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A
identidade do narrador
Ao
examinarmos a identidade do narrador, constatamos que, em Esaú e Jacó,
ela se mostra um tanto ambígua. Na leitura do romance podemos distinguir um
narrador que se reconhece
como não onisciente, mas que apresenta laivos de onisciência, por meio de incursões
esporádicas ao íntimo de certas personagens.
Um narrador
que se diferencia de Aires, mas que chega a se fundir com ele. É o que podemos
observar ao compararmos a descrição do conselheiro com aquela que o narrador faz de si
mesmo. Vejamos como isso ocorre ao ser descrito o comportamento de Aires:
Hás de
lembrar-te que ele usava sempre concordar com o interlocutor, não por desdém
da pessoa, mas para não dissentir nem brigar. Tinha observado que as convicções,
quando contrariadas, descompõem o rosto à gente, e não queria ver a cara dos outros assim, nem dar à sua um
aspecto abominável. Se lucrasse alguma cousa, vá; mas não lucrando nada,
preferia ficar em paz com Deus e os homens. [EJ, 182] (grifos nossos)
E agora
vejamos a maneira como o narrador se descreve:
“Quando um não quer, dous não brigam”, tal é o
velho provérbio que ouvi em rapaz, a melhor idade para ouvir provérbios. Na
idade madura eles devem já fazer parte
da bagagem da vida, frutos da experiência antiga e comum. Eu cria neste; mas
não foi ele que me deu a resolução de não brigar nunca. Foi por achá-lo em mim
que lhe dei crédito. Ainda que não existisse, era a mesma cousa. Quanto ao modo de não querer, não
respondo, não sei. Ninguém me constrangia.
Todos os temperamentos iam comigo; poucas divergências tive, e perdi só uma ou
duas amizades, tão pacificamente aliás, que os amigos perdidos não deixaram de
me tirar o chapéu. Um deles pediu-me perdão no testamento. [EJ, 221-222]
(grifos nossos)
Mas a ambigüidade não pára por aí. Observamos
também que o narrador procura conferir uma maior liberdade de leitura ao leitor,
mas por vezes parece cerceá-lo. Além disso, o narrador se nega a falar de si
mesmo. No entanto, introduzindo no relato suas próprias opiniões, não mantém a
promessa, marcando, de qualquer modo, presença ao longo de todo o texto.
Assim, a
incongruência da atitude do narrador é relativa ao próprio ato de narrar ou transparece nas orientações de leitura. Por
outro lado, deve-se ressaltar que o narrador de Esaú e Jacó não
apresenta a volubilidade e “impudícia” de um Brás Cubas,
sendo mais comedido e fiel a
determinados preceitos, reconhecendo por vezes não saber tudo, hesitando
ao relatar os fatos na busca pelo estabelecimento da verdade, como se estivesse
realmente preocupado com uma certa correção de ordem técnica, ou uma certa uniformidade
de postura ética.
Na verdade
pode-se supor que haja um desdobramento de Aires, uma unidade que se duplica
através do romance, se respeitarmos o que fica estabelecido na “Advertência”. O
narrador-Aires e Aires-personagem se
confundem e se distanciam num jogo constante, de ajuda mútua e de
estranhamento. E talvez aí tenhamos encontrado a razão da impossibilidade da
onisciência sem furos, pois o narrador tem que pagar um preço pelo outro eu
semelhante que ingressa na galeria das personagens. Ou então toda a arte está
em descobrir e encobrir, como ele mesmo
reconhece ao descrever seu duplo:
− Para onde? perguntou Flora ansiosa.
E ficou a olhar, esperando. Não tinha casa
amiga, ou não se lembrava, e queria que ele mesmo escolhesse alguma, onde quer
que fosse, e quanto mais longe, melhor.
Foi o que ele leu nos olhos parados. É ler muito, mas os bons diplomatas guardam o talento de saber tudo o
que lhes diz um rosto calado, e até o
contrário. Aires fora diplomata excelente, apesar da aventura de Caracas, se não
é que essa mesma lhe aguçou a vocação de descobrir e encobrir. Toda a diplomacia
está nestes dous verbos parentes. [EJ, 202-203]
Também a
identidade do narrador se faz notar através das marcas de oralidade, a saber as
repetições, o emprego do imperativo, as exclamações e as apóstrofes dirigidas
ao leitor. Entretanto, se o discurso do narrador se assemelha ao discurso oral,
ele apresenta um vínculo estreitíssimo com a escrita, especialmente ao
referir-se às diferentes partes, de diferentes dimensões,
que compõem a tessitura do romance.
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Fonte:
Pedro Armando de Almeida Magalhães: “Repensar o Romance Histórico: leituras de Esaú e Jacó de Machado de Assis e L’Œuvre au Noir de Marguerite Yourcenar”. (Tese de Doutorado apresentada ao curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de doutor em Literatura Comparada. Orientador: João Cezar de Castro Rocha). Rio de Janeiro, 2007.
Fonte:
Pedro Armando de Almeida Magalhães: “Repensar o Romance Histórico: leituras de Esaú e Jacó de Machado de Assis e L’Œuvre au Noir de Marguerite Yourcenar”. (Tese de Doutorado apresentada ao curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de doutor em Literatura Comparada. Orientador: João Cezar de Castro Rocha). Rio de Janeiro, 2007.
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