferentemente de Félix, era “propenso a fantasias cor de rosa”, não se
inclinando a desconfianças. A esse caráter de Meneses se
pode atribuir sua conduta no romance. O
personagem, desconhecendo a história amorosa que se desenrolava entre o
par central, insinua-se para Lívia, por quem se apaixonara, mas é refutado. A
experiência de não ser correspondido,
porém, não o abate. Assim que descobre a relação entre Félix e Lívia, Meneses
passa a auxiliá-los, e supera sua
decepção casando-se com Raquel – que não fora correspondida por Félix –, a partir do que conquista, segundo o narrador, a
felicidade. Meneses, portanto, não deixa que
a frustração o impeça
de confiar em novos relacionamentos, e aposta
numa felicidade que de fato
atinge, o que confirmaria a ideia de que se alcança o bem ao não se ter receio de procurá-lo – contraprova para
o argumento de Shakespeare. Félix, pelo contrário,
ainda que seja
correspondido por Lívia, não alcança
a felicidade com ela devido às suas desconfianças, comprovando esse
mesmo argumento.
---
Fonte:
Fonte:
Amanda Rios Herane: “Memória das Ilusões: Um estudo de Ressurreição, primeiro romance de
Machado de Assis”. (Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira, do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade
de São Paulo,
para a obtenção
do título de Mestre em Letras Orientador: Prof.
Dr. Hélio de Seixas Guimarães). São Paulo, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário