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O contexto histórico e as mudanças na recepção crítica de A moreninha
A moreninha é o principal romance
da fase introdutória do Romantismo brasileiro
e até hoje é um dos mais conhecidos representantes da nossa prosa romântica. Seu enredo é centrado na história de amor
entre Augusto e Carolina e registra os costumes
da sociedade carioca oitocentista.
Sendo a primeira obra da
literatura brasileira a obter sucesso de público, agradando também à crítica da época, permanece
na cultura brasileira devido às adaptações
para o cinema, teatro, televisão e quadrinhos. No século atual, ainda é reeditada com relativo sucesso e é obra sempre
presente nas salas de aula, fazendo parte do currículo escolar.
Publicada em 1844, é a primeira e
mais conhecida obra de Joaquim Manuel de Macedo e proporcionou a seu autor fama
imediata, inaugurando o chamado romance urbano
em nosso país.
Esse romance foi escrito após a
oficialização da independência política brasileira,
ocorrida em 1822, período em que crescia no país o desejo de independência também em relação à literatura portuguesa,
para que o Brasil pudesse se afirmar como nação. Época, portanto, de crescente
sentimento nacionalista em que era bem forte o interesse em exaltar nossa cultura, nossas
belezas naturais, ou seja, desejava-se construir uma identidade própria para o país
recém-liberto.
O surgimento desse sentimento
nacionalista foi importante, pois até então os enredos e cenários das narrativas que
circulavam por aqui, em sua maioria, não nos diziam respeito. Pesquisas envolvendo a
circulação de livros e a leitura no período colonial, desenvolvidas pelas professoras
Márcia Abreu (2007) e Marisa Lajolo (2004), comprovam a forte presença de romances
estrangeiros no país, principalmente os franceses e ingleses. Estudos
desenvolvidos por Marlyse Meyer (1996) e Ana Lúcia Reis (2005) apontam que, na época da
publicação do primeiro romance macediano, os folhetins franceses a cada dia conquistavam
mais leitores.
Essas e outras pesquisas recentes
apontam para o fato de que o lançamento de A moreninha representou uma pequena revolução
literária, pois inaugurou um novo estilo no país. Tratava-se de uma das primeiras
tentativas de se formar uma literatura brasileira
independente, observando usos e costumes locais, utilizando uma linguagem tipicamente nossa e envolvendo temas
nacionais. De acordo com críticos como Massaud
Moisés (2001), Heron de Alencar (2004), Alfredo Bosi (1994), Wilson Martins (1977) e Antonio Candido (1981), a
obra dos autores considerados precursores do romance brasileiro apresentava uma
qualidade precária e revelava uma ainda indecisa
literatura brasileira, que oscilava entre o conto, a novela e a crônica. As narrativas desse período, embora apresentassem
algumas tentativas de abrasileirar a ficção,
eram apenas embriões a espera de crescimento, ora parecendo imitação ou tradução de folhetins franceses, ora ainda
muito presas à literatura portuguesa. De uma forma mais organizada que seus predecessores e
com um nível técnico bastante elevado para
a época, a publicação de A moreninha deu início ao moderno romance brasileiro.
A obra era um esforço preliminar para se
criar uma tradição e uma linguagem nossas, que mais tarde poderiam ser aprimoradas e
desenvolvidas por outros autores.
Os romances dessa fase inicial da
prosa romântica brasileira eram parte integrante
de um projeto ideológico, elaborado pela elite dirigente, que tinha por objetivo criar a ideia de nação. Buscava-se
construir uma consciência nacional que levaria
a população da ex-colônia cada vez mais a se sentir fazendo parte de uma mesma nacionalidade, que fosse diferente da
portuguesa.
Muitos românticos brasileiros
assumiram para si a responsabilidade da construção
da nação. A educação era vista como uma espécie de missão e esses escritores utilizavam a literatura como
instrumento pedagógico e moralizador. A moreninha
pode ser vista como a primeira obra a refletir o processo civilizatório vigente, que tinha por objetivo superar o
nosso atraso cultural, fruto dos anos de colonização. Através do discurso presente
nesse romance percebe-se um esforço para modernizar, moralizar e instruir o leitor.
Os conceitos de historicidade da
literatura e de horizonte de expectativas, de Hans Robert Jauss, serão utilizados neste
artigo para tentar explicar por que a obra A moreninha foi recebida pela crítica de forma
diferente ao longo dos séculos. Esse autor afirma que:
A obra literária não é um objeto
que exista por si só, oferecendo a cada observador
em cada época um mesmo aspecto. Não se trata de um monumento a revelar monologicamente seu Ser
atemporal. Ela é, antes, como uma
partitura voltada para a ressonância sempre renovada da leitura, libertando o texto da matéria das palavras e
conferindo-lhe existência atual. (JAUSS,
1994, p. 25).
De acordo com Jauss (1994),
existe um saber prévio que determina a recepção da obra pelo público leitor denominado
“horizonte de expectativas”, que estaria acima da compreensão subjetiva e particular de cada
leitor. A recepção da obra surge como um fato social e histórico ao situar as reações
individuais de cada leitor dentro de um universo
mais amplo no qual cada indivíduo está inserido. Esse universo sugestionaria
o indivíduo a fazer interpretações
influenciadas por um saber coletivo. Dessa forma, a experiência social e
histórica do grupo ao qual o indivíduo pertence seria dominante em relação a cada leitura individual. Uma mesma
obra pode atender, romper ou ampliar as expectativas
dos leitores de forma diferente, dependendo do momento histórico no qual for lida.
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Fonte:
Rosália de Almeida Dias: “O
contexto histórico e as mudanças na recepção crítica de A moreninha”. Cadernos do IL, Porto Alegre,
n.º 45, dezembro de 2012. p. 19-38. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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