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A morte
de Rubião
Quando
Rubião se aproxima da morte, ao leitor já foi oferecida a oportunidade de
comiseração por esse
homem sem importância.
Mas, ao mesmo
tempo, ao leitor também já foi possível rir de sua inadequação.
O narrador propõe então ao leitor que a morte do
protagonista, assim como a do
cão, seja vista
com aquilo que
sobressair no leitor:
Eia! chora os dois recentes mortos, se tens
lágrimas. Se só tens riso, ri-te! É a
mesma coisa. O
Cruzeiro, que a
linda Sofia não
quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para
não discernir os risos e as lágrimas dos
homens.
Bergson
afirma que o maior inimigo do riso é a emoção e que é possível “rir de alguém que nos inspire piedade, ou mesmo
afeição. Para isso, será necessário esquecer por alguns instantes essa afeição, ou emudecer
essa piedade”. A sugestão do narrador é de que, se ficou emudecida a piedade do
leitor, a morte de Rubião pode ser cômica; da mesma
maneira, se existir
a possibilidade de
uma proximidade afetiva,
a morte de Rubião
será vista com compaixão e piedade.
É preciso
ainda ressaltar que as dimensões trágica e cômica não funcionam, no romance, por extremos. De certa forma, os
elementos trágicos e cômicos encontram-se no
mesmo episódio, tocam-se de
maneira que, ao
vislumbrar uma dimensão,
o leitor pode pressentir a outra.
Mesmo a
morte que, aparentemente, possui apenas uma dimensão trágica, pode também
ser cômica. Se
apresentada com proximidade
e comiseração, será
trágica, se oferecida
com distância, pode
ser risível. A
reação final do
leitor passa pela possibilidade
ambígua que se construiu durante toda a narrativa. Assim como o amor de Rubião
por Sofia, seu
empobrecimento e loucura
caminham numa ambigüidade
que impede separações
estilísticas, a morte
do protagonista também
se fixa nessa
mesma dimensão ambígua.
Caminha o
narrador nessa alternância
entre proximidade e
distância para a criação
das dimensões trágica e cômica, sugerindo ao leitor que a trajetória de Rubião pode provocar reações diferentes. Ao final, o
narrador é capaz de afirmar que as reações contrárias – choro e riso – são a mesma coisa.
O leitor pode reagir como quiser, com o que
tiver, pois ele não construiu uma história para comover ou para fazer
rir os leitores, mas para
comover e também
fazer rir, de
forma que o
contraste entre as
reações se dissolve.
O texto
de Shakespeare supõe um
espectador capaz de
perceber o tom
que prevalece em Hamlet e
de ser tocado pela dimensão trágica da obra, sem distanciamento crítico que o impossibilite sentir terror e
piedade. Ao mesmo tempo, o espectador deve ser capaz de, em alguns momentos,
distanciar-se das emoções e perceber como Hamlet pode ser cômico e risível.
Por mais
cenas cômicas inseridas em Hamlet, o todo dramático permanece com o tom trágico, o que, de certa forma, induz a
reação do público. Por mais que Auerbach problematize a mistura estilística em
Shakespeare, é ainda possível dizer que, embora seja impossível isolar as dimensões em um
acontecimento ou nível estilístico, as peças permanecem com um tom que prevalece ao final
da obra. Shakespeare introduz, no todo dramático de Hamlet, situações
cômicas que parodiam
a rígida separação
estilística, segundo a qual
existem aspectos sublimes que não deveriam misturar-se aos baixos. O dramaturgo
inglês demonstra que
mesmo o príncipe
dinamarquês possui também aspectos baixos. Podemos sentir por ele
compadecimento e piedade, sem deixar de rir de suas atitudes tresloucadas.
Em Quincas
Borba, o leitor deve ser capaz de ser tocado pela dimensão trágica de
Rubião, mas, na
mesma medida, e
de se postar
distante o suficiente
para rir da comicidade
do protagonista. O narrador de Quincas Borba sugere uma dissolução entre
o
sublime e o
baixo, ou seja,
não existem temas
que são sublimes
e baixos em si,
dependem do modo como são vistos, ou
melhor, como são narrados. Podemos, portanto, rir do amor ou sentir comiseração por ele,
dependendo da proximidade ou da distância.
Podemos
também sentir piedade do empobrecimento do protagonista, é possível ainda rir
da loucura dele – ela
é o aspecto
cômico do empobrecimento. E,
por último, dependendo do que restar, podemos rir ou
chorar as mortes de Rubião e do cão. Nem o amor
nem a morte estão em categorias sublimes, podem ser risíveis, bastando para
isso adotar uma postura de
distanciamento crítico e irônico como a do narrador.
Ao final
do romance, o
narrador propõe uma
dissolução dos limites
entre o choro e o riso. O leitor reage com o que ainda
tiver sobrevivido. Se o que sobreviveu for o horror e a piedade, certamente chorará a
morte do protagonista e do cão; se, por outro lado, o que permanece é a distância crítica,
obviamente pode rir do fim de Rubião; ou ainda pode rir e chorar da morte do
protagonista, uma vez que, como afirma o narrador, riso e choro são a mesma coisa.
A análise
acima nos leva à conclusão de que, enquanto Shakespeare criticava a rígida
separação estilística na
construção da obra,
o narrador machadiano
de Quincas Borba coloca em perspectiva o poder que
possui de conduzir o leitor a essa ou àquela reação,
pois, ao mesmo
tempo em que
narra, expõe seus
privilégios de contador
de histórias e apresenta ao
leitor a possibilidade de dissolver os limites entre o trágico e o cômico.
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Fonte:
Alessandra Mara Vieira: “A Presença de Shakespeare na Obra De Machado de Assis: A Construção das Dimensões Trágica e Cômica Em Quincas Borba”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras – Literatura Brasileira. Área de concentração: Literatura Brasileira Orientadora: Marli de Oliveira Fantini Scarpelli). Belo Horizonte, 2007
Alessandra Mara Vieira: “A Presença de Shakespeare na Obra De Machado de Assis: A Construção das Dimensões Trágica e Cômica Em Quincas Borba”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras – Literatura Brasileira. Área de concentração: Literatura Brasileira Orientadora: Marli de Oliveira Fantini Scarpelli). Belo Horizonte, 2007
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