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Impasse e conciliação: a posição do homem livre pobre em O tronco do ipê
Impasse e conciliação: a posição do homem livre pobre em O tronco do ipê
É provável
que nunca estivesse
tão presente, no romance rural do XIX, de modo explícito,
sistemático e recorrente, o mal-estar que a condição de dependente representa para este tipo de personagem, como
se percebe n’O tronco do ipê. Com
modulações variadas de sentimentos e expressão em face do problema, que passa
pelo sarcasmo, toca a autocomiseração e o constrangimento, chegando muitas
vezes ao ressentimento, certos aspectos que cercam a posição de Mário como
dependente são a linha de força que movimenta significativamente a primeira
parte do romance de Alencar. Como n’O sertanejo e em Til,
romances do mesmo autor, temos como protagonista um dependente de um grande
proprietário. Entretanto, do ponto de vista da narrativa, enquanto Arnaldo
Louredo (O sertanejo) e Berta/Jão
Fera (Til), sobretudo
estes últimos, transitam de modo inconsciente na relação de
dependência, Mário, ao contrário, enuncia não somente o lugar que ocupa na fazenda
Nossa Senhora do Boqueirão, como protegido do barão da Espera, como também o
mal-estar que tal situação representa para ele. Observe-se que, das sete
passagens destacadas, seis são intervenções feitas diretamente pelo protagonista,
e apenas numa, a sexta, é o narrador que se põe na perspectiva do personagem
inserido em tal condição. Esta maneira de o romance formular um dos nós centrais
terá consequências expressivas no plano narrativo, como se tentará mostrar mais adiante.
A primeira
parte do romance, que a bem dizer preenche quase que simetricamente a sua
metade, é tomada de tom nervoso, crispado. Uma estridência tensa que tende a
ser amainada, ou mesmo parece querer se confundir ou se misturar à própria
natureza juvenil das situações apre- sentadas, já que as idades dos personagens
centrais, Mário, Alice e Adélia, giram, nesse momento, em torno de 12 a 15 anos.
Num certo sentido, é como se estivéssemos apreciando a estrepitosidade juvenil
dos personagens em geral, mesclada e interposta à estridência desgostosa,
insatisfeita e irritadiça de Mário diante da condição de dependente que ocupa.
Em O tronco do ipê, os acontecimentos do passado familiar de Mário vão
determinar o todo da narrativa, ou seja, a caracterização do protagonista, a
sua posição social e o andamento da intriga.
Mário Figueira,
desde menino (período este da vida do protagonista que corresponde à primeira
parte do romance), carrega a suspeita de que Joaquim Freitas, o barão da
Espera, esteja ligado ao destino fatal de seu pai, José Figueira, morto nas
águas do boqueirão, bem como à posse inesperada da fazenda. Em flashback,
nos capítulos X e XI, intitulados “Dois amigos” e “Desastre”, o leitor toma conhecimento
de que José Figueira e Joaquim de Freitas foram amigos de infância. Pobre e
órfão de um administrador de fazenda, este se torna protegido do comendador
Figueira, pai de José, o qual o ajuda a montar “uma pequena casa de negócio”.
Vendo no casamento “toda a esperança, todo o futuro; era a riqueza tão
ardentemente ambicionada” (ALENCAR, 1980, p. 39), é, todavia, com a posse da
propriedade que Joaquim de Freitas enriquece. Com a morte do comendador e a
enigmática morte de José Figueira no boqueirão,
sabe-se, de modo
surpreendente para os envolvidos, que ele se tornara um dos
principais credores do
comendador, “a quem estava hipotecada a fazenda de Nossa Senhora do Boqueirão
no valor de cem contos de reis” (ALENCAR, 1980, p. 42). A partir desta
situação, torna-se dono da propriedade; em seguida, pleiteia e obtém, em troca
da soma de doze contos de réis “doados” ao hospício de Pedro II, o título de
barão; e também por gratidão e generosidade ampara agora em suas terras a viúva
e o filho de José Figueira, D. Francisca e Mário. A passagem de Joaquim de
Freitas de homem livre pobre a grande proprietário reconfigura a posição
social de Mário no presente da intriga, que de potencial proprietário passa a
protegido e dependente. Parodiando a famosa expressão de Sérgio
Buarque de Holanda,
Mário é um expropriado
em suas próprias terras. Deriva desta situação, mais sentida do que refletida
por parte do protagonista, o sentimento de que “todas as pessoas da amizade do
rico fazendeiro incorriam na antipatia do menino” (ALENCAR, 1980, p. 67).
Dentre elas, Alice, a filha do barão da Espera, será, a princípio, alvo central
do ressentimento de Mário, destilado por um sarcasmo e por um pretenso desprezo
dos privilégios que cercam a menina por ser filha de proprietário “nobre” e
rico. A afronta contínua e sistemática à posição da garota não vai sem uma dose
ambígua de desejo oculto de admiração, não só pela condição social que, ao que
tudo indica, gostaria de ver como sua, mas também pela própria figura feminina de Alice. Esta,
por sua vez, sempre tolerante com o rapaz, atribui o caráter irritadiço de
Mário a seu “temperamento forte”.
