19/10/2013

O Teatro de José de Alencar (Volume II)

 Jose de Alencar - Teatro II - Iba Mendes
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Representações femininas, a  censura ao teatro de José de Alencar

Ao todo, ele escreveu nove peças teatrais, representadas no Teatro Ginásio  Dramático, bastante conceituado pela sociedade carioca da época. Como o espírito dos  literatos desta época estava muito ligado as questões da educação pública, a cada peça nova  que estreava, vinha acompanhada de um grande entusiasmo nos jornais, que publicavam  notas e colunas diversas tecendo comentários e críticas a respeito da obra e da atuação dos  atores. No caso da produção de Alencar, quando as críticas não lhes era favorável, suas  repostas publicadas em jornais eram quase imediatas.

Em junho de 1858 deu-se início a uma polêmica que foi encarada por Alencar,  como uma questão de honra a ser defendida. No Ginásio Dramático, a peça As Asas de um  Anjo teve a sua representação proibida, e sérias críticas foram feitas sugerindo que ela era  “realista demais”. A trama trata de uma jovem, que é “induzida” ao vício da prostituição e  depois de muito sofrer nesta vida marginal, acaba por encontrar a redenção através da  maternidade. Há no entanto, uma cena em particular que chocou completamente a polícia  da época. Resumidamente, é um momento em que Carolina, a jovem prostituída, sofre uma  tentativa de estupro por seu próprio pai, que completamente bêbado, não a reconheceu.

Alencar defendeu-se, declarando a plena aceitação do público e alegando que os  motivos que o levaram a escrever tal estória são de natureza mais pura e bem-intencionada.  A imoralidade citada pela polícia é totalmente refutada, sendo percebida como um ato que é  auto-punitivo

Será imoral uma obra que mostra o vício castigado pelo próprio vício; que  tomando por base um fato infelizmente muito freqüente na sociedade, deduz dêle conseqüências terríveis que servem de punição não só aos seus autores  principais, como àqueles que concorreram indiretamente para a sua realização.

As atitudes representadas funcionariam para os espectadores como um espelho  invertido. Ao invés de incitar a imoralidade como insinua a polícia censora, Alencar tentou  criar todo um clima de aversão, evidenciando toda a vileza e asquerosidade do ato da  sedução.

No decorrer deste ensaio, publicado no Diário do Rio de Janeiro em 22 de junho  de 1858, fez uma análise de todos os personagens envolvidos na peça, explicitando como  cada um deles contribuiu para a elaboração do desfecho final em que o amor é glorificado e  a maternidade exaltada como forma de redenção dos vícios. Utilizou a seu favor também,  um recurso altamente qualificado: citar autores europeus que outrora escreveram sobre a  prostituição como Vitor Hugo e Dumas Filho. Ao afirmar que tanto o tema como a forma  de abordagem não eram exatamente sua criação original, o autor caiu novamente na  interessante contradição aparentemente indissolúvel de legitimar uma literatura nacional a  partir de modelos estrangeiros, que ele resolveu usando um princípio evolutivo, em que as  mais altas civilizações (leia a civilização francesa) serviriam de espelho para a organização  das bases estruturais da sociedade brasileira, e suas idiossincrasias iriam-se firmando  conforme seu desenvolvimento.

A censura das Asas de um Anjo foi sentida por Alencar de forma bastante intensa.  Basta percebermos que o tema da prostituta regenerada será retomado em duas de suas  obras posteriores, Expiação e Lucíola, e que a publicação da peça foi precedida de uma  advertência com o mesmo tom rancoroso e com um leve desdém aos que não  compreendiam os objetivos de sua obra contido no ensaio publicado no Diário do Rio de Janeiro. Expiação é literalmente uma continuação de Asas de um Anjo, numa tentativa,  como o autor mesmo afirma, de desenvolver melhor os argumentos na qual defendeu a obra  anterior.

Meu pensamento escrevendo em 1858 a comédia que tem por título “As Asas  de um Anjo” , foi esboçar a vida da Madalena moderna, a Madalena do  Ouro, filha da sociedade atual. (...) A Madalena do mundo é uma vítima do  ouro, abjura do amor e relapsa na cupidez; embora contrita e arrependida só  remirá sua culpa quando tiver amado muito e portanto muito sofrido. (...) A  primeira época de Carolina, As Asas de um Anjo, foi censurada por espíritos  bem reputados em literatura. (...) A Expiação é a resposta a estas censuras.

A grande resposta a censura viria mesmo em 1862 com a publicação de Lucíola.  Expiação foi escrita posteriormente em 1868, revelando a obsessão do autor com este tema,  talvez pela maneira considerada brutal e incompreensiva da censura em relação as suas  idéias. Alencar, um renomado escritor de sua época, que trabalhou em diversos jornais,  convivia com diversos escritores e jornalistas, e tinha grande aceitação por parte do  público, (tanto que a conceituada editora Garnier estabeleceu um contrato para editar seus  livros a partir de 1870), tinha tamanha certeza que seu projeto de construção de uma  literatura que fundamentasse as bases da civilização moderna nacional era o mais correto,  que nunca aceitou muito bem qualquer atitude que resvalasse em seus objetivos enquanto  escritor-educador.

Ao traçarmos um panorama de sua obra literária como um todo, podemos perceber  uma grande quantidade de escritos destinados a retrucar e replicar críticas feitas as suas  obras. É através delas que podemos perceber também este seu projeto. Foi de extrema  importância a análise desta peça teatral, uma vez que ela representa em termos literários os antecedentes mais explícitos ao romance  Lucíola. Acredito que a História está inscrita não  apenas não apenas os homens e em suas ações, mas também em suas produções  intelectuais, em suas representações construídas e consumidas no cotidiano nacional.
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Fonte:
Ana Carolina Eiras Coelho Soares:  “MÃE, MULHER E PROSTITUTA EXEMPLARES: representações femininas, a  censura ao teatro de José de Alencar e a construção da obra literária Lucíola”

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