28/11/2013

Os Bruzundangas, de Lima Barreto

 Lima Barreto - Os Bruzundangas - Iba Mendes
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Notícias da Bruzundanga

Lima Barreto opta, às vezes, por iniciar o desenvolvimento de sua ficção já a partir do prólogo, e normalmente incluindo-se a si mesmo na obra como personagem. Pode-se constatar esse procedimento em Isaías caminha e Gonzaga de Sá. Nessas produções o romancista confessa ser amigo do escrivão Isaías Caminha e do funcionário público Augusto Machado, ao mesmo tempo em que fornecia os motivos para a publicação das obras.

Esse fascínio pelo universo ficcional levou-o a criar um país e ainda empreender uma peregrinação por ele. Assim, no prefácio de Os bruzundangas, Lima Barreto apresentou aos futuros leitores as razões de sua viagem à República dos Estados Unidos da Bruzundanga, país inexistente geograficamente, mas viabilizado pela ficção.

De início o autor admitiu que a idéia de publicar suas "despretensiosas notas" surgiu do texto A Arte de Furtar, obra anônima portuguesa do século XVII, marcada por uma ironia sarcástica ao tratar de toda espécie de fraudes praticadas pela sociedade portuguesa do período. Ao estabelecer o diálogo com essa sátira portuguesa, o ficcionista já Instaura a atmosfera predominante de seu texto - o sarcasmo.

O trecho que o autor utilizou como justificativa: ("como os maiores ladrões são os que têm por oficio livrar-nos de outros ladrões") converteu-se para ele em régua de medida, pois a Bruzundanga, com seus "maiores e mais completos males", serviria de exemplo, ou melhor, anti-exemplo para a nação brasileira:

temos aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de venda, a roubar-nos muito modestamente no peso da carne-seca, enquanto a Bruzundanga os tem que se ocupam unicamente no seu oficio de ministro de encarecerem o açúcar no mercado Interno, conseguindo isto com o vendê-lo abaixo do preço da usina aos estrangeiros.

A Bruzundanga seria então para o narrador uma espécie de aprendizagem pelo ridículo, um modelo grotesco que não deveria Incentivar à cópia. Esse narrador, munido de aparente interesse em revelar duplamente os pecados da Bruzundanga e do Brasil. demonstra urna personalidade fragmentada, ou seja, adota diversas figurações para conseguir seu intento moralista, o que pode ser constatado ao longo da obra. Ora apresenta-se como um repórter preocupado com fatos e detalhes, ora toma-se o cronista de viagem apresentando suas impressões sobre a terra e o povo visitados, mas na verdade oculta-se nessa estratégia uma ponta de ironia aguda, como nessa declaração: "Pobre terra da Bruzundanga! Velha, na sua maior parte, como o planeta. toda a sua missão tem sido criar a vida e a fecundidade para os outros".

 Este comportamento camaleónico do narrador que muda o ângulo de visão a todo instante, modulando também sua voz termina por revelar a estratégia do satirista na adoção de sua persona: a flexibilidade. Esta o habilita a adotar o comportamento mais retórico possível, ao mesmo tempo demonstrando a atitude mais despretensiosa de que se tem notícia.

Em resumo, o intento oculto do narrador seria conquistar o leitor ao confessar, logo de início, a ausência de ambição na escrita da obra, pois são notas, além de uma certa falta de elaboração do trabalho, exibindo-o como fruto do acaso. Tais procedimentos acabam por desarmar o leitor. suscitando empatia para com o relato. Diante dessa circunstância, o narrador-satirista acaba conquistando o direito de rechear sua narrativa de imprecisões, obscuridades, tudo em nome de seu aparente descompromisso com a realidade (atual, e tentando ainda despertar nos leitores o espírito de critica e de condenação.

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Fonte:
Elizabeth Gonzaga de Lima: "Avesso de Utopias: Os Bruzundangas e Aventuras do Doutor Bagóloff". UNICAMP. Campinas, 2001

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