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A origem do teatro alencariano: o ‘teatro
ao correr da pena’ e a fundação do Ginásio Dramático
Em 1857,
José de Alencar já era um escritor consagrado entre o público. Iniciara sua
carreira na seção Ao correr da pena, como folhetinista das páginas dos
jornais Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro entre 1854 e
1855. Em 1856 o autor publica seu primeiro romance, Cinco minutos. Em
1857, Alencar lançaria também, nas páginas do Diário do Rio de Janeiro, aquele
que viria a ser o seu maior sucesso de público como escritor: O Guarani,
publicado em 54 capítulos, obra que o consagraria como o maior homem de letras
de seu tempo, com papel central no movimento romântico brasileiro.
Por sua
vez, o interesse de Alencar pelo teatro surge antes do lançamento de O
Guarani, como afirmou João Roberto Faria (1987), ao contrário de alguns
biógrafos do escritor, que observam apenas a linha cronológica de lançamento de
suas peças. É certo que a peça de estreia de Alencar, O Rio de Janeiro,
verso e reverso, data de 1857, após o lançamento e consagração de O
Guarani, mas é certo também que a atenção de Alencar pelo teatro se origina
de seu papel como folhetinista, exercido anteriormente.
Quando
escreveu a seção Ao correr da pena, Alencar exercia aquela que era uma
das principais obrigações do folhetinista ao retratar o cotidiano da corte: freqüentar
teatros, óperas e salões de baile da então capital do império. O contato com
tal ambiente fez Alencar perceber a estagnação na qual se encontrava o teatro brasileiro,
com a representação resultante da mera transposição de peças estrangeiras,
especialmente francesas. Nessa época, em folhetim de 19 de novembro de 1854,
escreveu Alencar no sentido de que cabia ao maior ator da época, João Caetano,
a tarefa de liderar a criação de um teatro que o autor considerava nacional:
Se João Caetano compreender quanto é
nobre e digna de seu talento esta grande missão, que outros, antes de mim, já
lhe apontaram; se corrigindo pelo estudo alguns pequenos defeitos, fundar uma
escola dramática que conserve os exemplos e as boas lições de seu talento e a
sua experiência, verá abrir-se para ele uma nova época (ALENCAR, 2004, p. 109).
Os ‘pequenos
defeitos’ aos quais Alencar se referia visavam justamente o estilo de interpretação
de Caetano, que Alencar considerava exagerado, grandiloquente, sem poupar a
falta de comprometimento do ator com o que considerava a causa do teatro
genuinamente brasileiro. Afirma João Roberto Faria (1987) que João Caetano não
teria ficado indiferente aos apelos e às críticas de Alencar, mas que teria
agido demasiado tarde. Neste sentido, Alencar partilha nesse momento das ideias
de toda uma nova geração de intelectuais acerca do teatro, ideias vindas da
França, com o realismo teatral iniciado por Alexandre Dumas Filho com A dama
das camélias, em 1852, na qual já vigorava o estilo de interpretação
considerado mais ‘natural’, sem lances dramáticos artificiais.
E os
apelos de Alencar são finalmente atendidos em março de 1855, pelo empresário
Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos, que funda o Teatro Ginásio Dramático, em
resposta à estagnação do Teatro São Pedro de Alcântara, que era liderado por João
Caetano. Inspirado no Gymnase-Dramatique, reduto dos realistas
franceses, o ginásio acolheria a encenação de peças do repertório de seu
congênere francês. Ademais, já se preocupava o autor com questões que até hoje
são discutidas no meio artístico, como a autonomia do teatro em relação a subvenções
governamentais.
Em crônica
de 15 de abril de 1855, Alencar comenta a criação e o início dos ensaios do
Ginásio Dramático:
E isto vem a propósito, agora que a
nova empresa do Ginásio Dramático se organizou, e promete fazer alguma coisa ao
bem do nosso teatro. [...] O que resta, pois, é que os esforços do Sr. Emilio
Doux sejam animados, que a sua empresa alcance a proteção de que carece para
poder prestar no futuro alguns serviços. Cumpre que as pessoas que se acham em
uma posição elevada deem o exemplo de uma proteção generosa à nossa arte
dramática (ALENCAR,
2004, p. 283).
Em
novembro de 1855, Alencar encerra a seção ao correr da pena, mas em 1856
ainda escreve alguns folhetins, ainda que de forma dispersa, sendo que, segundo
João Roberto Faria, apenas dois interessam para demonstrar o interesse e Alencar pela carreira de dramaturgo. São os
folhetins de 12 de junho e 1 de julho de 1856, nos quais o escritor, em vez de ‘conversar’
com seus leitores, apresenta no espaço uma comédia, intitulada O Rio de
Janeiro às direitas e às avessas: comédia de um dia, a qual teve apenas
três atos publicados e restou inacabada. Afirma o autor sua intenção no
folhetim de 12 de junho:
O título é um pouco original; mas o
que talvez ainda vos admire é o enredo da peça; cada cena é uma espécie de
medalha que tem o seu verso e o seu reverso; de um lado está o ‘cunho’, do
outro a ‘efígie’ (ALENCAR,
2003, p. 280).
Outra
peculiaridade na ‘peça’ apresentada por Alencar é que as personagens não
possuem nomes, mas são nomeadas por tipos específicos que compõem a sociedade
de então, e até mesmo a instituições. Assim, fazem parte da trama o Bacharel, o
comércio, a indústria e a pérfida política, por exemplo.
