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Os conselhos surgem com Luís Garcia
Luís Garcia,
41 anos, pai de Estela,
funcionário público, cético,
de jeito modesto,
e cortês, carregava em sua
fisionomia traços tristes. Morava em Santa Teresa, um lugar menos povoado, onde curtia a sua viuvez. Não era de
fazer visitas e também não as recebia. Sua casa era
de poucos amigos,
cercada de melancolia
da solidão. O
quintal era o
lugar que podia chamar-se alegre,
onde Luís Garcia
andava e regava
todas as manhãs.
Ele se afasta
da sociedade para
cultivar o seu
jardim, assim volta-se
para sua vida
privada, seus interesses. Luís
Garcia preza a
sua independência, embora
tenha uma ligação
com a família
do Desembargador por favores
recebidos e prestados.
Mesmo sendo
um homem recluso,
ele “amava a
espécie e aborrecia
o indivíduo” (MACHADO
DE ASSIS, 2008,
p. 14). Todos
que solicitavam sua
ajuda raramente não obtinham favores.
Prestava favor com
eficácia, e esquecia
os benefícios, antes que os beneficiados esquecessem.
Tinha o dom de observar,
era capaz de adivinhar por trás
de um coração desenganado.
Assim
era; a experiência,
que foi precoce,
produzira em Luís
Garcia um estado
de apatia e
ceticismo, com seus
laivos de desdém.
O desdém não
se revelava por nenhuma
expressão exterior, era
a ruga sardônica
do coração. Por
fora, havia só a máscara
imóvel, o gesto
lento e as
atitudes tranquilas. Alguns
poderiam temê-lo, outros
detestá-lo, sem que
merecesse execração nem
temor. Era inofensivo
por temperamento e
por cálculo. Como
um célebre eclesiástico,
tinha para si
que uma onça de paz vale mais que uma libra de
vitória. Poucos lhe queriam deveras, e esses empregavam
mal a afeição,
que ele não
retribuía com afeição
igual, salvo duas exceções. Nem
por isso era
menos amigo de
obsequiar. (MACHADO
DE ASSIS, 2008, p. 14)
Luís Garcia
tinha duas afeições,
a primeira era sua filha,
que se chamava
Lina, cujo nome
doméstico era Iaiá,
a segunda era
Raimundo, 50 anos, “escravo e
livre”, tinha Luís como um
filho, por isso,
era submisso e
dedicado. O paternalismo
está presente na
obra. Raimundo não
poderia deixar de
servir Luís Garcia
por ter sido
amigo de seu
pai e de sua
família. Já, Luís Garcia “não dava ordem
nenhuma; tinha tudo à hora e no lugar competente” (MACHADO
DE ASSIS, 2008, p. 15). Não se trata de relação de trabalho, mas de um
laço afetivo que
une os dois.
Simulada a diferença,
a relação de
subordinação do agregado permanece.
Iaiá Garcia
era alta, delgada,
travessa, tinha o
hábito de rir.
O pai procurava
sempre realizar os
sonhos da filha,
como a de
ser mestra em
piano, Iaiá acabou
ganhando o instrumento.
Em seguida, abateu-se
por perceber que
tudo na casa
era velho e
somente o piano
novo. Seu pai,
mesmo sendo funcionário
público, não ganhava
bem, tinha que
levar trabalho para casa para
melhorar seu salário, mas jamais deixaria de fazer Iaiá feliz. Apesar de cético, suas afeições eram fortes, não era um
homem duro. Luís Garcia tinha traços de elegância e de
conselheiro e chama a atenção quando:
Não aceita
nem recusa, mas se
esquiva, quando não se atreve a formular a dúvida, quando tenta conciliar os desejos de Valéria
com a sua própria neutralidade, quando adota um
meio8termo, quando aceita
frouxamente, quando recusa mas
não pode resistir
às instâncias da
viúva, quando examina
a furto a
expressão nos olhos
de Jorge, quando
procura escapar8se depois
da janta sem
falar ao moço,
quando confirma com
o silêncio uma
pia fraude de
Valéria, quando não
se anima a perguntar,
e sobretudo quando volta para casa aborrecido de tudo, da mãe, do filho, e das circunstâncias em que se via posto.
