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A Origem do Mênstruo: A heresia bernardina
A heresia cometida por “A origem
do mênstruo” tem se mostrado inaceitável para o status quo do cânone, que a
rejeita fortemente, influenciando, inclusive
os ousados editores dos versos obscenos de Bernardo. Neste sentido chama a atenção que as advertências de Machado
e de Bandeira, quanto às qualidades elevadas da lira bernardina, não
tenham produzido efeito de alterar a recepção
do poeta pelos demais operadores do cânone. Mesmo agora, que existe um maior interesse pelo texto de
Bernardo, o interesse é relativo e restrito, não se estendendo ao conjunto da
obra. Uma postura que se vê em Haroldo de Campos, um dos patronos dos estudos atuais.
Mesmo Antonio Candido, que privilegia a
obra bernardina extensivamente, quando realiza estudos específicos, que aprofundam
análise da poesia obscena e pantagruélica, recusa-se a trabalhar com o poema do mênstruo.
A qualidade da crítica de
Bernardo aos modelos hegemônicos no romantismo
brasileiro seria sua desgraça, motivo que, segundo Süssekind, o colocaria à margem.
Ao nosso ver, esta exclusão
também tem entre seus fundamentos a aproximação que faz dos
clássicos, de características heréticas e de modo rebaixado, embora
inegavelmente precisa nas escolhas, aspecto que faz de sua obra pornográfica uma arte de
grandes qualidades. Neste aspecto a censura que sofre não é diferente daquela
sofrida por outros autores de posição destacada
e segura nas esferas canônicas. Censura que aparece de mais de uma forma. Um caso é a da famosa Priapeia, apresentada como da pena de Virgílio, numa edição de suas obras completas
de 1469, seria censurada em outras
edições posteriores ou seria atribuída a outros poetas mais reconhecidamente lascivos.
Ação exemplar é aquela censura
sofrida por Horácio, quando seus versos
expõem libidinagem e sexualidade numa linguagem mais direta, comentada em
capítulo anterior. Como seria possível censurar um dos nomes que não cessam
de significar o próprio cânone? Certamente que não será uma atitude fortuita e,
muito menos, inocente, tomada por um editor isoladamente. Ao contrário, trata-se de uma
postura que se mantém por um período
longo, em mais de uma das grandes traduções da obra do autor, conforme demonstra Bélkior. Todo o processo
parece ligado à manutenção do equilíbrio
das forças do campo literário, pois não parece aceitável para o conceito adotado
pelo grupo hegemônico, que sentimentos e ideais degradantes ou animalescas possam estar no texto de um autor
canônico, daí não se poupar o grande
Horácio ou um Bernardo qualquer.
O poema sobre o mênstruo, assunto
tabu, lembram os psicanalistas e os antropólogos,
realiza um complexo exercício poético, trata do feminino, assunto privilegiado para o romantismo, e faz uma
apropriação dos clássicos da estirpe de
Ovídio, Camões e Gonçalves Dias, sem que fique a dever aos parodiados, a não ser uma atitude menos herética — não fosse
a paródia um recurso dos mais sofisticados.
Faz isso de uma forma absolutamente visceral, mostrando uma mulher bem distante da virgem dos lábios de
mel, da índia pura e bela, dominada pelo abraço do jovem e mulherengo imperador
brasileiro, pagando por tanta audácia o
preço de ser excluído da própria exclusão. Visceral, para não haver dúvidas, no sentido que toca na imagem
feminina no que ela tem de mais íntimo e de interesse vital para a manutenção
da espécie, seu sexo e sua capacidade de
reprodução, que a menstruação indica.
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Fonte:
Irineu Eduardo Jones Corrêa: “Bernardo
Guimarães e o paraíso obsceno A floresta enfeitiçada e os corpos da luxúria no
romantismo”. (Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras (Ciência da Literatura),
Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Letras (Ciência da Literatura). Orientador:
Professor Doutor Luiz Edmundo Bouças Coutinho). Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2006.
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