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Representações femininas, a censura ao teatro de José de Alencar
Ao
todo, ele escreveu nove peças teatrais, representadas no Teatro Ginásio Dramático, bastante conceituado pela sociedade
carioca da época. Como o espírito dos literatos
desta época estava muito ligado as questões da educação pública, a cada peça
nova que estreava, vinha acompanhada de
um grande entusiasmo nos jornais, que publicavam notas e colunas diversas tecendo comentários e
críticas a respeito da obra e da atuação dos atores. No caso da produção de Alencar, quando
as críticas não lhes era favorável, suas repostas publicadas em jornais eram quase
imediatas.
Em
junho de 1858 deu-se início a uma polêmica que foi encarada por Alencar, como uma questão de honra a ser defendida. No
Ginásio Dramático, a peça As Asas de um Anjo
teve a sua representação proibida, e sérias críticas foram feitas sugerindo que
ela era “realista demais”. A trama trata
de uma jovem, que é “induzida” ao vício da prostituição e depois de muito sofrer nesta vida marginal,
acaba por encontrar a redenção através da maternidade. Há no entanto, uma cena em
particular que chocou completamente a polícia da época. Resumidamente, é um momento em que
Carolina, a jovem prostituída, sofre uma tentativa de estupro por seu próprio pai, que
completamente bêbado, não a reconheceu.
Alencar
defendeu-se, declarando a plena aceitação do público e alegando que os motivos que o levaram a escrever tal estória
são de natureza mais pura e bem-intencionada. A imoralidade citada pela polícia é totalmente
refutada, sendo percebida como um ato que é auto-punitivo
Será imoral uma obra que mostra o vício
castigado pelo próprio vício; que tomando
por base um fato infelizmente muito freqüente na sociedade, deduz dêle
conseqüências terríveis que servem de punição não só aos seus autores principais, como àqueles que concorreram
indiretamente para a sua realização.
As
atitudes representadas funcionariam para os espectadores como um espelho invertido. Ao invés de incitar a imoralidade
como insinua a polícia censora, Alencar tentou criar todo um clima de aversão, evidenciando
toda a vileza e asquerosidade do ato da sedução.
No
decorrer deste ensaio, publicado no Diário do Rio de Janeiro em 22 de junho de 1858, fez uma análise de todos os
personagens envolvidos na peça, explicitando como cada um deles contribuiu para a elaboração do
desfecho final em que o amor é glorificado e a maternidade exaltada como forma de redenção
dos vícios. Utilizou a seu favor também, um recurso altamente qualificado: citar
autores europeus que outrora escreveram sobre a prostituição como Vitor Hugo e Dumas Filho. Ao
afirmar que tanto o tema como a forma de
abordagem não eram exatamente sua criação original, o autor caiu novamente na interessante contradição aparentemente
indissolúvel de legitimar uma literatura nacional a partir de modelos estrangeiros, que ele
resolveu usando um princípio evolutivo, em que as mais altas civilizações (leia a civilização
francesa) serviriam de espelho para a organização das bases estruturais da sociedade brasileira,
e suas idiossincrasias iriam-se firmando conforme seu desenvolvimento.
A
censura das Asas de um Anjo foi sentida por Alencar de forma bastante intensa. Basta percebermos que o tema da prostituta
regenerada será retomado em duas de suas obras posteriores, Expiação e Lucíola, e que a
publicação da peça foi precedida de uma advertência
com o mesmo tom rancoroso e com um leve desdém aos que não compreendiam os objetivos de sua obra contido
no ensaio publicado no Diário do Rio de Janeiro. Expiação é literalmente uma
continuação de Asas de um Anjo, numa tentativa, como o autor mesmo afirma, de desenvolver
melhor os argumentos na qual defendeu a obra anterior.
Meu pensamento escrevendo em 1858 a comédia que tem por
título “As Asas de um Anjo” , foi
esboçar a vida da Madalena moderna, a Madalena do Ouro, filha da sociedade atual. (...) A
Madalena do mundo é uma vítima do ouro,
abjura do amor e relapsa na cupidez; embora contrita e arrependida só remirá sua culpa quando tiver amado muito e
portanto muito sofrido. (...) A primeira
época de Carolina, As Asas de um Anjo, foi censurada por espíritos bem reputados em literatura. (...) A Expiação
é a resposta a estas censuras.
A
grande resposta a censura viria mesmo em 1862 com a publicação de Lucíola. Expiação foi escrita posteriormente em 1868,
revelando a obsessão do autor com este tema, talvez pela maneira considerada brutal e
incompreensiva da censura em relação as suas idéias. Alencar, um renomado escritor de sua
época, que trabalhou em diversos jornais, convivia com diversos escritores e
jornalistas, e tinha grande aceitação por parte do público, (tanto que a conceituada editora
Garnier estabeleceu um contrato para editar seus livros a partir de 1870), tinha tamanha
certeza que seu projeto de construção de uma literatura que fundamentasse as bases da
civilização moderna nacional era o mais correto, que nunca aceitou muito bem qualquer atitude
que resvalasse em seus objetivos enquanto escritor-educador.
Ao
traçarmos um panorama de sua obra literária como um todo, podemos perceber uma grande quantidade de escritos destinados a
retrucar e replicar críticas feitas as suas obras. É através delas que podemos perceber
também este seu projeto. Foi de extrema importância
a análise desta peça teatral, uma vez que ela representa em termos literários
os antecedentes mais explícitos ao romance Lucíola. Acredito que a História está inscrita
não apenas não apenas os homens e em
suas ações, mas também em suas produções intelectuais, em suas representações
construídas e consumidas no cotidiano nacional.
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Fonte:
Ana Carolina Eiras Coelho Soares: “MÃE, MULHER E PROSTITUTA EXEMPLARES: representações femininas, a censura ao teatro de José de Alencar e a construção da obra literária Lucíola”
Ana Carolina Eiras Coelho Soares: “MÃE, MULHER E PROSTITUTA EXEMPLARES: representações femininas, a censura ao teatro de José de Alencar e a construção da obra literária Lucíola”
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