(SCHWARZ, 2000, p. 1768177)
A vida de
Luís Garcia era uniforme e pacífica. Ele não possuía ambição ou cobiça. Em 1859, perdeu sua esposa, o que acarretou uma
forte dor por tê-la perdido. Casou-se porque era amado.
Meses depois foi se esconder em Santa Teresa. Luís Garcia
não pensava no
futuro, gostava de
guardar os papéis
e acabava com o passado após muito tempo.
Ao
pé da secretária
estava uma vasta
cesta, transbordando de
papéis; sobre a secretária papéis;
papéis na mão de Luís
Garcia; outros na
mão de Estela,
alguns esparsos no chão. Era uma liquidação de seis anos. Luís Garcia tinha o costume de guardar tudo, cartas, exemplares de jornais em
que havia alguma coisa de interesse, apontamentos, simples
cópias. De longe
em longe inventariava
e liquidava o passado. (MACHADO DE ASSIS, 2008, p. 97898)
Valéria Gomes
viúva de um
desembargador honorário, recorrera
duas ou três
vezes aos serviços
de Luís Garcia.
Ela pediu para ele dar conselhos
ao seu filho
Jorge, para ele ir para
a guerra do Paraguai. Ele tentou ser neutro no pedido feito por ela, mas não
adiantou e acabou aceitando, desconfiado
dos verdadeiros motivos que Valéria teria para mandar o filho para
a guerra. No outro
dia, ao jantar com mãe e
filho, passa a estudar a viúva,
com olhos agudos da suspeita, entretanto tinha sempre um
sorriso para cada coisa que ouvia, na intenção de
agradar e seduzir.
Jorge já mostrava-se
retraído e mudo,
porém ao ficar
sozinho com Garcia
disse que iria
para a guerra,
mas que o motivo verdadeiro
era por sua
mãe o querer longe de um amor proibido. Jorge não concordou com o conselho de Luís
Garcia:
Seu conselho mostra a
diferença de nossas idades – disse
ele. – Se eu fosse
para a Europa, que sacrifício faria à pessoa a quem amo? Pelo
contrário, a sacrificada era ela. Eu
ia divertir-me, passear, ver coisas novas, talvez achar novos amores. Indo à guerra, é diferente. Sacrifico o repouso e
arrisco a vida; é alguma coisa. Separados, embora, não me negará sua estima... (MACHADO DE ASSIS, 2008, p. 29)
Luís Garcia
disse para ele
descansar, que ele
não ia publicar
seus amores. Era um
homem que não revelava o que os outros o
confiavam. Achava apenas que ele não deveria ir para à guerra por este motivo, e sim por
outros sentimentos. Agora, a sua intenção era deixar que
os acontecimentos tivessem
livre curso, sem
suas intervenções. Como
Jorge já estava decidido, Luís Garcia pouco trabalho teve no
ânimo de Jorge.
Luís Garcia
foi a única pessoa a quem Jorge confiou metade do segredo que o levou para a guerra. Escreveu uma carta contando o
que sentia, seu amor tinha se transformado em uma
espécie de adoração
mística, mas não
revelou o nome
da pessoa. Acabou
se decepcionando com a resposta
de Garcia, pois este deu conselhos e reflexões relativos quase exclusivamente aos deveres de homem e soldado.
Ou seja, não tocou quase nada referente à carta de Jorge. Manteve seu gênio seco e
gélido. Quando a mãe de Jorge faleceu, Luís Garcia fez questão de avisar.