Assim,
tanto na literatura quanto no teatro, José de Alencar se mostra um
experimentador, primeiro fazendo algo mais amplo, ou genérico, em um exercício
da escrita teatral semelhante ao que seria feito em sua literatura, com a
publicação de Cinco minutos, para depois lançar-se em uma empreitada mais
ambiciosa e bem sucedida, com O Guarani.
Já nesse
período, portanto, o escritor milita em duas vertentes: a primeira pela
edificação de um teatro independente da subvenção governamental e, portanto,
com autonomia para acolher a nova geração de dramaturgos adeptos da escola
realista francesa, e a segunda vertente para a criação e encenação de uma obra
teatral concebida por autores brasileiros, tendo Alencar à frente. Mostra o
autor, portanto, conhecimento da estrutura social que influencia na produção
artística e, sobretudo, consciência ‘midiática’, ciente de que a propaganda e a
divulgação são essenciais para o sucesso do espetáculo.
Alencar,
escritor de papel fundamental no movimento romântico brasileiro, no que diz
respeito à literatura, considerava-se um adepto da escola realista no teatro, o
que significa dizer que ele, assim como os mestres franceses nos quais se
inspirava, defendia valores burgueses fundamentais para a época, como o
trabalho e a família, abordando as questões sociais pelo prisma da moralidade, destinando-se
o texto teatral realista a dar lições edificantes ao público.
No caso do
teatro realista, acreditava-se que a naturalidade e espontaneidade necessárias
não se encontravam no texto, mas nos elementos extratextuais, tais como o jogo
cênico e a interpretação dos atores, características estas que andavam em
sentido inverso no terreno textual, em que imperavam o conservadorismo e o
conteúdo sempre moralizador, com a valorização da família e do capitalismo.
Estes e outros tópicos são tratados demoradamente por Alencar em seu artigo A
Comédia Brasileira, que, segundo João Roberto Faria, seria uma ‘profissão de fé realista’ e a prova
de que o autor se iniciou no teatro com um projeto definido, que tinha como um
dos principais alvos pôr fim ao
romantismo
teatral no Brasil.
A adoção
de uma escola crítica, contudo, não dá a qualquer autor a chancela de que este
trilhará o caminho destinado aos viajantes deste trajeto, de que chegarão sãos
e salvos ao porto do realismo, por exemplo. Fato é que a época de Alencar foi
aquele período de transição em que seguir um vocabulário crítico faz que o
autor apresente determinados conceitos, mas estes não seriam capazes de
delimitar ou aprisionar seus textos em determinada escola, só porque o
dramaturgo assim escolhera. E foi desse modo que se deu o embate nos textos de
Alencar entre a escola romântica e a realista no teatro.
Elucida
melhor o assunto Martin Esslin: Em períodos ou civilizações dotados de visão do
mundo unificadas, coerentes e aceitas sem contestação por sua vasta maioria –
períodos como o da Grécia clássica ou da Idade Média – as artes e o drama em
particular tendem a refletir tal visão por meio de um estilo único e unificado
de apresentação
(ESSLIN,
1978, p. 60-61).
E no
século XIX, em que a burguesia ascendente consolidava seus valores de defesa da
família, do casamento e do dinheiro empregado sem ganância, nada mais
conveniente do que aliar um modo de interpretação mais ‘natural’ com a
representação pelo texto dos valores conservadores da sociedade de então,
conceitos que Alencar seguiu em grande parte de suas peças, nas quais a
sociedade, via de regra, subjuga o indivíduo.
Mas essa
delimitação de gêneros pretendida por autores como Alencar não restaria
indiferente à infiltração do romantismo, de suas soluções inverossímeis e
grandiloquentes, rompendo com as normas que delimitam tais gêneros. Definido
por Antonio Candido por “[...] complexo e amplo, anticlássico por excelência, é
o mais universal e irregular dos gêneros modernos” (CANDIDO, 1969, p. 109), o
romantismo, no que diz respeito à dramaturgia, opõe o modo de interpretação
mais natural em face do mais afetado; o texto mais conservador e linear em face
de lances ousados e inverossímeis; a predominância do social em face Foi entre
esses mundos que o teatro de José de Alencar se situou, professando a fé do
autor no realismo como caminho para a afirmação do teatro nacional, recorrendo,
entretanto, com frequência a recursos claramente afetos à escola romântica quando
a situação lhe parecia conveniente ou necessária, fator que será discutido
novamente quando da conclusão deste trabalho.
A fim de
avaliar como tais concepções teóricas se refletem na obra teatral de Alencar,
dois trabalhos serão analisados, dentre as sete peças que escreveu. Trata-se de
O demônio familiar, comédia realista que significou uma evolução em
relação à estreia de Alencar como dramaturgo em O Rio de Janeiro: verso e reverso,
bem como As asas de um anjo, peça mais sombria e polêmica de Alencar,
que viria a ser censurada logo em sua segunda apresentação.
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Fonte:
Douglas Ricardo Hermínio Reis: “José de Alencar e o teatro: um romântico realista. Acta Scientiarum. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto, Universidade Estadual Paulista ”Julio de Mesquita Filho”
Fonte:
Douglas Ricardo Hermínio Reis: “José de Alencar e o teatro: um romântico realista. Acta Scientiarum. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto, Universidade Estadual Paulista ”Julio de Mesquita Filho”
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