Sob este
aspecto, a perspectiva admirativa da menina não deixa de, em boa dose,
coincidir com a do narrador. A posição precária de Mário e a expressão
(ressentida) que isso toma não invalidam o caráter positivo que o narrador atribui
ao protagonista. Ao contrário, este é assumido com todas as letras, como se
pode notar:
Quando se
observava aquele menino
e via-se o
meneio altivo com que
ele atirava a
cabeça sobre a
espádua, o gesto frio e
compassado, a ruga precoce que lhe sulcava o sobrolho
e a expressão desdenhosa do lábio crespo, não se podia o observador eximir a um
sentimento de repulsa. Parecia que essa criança de quinze anos já se julgava
com o direito de desprezar o mundo, que nem conhecia, e os homens de que ele
era apenas um projeto. Entretanto com a continuação do exame aquele sentimento de
repulsa diminuía. Havia nessa fisionomia um quer que seja que atraía, malgrado;
adivinhava-se na fronte larga uma inteligência vigorosa; e vinha como um vago
pressentimento, de que a expressão estranha de seu rosto não era outra cousa
senão o confrangimento dessa alma superior (ALENCAR, 1980, p. 14).
Alma
superior e confrangimento, uma disjunção que constitui o personagem pela ótica
do narrador. O gesto frio, a ruga precoce, a expressão desdenhosa – tudo isso
com- pondo “a expressão estranha” do rosto de Mário – seriam fruto do confrangimento
de sua alma superior, observa o narrador, a quem o leitor não pode deixar de
ter vontade de perguntar: o que atormenta, oprime e constrange o protagonista? e, por outro lado, o que o torna
uma alma superior? Mário é superior por
quê? superior a quem? superior para quê?
Quanto à
primeira questão, ela parece estar respondi- da nas seis passagens transcritas
que abrem esta parte do trabalho e no comentário parcial que esbocei. No
entanto, situar o personagem na órbita da dependência é de suma importância para
o nosso raciocínio,
mas não é
tudo. Tínhamos observado rapidamente acima que as situações que
expressam o “sentimento de confrangimento” do personagem formulam-se
predominantemente por meio do discurso direto. Ou seja, é a própria consciência
do personagem que enuncia o mal-estar sobre a sua posição social, em situações
de interlocução. Estrategicamente, digamos, o narrador fica à sombra das
observações do personagem, e os comentários daquele se tornam menos enigmáticos
se atentarmos para a divisão de perspectiva que compõe a caracterização do
personagem como um todo. Esta resulta numa multiplicidade de pontos de vista da
qual o narrador, em relação
ao protagonista, se resguarda de comentários e
juízos diretos sobre
a condição social de Mário e
seu significado. Não se pretende,
neste artigo, aprofundar o sentido estratégico da posição do narrador
alencariano; deixaremos isso para outro momento. Interessa destacar, por ora, o
fato de a narrativa se compor por uma espécie de divisão de pontos de vista envolvidos
na tarefa de caracterização do protagonista. A este, como se mencionou, cabe enunciar
o lugar social precário que ocupa e o sentimento disso derivado; ao narrador
cumpre fazer comentários algo abstratos referentes a esta situação, apenas
indiretamente vinculados a ela, e também, e sobretudo, tecer comentários e
juízos positivos e elevados em face do caráter e da personalidade do
protagonista.
Esta é uma
divisão de perspectivas que, com outros objetivos ficcionais, já está presente
em outros romances de Alencar, como O sertanejo. Aqui como lá, está na
instância narrativa a resposta à segunda questão, como já se pode perceber. Mas
se n’O sertanejo o narrador punha a sua voz a serviço da configuração de
um herói de histórias romanescas, aquele que fica a meio passo do mito e do homem,
em O tronco do ipê, o narrador trata mesmo de homens. Mário não pode ser
visto como herói no sentido que se atribui a Arnaldo Louredo, encarnação da
figura nacional, ao menos em uma
das suas
facetas. No caso de Mário, o caráter elevado e positivo do
personagem é chancelado
pela autoridade do
narrador. (E aqui
nos aproximamos da segunda parte do nosso questionamento.) Caso se possa
falar no aspecto “heroico” do personagem, este deve se referir à identidade que
a instância narrativa expressa e mantém em relação às suas virtudes e
qualidades morais e sociais. São caracterizações abstratas e genéricas (“inteligência
vigorosa”, “alma superior”, etc.), em face de certas situações concretas vividas por ele,
que alçam Mário à esfera elevada ao imputar uma espécie de aura de dignidade,
de reputabilidade, de nobreza e de correção. Ao mesmo tempo em que definem a
sua essência em relação a si mesmo, elas o fazem na diferenciação diante dos
outros personagens.
Estes, se podem ter alguma respeitabilidade social e de caráter, não se inscrevem no mesmo
nível do protagonista. Assim, pode-se dizer que Mário é um herói na medida em
que é exemplar e ilustrativo do homem elevado
no que pode se considerar o contexto prosaico do mundo rural alencariano,
enquanto Arnaldo, por sua vez, em seu viés positivo, sintetiza o aspecto
heroico da particularidade nacional no contexto mítico-aventureiro do mundo
rural alencariano.
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Fonte:
Fernando C. Gil: “Impasse e conciliação: a posição do homem livre pobre em O tronco do ipê. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.18, 2011
Fernando C. Gil: “Impasse e conciliação: a posição do homem livre pobre em O tronco do ipê. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.18, 2011
MARAVILHOSA IDÉIA ! DE LIVROS GRÁTIS ! UM RESUMO DO GÊNERO LITERÁRIO DO AUTOR , MAIOR CONHECIMENTO E DÁ MAIS GOSTO DE LER ATENTAMENTE ! MUITO BOM MESMO .
ResponderExcluirMARAVILHOSA IDÉIA ! DE LIVROS GRÁTIS ! UM RESUMO DO GÊNERO LITERÁRIO DO AUTOR , MAIOR CONHECIMENTO E DÁ MAIS GOSTO DE LER ATENTAMENTE ! MUITO BOM MESMO .
ResponderExcluirMaravilhosa a ideia de livros grátis um resumo do gênero literário do autor maior conhecimento e da mais gosto de ler.
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