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Uma história de sonhos, uma história de ouro
[...]
A história de Sonhos D’Ouro
começa em um verão tropical, sob o sol ardente da Tijuca onde se encontram
Ricardo e Guida. Ele, um jovem bacharel provinciano, com interesses e dotes
artísticos, está no Rio trabalhando honestamente para conseguir vinte contos de
réis, montante que o levaria à felicidade. Guida é a moça da corte, educada à
inglesa, versada em salões e menina mimada, vendo todos os caprichos
satisfeitos, por ser filha de Soares, homem que “de simples dono de armarinho,
se elevara a milionário”, a “banqueiro”. A narração do primeiro encontro das
duas personagens utiliza tantos recursos teatrais que o leitor logo percebe por
onde vai a história e seu motor é “esta diferença de condições sociais”, apontada
por Antonio Candido, na Formação da Literatura Brasileira, como “uma das molas
da ficção de Alencar” A explicitação dessa diferença social entre as
personagens cria a possibilidade de lermos, neste romance, episódios de uma
história do ouro. Os capítulos VIII e XII trazem algumas maneiras de
enriquecimento e de aquisição de títulos de nobreza, ao apresentarem os
convivas de Soares, mostrando que as relações existentes à mesa de almoço ou de
jogo são tecidas pelo dinheiro. Este aparece também como elemento decisivo na
definição do casamento, problema longamente discutido nos capítulos XXV e XXVI.
O narrador, no capítulo V, atribui a devastação da natureza ao desejo de lucro.
Freqüentemente, esse universo de relações humanas permeado por disputas econômicas
serve de apoio a crítica.s à atividade política, como nas seguintes palavras de
Soares, referindo-se ao casamento da filha: “eu sou a coroa, a Guida é o
parlamento. Ela tem o direito de votar o projeto; eu limito-me à sanção ou ao
veto”.
Na relação entre Guida e Ricardo
hd dois obstáculos: o ouro e a consciência. Observe-se o caráter metálico das
imagens que a ela se referem: o riso “argentino” de Guida é comparado a “um
cofre de pérolas e rubis”; “ela era o milhão feito anjo; o ouro convertido em luz,
a libra esterlina transformada em estrela”, e sonhos d’ouro, a flor que provoca
o encontro das personagens, tem a cor do metal. Ricardo defende a dignidade do
trabalho, recusando-se a relacionar-se com o mundo pela circulação do dinheiro
ou do favor.
Isola-se em seu pequeno quarto
para preservar a palavra empenhada e a consciência, trabalhando em alguns
processos e traduzindo folhetins e Eugénie Grandet. Intencional ou não, é
interessante citação desta obra de Balzac: história de uma riqueza que cresce na
medida em que os proprietários se dissolvem, uma trajetória de desumanização.
Talvez por a realidade brasileira
não apresentar o mesmo grau de complexidade que a província francesa, talvez
por Alencar não conseguir olhá-la com a pupila impiedosa de Balzac, Sonhos
D’Ouro impregna-se do romantismo e nos oferece uma história de amor. Ricardo,
liberado do compromisso de sua palavra, volta à harmont natural da Tijuca. A
rapidez do desabrochar da flor desata os sentimentos. Com a mesma pressa,
Alencar foi ao prelo acrescentar o post-scriptum
que, apesar de tantas peripécias douradas, acaba forjando um happy-end para a história de sonhos.
Talvez seja esta a que mais cale na memória do leitor.
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Fonte:
Valéria de Marco, in: “Sonhos
D’Ouro”: José de Alencar. Editora Ática. São Paulo, 1981.
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