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De Extravagante a
Íntimo: o Diário de Lima Barreto
As
anotações que compõem as páginas da segunda edição do diário de Lima estendem-se de 1900 a 1921. Visto tal
número de anos, o leitor imaginará que
esse diário é relativamente longo, dado se nesse intervalo de vinte e dois anos Lima houvesse tomado nota diariamente.
Contudo, logo que passamos folheá-lo
percebemos a falta
de regularidade das anotações. Esse aspecto pode ser verificado pela ausência de notas ao
longo dos anos de 1901, 1902 e 1909.
Vale destacar que em nenhuma das edições foi verificado qualquer tipo de
registro nesses anos, ou seja,
reduz-se então para dezenove
anos o período anotado nesse
diário.
Em relação
ainda à regularidade
da escrita, há outro aspecto
a sublinhar: ao longo desse
período de escritura em nenhum dos anos constam anotações diárias. Ao contrário, as notas são
bem esparsas, o que quer dizer que há
registros de alguns dias de determinados meses. O talhe das anotações é
também bem variável, enquanto há
notas desenvolvidas ao longo
de duas páginas, outras não passam de uma ou duas
linhas, traço comum nos diários, já que
o ritmo da escrita depende da vontade e da disponibilidade do diarista. Do mesmo modo, há dias em que Lima tomou
várias notas a respeito dos mais variados
assuntos, em outros, escreveu apenas uma nota.
O ano
de 1905 é o de registros mais abundantes. Somente no mês de janeiro
verificamos vinte notas, além
de outras não sequenciais ao longo dos meses de fevereiro, junho, julho e outubro. As
entradas das anotações é outro traço
relevante, são assinaladas ora por data mais a indicação do mês, ora por somente
data ou por somente mês e há ainda entradas não datadas, essas, a nosso ver, figuram no diário mais pela escolha
de Barbosa do que pelo caráter que
define entradas diarísticas – datação. Se por um lado o fato de
muitas das entradas serem datadas, marca formalmente o
intuito de escrever um
diário, traço indispensável para
esse gênero, por outro as notas sem data assinalam a intervenção do organizador.
É interessante
observar que Lima percebeu
a falta de
sequência na escritura do diário,
chegando a comentar:
Há mais de dez dias que não tomo
notas. Nada de notável me há
impressionado, de forma que me obrigue a registrar. Mesmo nos jornais nada tenho
lido que me
provoque assinalar, mas como
entretanto eu queria ter um registro de pequenas, grandes,
mínimas idéias, vou continuá-lo diariamente (DI, p. 99 - 20 de fevereiro de 1905).
Esse excerto demonstra que Lima
atentava para esta característica do diário
– a periodicidade, aspecto fundamental
na confecção desse gênero que ele
procurava respeitar. Seguindo Dider (op. cit., p. 09), Lima
poderia ser considerado o tipo de diarista negligente [nonchalant] “que fica em atraso, visto isso, esforça-se para
tapar quinze dias,
um mês de silêncio e
em branco no di rio” (tradução nossa), posto não manter suas notas em dia.
O uso
dos advérbios de tempo – hoje
e ontem, pontua o
registro de muitas das entradas
respectivamente no dia
relativo aos fatos narrados e no dia
anterior. Outro marcador de
regularidade da escrita
é, como no trecho supracitado, a
indicação da quantidade
de dias nos quais Lima nada
anotou: “Desde domingo que não tomo notas. Hoje, 17, vou recapitular
estes três dias” (DI,
p. 86 – 17 de janeiro de 1905). Nota-se aqui
se tratar de uma terça-feira, pois na
sequência, ele passou a relatar os acontecimentos de domingo, depois de
segunda, em seguida, usou o advérbio hoje para marcar os fatos de terça-feira.
Passados alguns dias, em 24
de janeiro desse
mesmo ano, registrou novamente: “Desde s bado,
ou antes, desde sexta-feira (20), que não
tomo notas” (DI, p.
89).
A
linguagem usada no Diário é bem coloquial, permeada por
adjetivos e advérbios que intensificam
as descrições feitas, revelando os efeitos de cada situação em Lima Barreto. Chama a atenção, o
uso contínuo de palavras em francês,
tais como – chance, toilette, flirt,
gauche, touristes, rendez-vous, dentre outras. Sinais
de reticência, pontos de exclamação
e travessões, abundam
nas páginas desse diário, marcando o caráter
subjetivo próprio do diário
íntimo.
Conforme podemos observar, conquanto Lima
se esforçasse para manter
seu diário em
dia, a periodicidade
de sua escritura
configura-se de forma
bastante diversa. Talvez
esse fato sinalize
para o tipo de
vida levado pelo autor que
teve uma existência conturbada, marcada especialmente
pela doença do pai e pela falta de recursos financeiros da família.
Acreditamos ser possível atribuir aos
diversos problemas pessoais
do autor essa falta
de regularidade das anotações, além de não descartamos a
possibilidade de sumiço de
páginas íntimas. Vale ressaltar as duas internações no Hospício Nacional de Alienados por causa do alcoolismo – de agosto a outubro de 1914 e, mais tarde, do dia de natal de 1919 a fevereiro do ano seguinte.
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Fonte:
Isabela da Hora Trindade: “Páginas íntimas - o diário extravagante de Lima Barreto”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Fabiana Buitor Carelli). São Paulo, 2012
Fonte:
Isabela da Hora Trindade: “Páginas íntimas - o diário extravagante de Lima Barreto”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Fabiana Buitor Carelli). São Paulo, 2012
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