26/11/2013

Diário Íntimo, de Lima Barreto

Diario Intimo de Lima Barreto
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De Extravagante a Íntimo: o Diário de Lima Barreto  


As anotações que compõem as páginas da segunda edição do diário de  Lima estendem-se de 1900 a 1921. Visto tal número de anos, o leitor imaginará  que esse diário é relativamente longo, dado se nesse intervalo de vinte e dois  anos Lima houvesse tomado nota diariamente. Contudo, logo que passamos  folheá-lo percebemos  a  falta  de  regularidade  das anotações. Esse  aspecto  pode ser verificado pela ausência de notas ao longo dos anos de 1901, 1902 e  1909. Vale destacar que em nenhuma das edições foi verificado qualquer tipo  de  registro nesses anos, ou  seja, reduz-se  então  para dezenove  anos o  período anotado nesse diário. 

Em  relação  ainda  à  regularidade  da  escrita, há  outro aspecto  a  sublinhar: ao longo desse período de escritura em nenhum dos anos constam  anotações diárias. Ao contrário, as notas são bem esparsas, o que quer dizer  que há registros de alguns dias de determinados meses. O talhe das    anotações  é  também  bem  variável, enquanto  há  notas  desenvolvidas ao  longo  de  duas  páginas, outras não passam de uma ou duas linhas, traço comum nos diários,  já que o ritmo da escrita depende da vontade e da disponibilidade do diarista.  Do mesmo modo, há dias em que Lima tomou várias notas a respeito dos mais  variados assuntos, em outros, escreveu apenas uma nota.

O ano de 1905 é o de registros mais abundantes. Somente no mês de  janeiro  verificamos  vinte  notas, além  de  outras não  sequenciais ao  longo dos  meses de fevereiro, junho, julho e outubro. As entradas das anotações é outro  traço relevante, são assinaladas ora por data mais a indicação do mês, ora por somente data ou por somente mês e há ainda entradas não datadas, essas, a  nosso ver, figuram no diário mais pela escolha de Barbosa do que pelo caráter  que define entradas diarísticas – datação. Se por um lado o fato de muitas das  entradas serem  datadas, marca formalmente  o  intuito  de  escrever um  diário,  traço indispensável para esse gênero, por outro as notas sem data assinalam a  intervenção do organizador.

É  interessante  observar que  Lima  percebeu  a  falta  de  sequência na  escritura do diário, chegando a comentar:

Há mais de dez dias que não tomo notas. Nada de notável  me há impressionado, de forma que me obrigue a registrar.  Mesmo nos jornais nada  tenho  lido  que  me  provoque  assinalar, mas como entretanto eu queria ter um registro de  pequenas,  grandes,  mínimas idéias, vou  continuá-lo diariamente (DI, p. 99 - 20 de fevereiro de 1905).  

Esse  excerto demonstra que  Lima  atentava  para esta  característica  do  diário – a periodicidade, aspecto fundamental na confecção desse gênero que  ele procurava  respeitar. Seguindo  Dider (op. cit., p.  09), Lima  poderia  ser  considerado o tipo de diarista negligente [nonchalant] “que fica em atraso, visto  isso,  esforça-se  para  tapar  quinze  dias,  um  mês de  silêncio e  em  branco  no  di rio” (tradução nossa), posto não manter suas notas em dia. 

O uso  dos advérbios de  tempo  – hoje  e ontem, pontua  o  registro de  muitas das entradas respectivamente  no  dia  relativo  aos fatos narrados e  no  dia anterior. Outro marcador de  regularidade  da  escrita  é, como  no  trecho  supracitado, a  indicação  da  quantidade  de dias nos quais Lima  nada anotou:  “Desde domingo que não tomo notas. Hoje, 17, vou recapitular estes três dias” (DI, p. 86 – 17 de janeiro de 1905). Nota-se aqui se tratar de uma terça-feira,  pois na sequência, ele passou a relatar os acontecimentos de domingo, depois de segunda, em seguida, usou o advérbio hoje para marcar os fatos de terça-feira. Passados alguns dias,  em  24  de  janeiro  desse  mesmo  ano, registrou  novamente: “Desde  s bado, ou  antes, desde  sexta-feira  (20), que  não  tomo  notas” (DI, p. 89). 

A linguagem usada no Diário é bem coloquial, permeada por adjetivos e  advérbios que intensificam as descrições feitas, revelando os efeitos de cada  situação em Lima Barreto. Chama a atenção, o uso contínuo de palavras em  francês, tais como  –           chance, toilette, flirt,  gauche, touristes, rendez-vous, dentre outras. Sinais  de  reticência, pontos de  exclamação  e  travessões,  abundam  nas páginas  desse  diário, marcando  o  caráter subjetivo  próprio  do  diário íntimo. 

Conforme  podemos observar, conquanto  Lima  se  esforçasse  para  manter seu  diário  em  dia,  a  periodicidade  de  sua  escritura  configura-se  de  forma  bastante  diversa.  Talvez  esse  fato  sinalize  para o  tipo  de  vida  levado  pelo autor que  teve  uma  existência conturbada, marcada  especialmente  pela  doença do pai e pela falta de recursos financeiros da família. Acreditamos ser  possível atribuir  aos  diversos problemas  pessoais do  autor essa  falta  de  regularidade  das anotações, além  de  não  descartamos a  possibilidade  de  sumiço de  páginas íntimas. Vale ressaltar as duas internações no  Hospício  Nacional de Alienados por causa do alcoolismo – de agosto a outubro de 1914  e, mais tarde, do dia de natal de 1919 a fevereiro do ano seguinte. 

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Fonte:
Isabela da Hora Trindade: “Páginas íntimas - o diário extravagante de Lima Barreto”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados  de  Literaturas de  Língua  Portuguesa  da Faculdade de  Filosofia, Letras e Ciências  Humanas da  Universidade  de  São  Paulo  para a  obtenção  do  título de  Mestre em  Letras.   Orientadora: Profa. Dra. Fabiana Buitor Carelli). São Paulo, 2012

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