Estela, o
amor de Jorge, acabou casando-se com Luís Garcia. Via-o como um homem de
afeições plácidas, medíocres,
mas sinceras. Falava
pouco, era respeitoso,
vivia para si e para a filha, gostou da ideia de se casar com
ele, mesmo que tivessem diferenças. Apesar de não
ter vocação para
o casamento, Luís
Garcia acabou cedendo:
“Parece que em
geral os casamentos começam pelo amor e acabam pela
estima; nós começamos pela estima; é muito mais seguro” (MACHADO DE ASSIS, 2008, p.
70).
Quando Jorge
retornou da guerra,
Luís Garcia o
visitou. Neste momento,
Garcia o agradeceu pelo
que sua mãe havia
feito em sua vida, ajudando-o a casar.
Jorge o felicitou e ouviu: “Se eu tivesse o sestro de dar
conselhos, dir-lhe-ia que se casasse”
(MACHADO DE ASSIS, 2008, p. 73).
Após algum
tempo, Luís Garcia ficou doente e Jorge passou a visitá-lo. Ao pensar em sua
morte, pediu para
Jorge ser o
tutor moral de
sua esposa e filha.
Jorge prometeu que cumpriria seu
pedido. Ambos tinham
como distração o
jogo de xadrez
e alguns passeios. Distrações brandas e
pausadas como Luís
Garcia. Jorge aproveitava
os momentos e
os dois trocavam
ideias. Luís Garcia
era um homem
de pouca cultura,
mas através de sua solidão aprendeu a refletir. Jorge emprestava-lhe
livros de sua casa para ele ler:
A necessidade intelectual de Luís Garcia
contribuiu assim para tornar mais íntima a convivência, única exceção na vida reclusa que
ele continuava a ter, ainda depois de casado. Jorge
pela sua parte
não desmentia até
ali o bom
conceito que o
outro formava de suas qualidades;
e a família viu lentamente estabelecer-se a intimidade e a estima entre os dois homens. Uma noite,
saindo Jorge da casa de Luís Garcia, este e
a mulher ficaram
no jardim algum
tempo. Luís Garcia
disse algumas palavras
a respeito do filho de Valéria. – Pode ser que eu me engane – concluiu o
cético –, mas persuado8me que é um bom rapaz. (MACHADO DE ASSIS, 2008, p. 89)
A família
retirada e obscura, agora via a mudança de comportamento de Luís Garcia. Um
homem seco com
as pessoas, que
era expansivo somente
com os familiares,
abriu uma exceção para Jorge. Luís Garcia confiava e
demonstrou isto para Jorge, reforçou em seu leito de morte:
Peço
que não desampares
os meus. Sei
que morro, e
quero ter certeza
de que só deixo algumas
saudades. O senhor
vai casar com
minha filha; nada
me inquieta a esse respeito.
Mas Estela, que
não é mãe
de Iaiá, ou é somente
mãe de coração, Estela
vai ficar só,
e eu não
quisera morrer com
a ideia de
que a deixo
infeliz. Promete-me que
não a desamparará
nunca? Jorge prometeu. (MACHADO DE ASSIS,
2008, p. 164)
Luís Garcia
deixa a reclusão
para entregar os
cuidados de sua
família a Jorge.
Ele percebe que
é necessário abrir
uma exceção para
morrer em paz.
Assim, parte tranquilo, sabendo que os seus não ficarão desamparados.
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Fonte:
Luciane da Rocha Franzoni Reinke: “Iaiá Garcia, Esaú e Jacó e Memorial de Aires: A Construção de um Narrador”. (Dissertação de Mestrado em Literatura Brasileira, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Orientador: Prof. Dr. Antônio Marcos Vieira Sanseverino). Porto Alegre, 2012
Fonte:
Luciane da Rocha Franzoni Reinke: “Iaiá Garcia, Esaú e Jacó e Memorial de Aires: A Construção de um Narrador”. (Dissertação de Mestrado em Literatura Brasileira, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Orientador: Prof. Dr. Antônio Marcos Vieira Sanseverino). Porto Alegre, 2012
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