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Encarnação – a
história de duas almas distintas
Encarnação foi
originalmente publicado no suporte folhetim entre os dias primeiro de julho e
primeiro de agosto de 1877, nas folhas periódicas do jornal Diário
Popular. O mesmo fatídico ano culminaria com a morte
de seu autor poucos meses após o último capítulo de seu texto, portanto o
referido romance encerra a carreira literária de José de Alencar. Em formato livro,
surge apenas em 1893, por ocasião da reunião dos romances alencarianos sob supervisão
de seu filho, Mário de Alencar.
A versão em formato livro vem acrescida de um
capítulo extra, ao final da obra, o qual modifica o término da história
completamente, o que dá um novo rumo aos protagonistas e promove novas
possibilidades interpretativas ao romance, conforme detalharemos mais à frente.
No enredo de Encarnação,
José de Alencar narra a história do envolvimento/relacionamento entre duas
figuras distintas: Amália e Hermano. Ela, voluntariosa, filha única de um rico
casal burguês – os Veiga – que tem por hábito receber os amigos para saraus em
sua casa. Ele, opostamente, avesso a qualquer evento social, vive recluso em
sua casa, jamais aberta a recepções como a de seus vizinhos. Hermano, mais
velho que a moça e vizinho seu, é avesso aos saraus da família de Amália e
pouco sai de sua residência. Tanto recolhimento lhe confere um status
taciturno, sombrio.
No enredo de Encarnação,
José de Alencar narra a história do envolvimento/relacionamento entre duas
figuras distintas: Amália e Hermano. Ela, voluntariosa, filha única de um rico
casal burguês – os Veiga – que tem por hábito receber os amigos para saraus em
sua casa. Ele, opostamente, avesso a qualquer evento social, vive recluso em
sua casa, jamais aberta a recepções como a de seus vizinhos.
Hermano, mais velho que a moça e vizinho seu,
é avesso aos saraus da família de Amália e pouco sai de sua residência. Tanto
recolhimento lhe confere um status taciturno,
sombrio.
Para
merecer do vulgo a qualificação de esquisito, basta as vezes sair da trilha
batida; mas o Sr. Hermano tinha com efeito hábitos e ações que excitavam o
reparo e lhe davam certo cunho de originalidade.
Não
se lhe conhecia profissão; sabia-se, entretanto que era abastado, pois além da chácara
de sua residência, possuía apólices e prédios na cidade.
Sua
casa vivia constantemente fechada na frente, e tinha o aspecto de uma morada em
vacância pela ausência do dono. Quem olhava pela grade do portão, sempre trancado,
não descobria outro indicio de habitação a não ser o fumo da chaminé.
(ALENCAR, 2002, p. 246)
Percebemos que o narrador traça um perfil de
Hermano recluso, preso em seus próprios muros, em uma casa fechada que pouco
lembrava uma moradia habitada, com vida. Essa definição da casa parece bem se
assemelhar a do dono, uma vez que Hermano também é essa pessoa fechada que pouco lembra
alguém vivaz.
*
Até esse ponto do romance ainda desconhecemos
a razão pela qual o protagonista tem tal personalidade e pode restar para o
leitor, a mesma dúvida que também atormenta os conhecidos do dono daquela casa,
inclusive seus vizinhos: porque aquele homem rico tem uma personalidade tão
avessa aos costumes burgueses, entenda-se, passeios, festas, saraus, teatros? O
que acontecera na sua vida para que se isolasse dessa forma?
Apesar de sua reclusão, ou talvez em função
dela, não há na corte fluminense quem não o conheça e que não saiba desse
comportamento recolhido. A elucidação de o porquê de tal conduta se esclarece
aos leitores apenas quando o narrador detalha que poucos ainda se lembram de
sua primeira esposa, Julieta, falecida há alguns anos.
Julieta representava o estereótipo de mulher
ideal, para Hermano, visto que resumia todas as qualidades que julgava
importantes no sexo oposto, e mesmo depois de morta, de certo modo, Hermano
ainda mantém uma relação com essa esposa, ou melhor, com a memória da falecida.
Hermano amou Julieta desde o primeiro momento em que a viu e manteve a
rememoração deste amor eterno, tal qual uma obsessão, razão do seu eterno luto.
O personagem é apresentado, ao leitor, como o
viúvo que não esqueceu a primeira mulher e que pretende manter-se nesse estado
de consternação até o final de sua vida. Já nesses primeiros momentos da
narrativa, percebemos a devoção de Hermano pelo feliz matrimônio que um dia
manteve com Julieta e, por este motivo, jura, em seu leito de morte, jamais
esquecê-la.
*
Enquanto Hermano se encontra recluso em sua
dor e solidão eternos, Amália é presença constante em bailes e festas,
principalmente as que são realizadas em
sua casa, ocasião que, via de regra, servia para que as ‘boas moças de família’
encontrassem matrimônio, o que não ocorre com Amália, que esnoba os
pretendentes que dela se aproximam.
Era
o carinho dos pais e a predileta de quantos a conheciam. Muitos dos mais
distintos moços da corte a adoravam. Ela, porém, preferia a isenção de menina,
e não pensava em escolher um dentre tantos apaixonados, que a cercavam.
