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Notícias da Bruzundanga
Lima Barreto opta, às vezes, por
iniciar o desenvolvimento de sua ficção já a partir do prólogo, e normalmente
incluindo-se a si mesmo na obra como personagem. Pode-se constatar esse
procedimento em Isaías caminha e Gonzaga de Sá. Nessas produções o romancista
confessa ser amigo do escrivão Isaías Caminha e do funcionário público Augusto
Machado, ao mesmo tempo em que fornecia os motivos para a publicação das obras.
Esse fascínio pelo universo
ficcional levou-o a criar um país e ainda empreender uma peregrinação por ele.
Assim, no prefácio de Os bruzundangas, Lima Barreto apresentou aos futuros
leitores as razões de sua viagem à República dos Estados Unidos da Bruzundanga,
país inexistente geograficamente, mas viabilizado pela ficção.
De início o autor admitiu que a
idéia de publicar suas "despretensiosas notas" surgiu do texto A Arte
de Furtar, obra anônima portuguesa do século XVII, marcada por uma ironia
sarcástica ao tratar de toda espécie de fraudes praticadas pela sociedade
portuguesa do período. Ao estabelecer o diálogo com essa sátira portuguesa, o
ficcionista já Instaura a atmosfera predominante de seu texto - o sarcasmo.
O trecho que o autor utilizou
como justificativa: ("como os maiores ladrões são os que têm por oficio
livrar-nos de outros ladrões") converteu-se para ele em régua de medida,
pois a Bruzundanga, com seus "maiores e mais completos males",
serviria de exemplo, ou melhor, anti-exemplo para a nação brasileira:
temos aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de venda, a
roubar-nos muito modestamente no peso da carne-seca, enquanto a Bruzundanga os
tem que se ocupam unicamente no seu oficio de ministro de encarecerem o açúcar
no mercado Interno, conseguindo isto com o vendê-lo abaixo do preço da usina
aos estrangeiros.
A Bruzundanga seria então para o
narrador uma espécie de aprendizagem pelo ridículo, um modelo grotesco que não
deveria Incentivar à cópia. Esse narrador, munido de aparente interesse em
revelar duplamente os pecados da Bruzundanga e do Brasil. demonstra urna personalidade
fragmentada, ou seja, adota diversas figurações para conseguir seu intento
moralista, o que pode ser constatado ao longo da obra. Ora apresenta-se como um
repórter preocupado com fatos e detalhes, ora toma-se o cronista de viagem
apresentando suas impressões sobre a terra e o povo visitados, mas na verdade
oculta-se nessa estratégia uma ponta de ironia aguda, como nessa declaração:
"Pobre terra da Bruzundanga! Velha, na sua maior parte, como o planeta.
toda a sua missão tem sido criar a vida e a fecundidade para os outros".
Este comportamento camaleónico do narrador que
muda o ângulo de visão a todo instante, modulando também sua voz termina por
revelar a estratégia do satirista na adoção de sua persona: a flexibilidade.
Esta o habilita a adotar o comportamento mais retórico possível, ao mesmo tempo
demonstrando a atitude mais despretensiosa de que se tem notícia.
Em resumo, o intento oculto do
narrador seria conquistar o leitor ao confessar, logo de início, a ausência de
ambição na escrita da obra, pois são notas, além de uma certa falta de
elaboração do trabalho, exibindo-o como fruto do acaso. Tais procedimentos
acabam por desarmar o leitor. suscitando empatia para com o relato. Diante
dessa circunstância, o narrador-satirista acaba conquistando o direito de
rechear sua narrativa de imprecisões, obscuridades, tudo em nome de seu
aparente descompromisso com a realidade (atual, e tentando ainda despertar nos
leitores o espírito de critica e de condenação.
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Fonte:
Fonte:
Elizabeth Gonzaga de Lima:
"Avesso de Utopias: Os Bruzundangas e Aventuras do Doutor Bagóloff".
UNICAMP. Campinas, 2001
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