Os
pais, que desejavam muito vê-la casada e feliz, sentiam quando ela recusava
algum partido vantajoso. Mas reconheciam ao mesmo tempo que formosa, rica e
prendada como era, a filha tinha o direito de ser exigente; e confiavam no
futuro. (ALENCAR, 2002. p. 246)
Amália, a princípio, parece uma personagem
mais complexa que Hermano, pois o protagonista é descrito resumidamente e sobre
a sua personalidade pesa o luto em que vive. Comparativamente, pode ser difícil
ao leitor decifrar e delinear Amália rapidamente e em poucas palavras, pois a
única característica marcante em sua personalidade é a aversão ao casamento,
contudo, esse atributo é contradito na própria narração, o que torna a
personagem ambígua.
*
Percebemos que, a
priori, a jovem não busca o matrimônio, escarnece de
quem o faz e, por vezes, mostra-se bem à frente de seu tempo com pensamentos
que se assemelham às personagens realistas que procuram/encontram no casamento
a ascensão social, financeira, o respeito da sociedade, mas não o amor. No
entanto, o mesmo narrador que a apresenta desse modo, apressa-se em atenuar
tais características, aproximando-a do ideal de uma protagonista romântica,
ainda que com ressalvas:
Gabar-lhe
a beleza, ou elogiar-lhe o vestido, era a mesma fineza. Quando
um dos seus apaixonados animou-se o primeiro a dizer-lhe com a voz trêmula que
a amava, ela o ouviu calma, sem a menor emoção, como se lhe falassem de música
ou de pintura.
O
que
lhe causou alguma surpresa foi o esforço e turbação do cavalheiro ao proferir aquelas
palavras.
Entretanto,
quem observasse a vida íntima dessa moça conheceria o fundo de sensibilidade e
temera que havia sob aquela aparência frívola e risonha. Não só tinha amor
extremoso à família e dedicação pelas amigas, mas em certos momentos, como se a
afogasse uma exuberância do coração, cobria a mãe de carinhos. Alguma vez, nas
horas de repouso, quando a imaginação vagueia pelo azul, ela
fazia também como todas as moças o seu romance; com a diferença, porém, que o das outras era esperança de futuro
ardente aspiração d alma; enquanto o seu não passava de sonho fugace, ou
simples devaneio do espírito.
Um
traço singular destas cismas é que elas faziam contraste ao modo habitual da moça,
ao seu gênio. Essa natureza alegre e expansiva, esse coração incrédulo e desdenhoso,
quando fantasiava os seus idílios, reservava sempre para si a melancolia, a
abnegação e o obscuro martírio de uma paixão infeliz.
(ALENCAR, 2002. p. 247,
grifos nossos)
A primeira impressão que fica é que o
narrador a desculpa por suas atitudes, defendendo-a de seus próprios atos aos
olhos do leitor, mostrando que nela também residem os mesmos sonhos comuns às
moças românticas. Ainda que recuse os pedidos de casamento, Amália também é
capaz de se entregar ao amor, apenas não alardeia esse desejo, pois consegue
separar os sentimentos distintos entre o sonho de um casamento romântico promovido
pelo amor em contraposição ao casamento motivado por interesses financeiros e políticos.
Em outros termos, Amália é delineada aos
moldes românticos, contudo, há a configuração de duas personalidades distintas
entre si que convivem: uma social, que se mostra nos bailes e festas de sua
própria casa e que aparenta certa frieza no trato com os sentimentos, incrédula
no amor romântico; outra, recolhida em seus hábitos mais íntimos, que alimenta
os desejos de uma provável paixão futura. Tal definição nos faz compreender o
lugar da mulher naquela sociedade, que à parte do amor representa uma posição,
um estereótipo no qual deve se encaixar e, portanto, o casamento seria o meio
para desempenhar esse papel que lhe cabe.
Percebamos, assim, que Hermano e Amália são
apresentados com personalidades completamente opostas. Hermano é o tipo de
homem que acredita no amor, casou-se motivado por esse sentimento com Julieta
que “não era rica nem bonita” (ALENCAR, 2002. p. 249), nem frequentava a alta
sociedade, mas que ele amou profundamente, ao ponto de manter-se fiel mesmo
após a sua morte. Em sentido oposto, há Amália, aparentemente descrente do
amor.
Assim sendo, para ele, o casamento com
Julieta foi sagrado e daí vem a total recusa a outro envolvimento amoroso. Para
ela, o casamento não passa de um negócio, um tratado feito entre duas famílias
no qual estão envolvidas questões outras que não os anseios dos cônjuges. Pelo
menos, é assim que socialmente Amália se apresenta e que o narrador a descreve
aos leitores.
[...]
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Fonte:
Paulo José Valente Barata: Revista Memento - V. 3, n. 1, jan.-jul. 2012 - Revista do Mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura – UNINCOR: “Encarnação: uma perspectiva do maravilhoso em José de Alencar.
Fonte:
Paulo José Valente Barata: Revista Memento - V. 3, n. 1, jan.-jul. 2012 - Revista do Mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura – UNINCOR: “Encarnação: uma perspectiva do maravilhoso em José de Alencar.
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