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Uma
breve análise da obra A Pata da Gazela
Iniciaremos esta
análise, fazendo uma
observação do título
da obra em
questão. Nessa obra,
Alencar ressalta, a
partir do título,
a superioridade da mulher
em relação ao
homem e confirma esse poder por meio das palavras do personagem Horácio
no desfecho da história, quando este
afirma que foi esmagado pela pata da gazela.
*
Durante o
enredo, Horácio é
conhecido como o
leão da corte
e Amélia é considerada por
essa personagem como
uma gazela, por
causa de sua
graça, sutileza, elegância e ligeireza. No que concerne ao
reino animal, vemos que esses dois seres vivem nas
estepes da África
e da Ásia.
O leão é
identificado como o
segundo maior carnívoro, possuidor
de um corpo
esbelto e robusto,
cabeça majestosa, hábitos
noturnos e nutre-se principalmente das
presas que abate,
sobretudo antílopes. Já
a gazela é
um antílope de formas elegantes
e graciosas, vive
em manadas e
tem a agilidade
como uma das
suas principais características. Esses
dois animais vivem
no mesmo habitat natural
e travam incessantemente uma luta pela sobrevivência,
aquele como predador e essa como presa. Em A
Pata da Gazela
as duas personagens
também vivem uma
luta, só que
Alencar dá a vitória à gazela e não ao leão, ou seja, ele destitui do poder
aquele que já se considerava o rei, o
homem, elevando a
mulher a um
novo posto, conquistado
pela inteligência e pela
sutileza.
É relevante
ressaltar alguns aspectos
sociais que podem
ser destacados na
obra alencariana. Mesmo
no século XIX,
em todo romancista
de certa envergadura, vivia
um sociólogo, e
Alencar, como grande
escritor que foi,
fez o movimento
narrativo, ganhar forças
em suas obras,
graças aos problemas
de desnivelamento nas
posições sociais, que vão afetar
a própria afetividade
das personagens. Desse
modo, pode-se dizer
que um dos aspectos
sociais apresentados nesse romance é o casamento.
O casamento
era uma forma
de ascensão social,
em que a
mulher ocupava uma posição determinada
pela infraestrutura dessa
sociedade de banqueiros,
comerciantes, funcionários e
fazendeiros, sendo este
um dos meios
de obter fortuna
ou qualificação. Nesse
livro, Alencar, por
meio de uma
linguagem subjetiva, mostra
a confirmação desse costume
da época. Por ele acreditar na força da imaginação, e por acreditar que o
romance é como um poema da vida real,
mostra primeiro, ao leitor, que o referido noivo é possuidor de
inúmeras qualidades, logo
digno de um
casamento com uma
donzela rica e
graciosa. Nesse caso,
o dinheiro e
a posição social
da sua família
não influenciaram as atitudes
do noivo, valorizando sobretudo a
beleza interior de Amélia.
A
senhora acredita, D.
Amélia, na atração
irresistível, que impele
duas almas entre si, e as chama fatalmente a se unirem e
absorverem uma na outra?...Senti-o há
vinte dias, quando a vi pela primeira vez, quando a senhora se revelou ao meu coração.
[...] Outrora julgava
impossível que se
amasse o horrível.
Agora reconheço que
tudo é possível
ao amor verdadeiro,
ao amor puro
e imaterial. Não
só reconheço, mas
sinto-me capaz de
nutrir uma dessas
paixões mártires! Oh! Sinto-me capaz de amar o anjo ainda mesmo
encarnado em um aleijão![...] (A
PATA DA GAZELA, 1870, p.115)
Diante da falta
de referência de Alencar aos elementos
financeiros do personagem Leopoldo
e a presença
da super valorização
de seus sentimentos,
parece ser possível
ao leitor passar
despercebida essa prática
tão comum do
casamento como instrumento
de elevação social.
Entretanto, após uma
leitura mais apurada,
percebemos que José
de Alencar em
A Pata da
Gazela retratou esse
costume da época,
utilizando o recurso
da verossimilhança e da
idealização característica do movimento romântico. Percebe-se que a atitude de Leopoldo é semelhante à atitude dos
homens do século XIX, só que camuflada por
uma linguagem impregnada pelo sentimentalismo.
Após
abordarmos o casamento por interesse como uma prática comum na sociedade do século XIX, e denunciada por Alencar,
inicialmente, de maneira sutil e depois de forma clara,
podemos trabalhar com
mais detalhes outros
aspectos sociais e
econômicos intrínsecos nessa obra
literária.
Uma outra
dimensão de um romance é a sua historicidade, isto é, o que é produzido num
determinado momento histórico,
destinado a ser
consumido por um
público de características específicas.
O público leitor
de Alencar foi
formado principalmente pelas mulheres da
classe burguesa, com
isso, o nosso
escritor tinha que
criar personagens que permitissem
a esse tipo de leitor uma identificação, fazendo com que o romance servisse de fuga
à rotina do cotidiano burguês.
Alencar, logo
no início de A Pata
da Gazela , através
de suas descrições,
põe o leitor diante de duas jovens burguesas.
Inicialmente, o narrador mostra essas jovens sendo transportadas
em uma linda
vitória: Estava parada
na Rua da
Quitanda, próxima a da Assembléia, uma linda vitória puxada por
soberbos cavalos do Cabo. Depois
descreve as jovens acentuando a beleza
física e a graciosidade feminina.
Com estas
observações, o leitor
já percebe a
que classe social
essas jovens pertenciam
e com que
força essas personagens
penetravam nos lares
da sociedade fluminense, instigando nas jovens o desejo de
se parecerem com as heroínas de
Alencar. As descrições feitas pelo romancista não se limitavam somente ao
aspecto físico, ele também descrevia a
força interior que
emanava dessa personagem
feminina, capaz de
despertar fortes emoções nos
rapazes da época.
Alencar também
descreve, minuciosamente, as
duas personagens masculinas: Leopoldo e Horácio. Em relação a Leopoldo,
pela descrição de seu traje simples e pela dor, que irradiava em seu rosto, era possível ao
leitor saber que ele era de origem humilde, e que estava passando
por dificuldades, mas
também, que era
detentor de um
magnetismo interior, apesar de
parecer momentaneamente triste
e magoado: O
moço parecia estar nessas condições:
ele trajava luto
pesado, não somente
nas roupas negras,
como na cor macilenta
das faces nuas, e na mágoa que lhe escurecia a fronte . (p. 86)
*
Em oposição
à simplicidade de
Leopoldo estava a
extravagância de Horácio,
bem desenhada por
Alencar quando mostra
que as diferenças
desses dois jovens
não se prendiam apenas aos aspectos físicos, mas
também ao aspecto da personalidade.
[...] se aproximara um moço elegante não só no
traje do melhor gosto, como na graça de
sua pessoa: era sem dúvida um dos príncipes da moda[...] O mancebo
viu casualmente o
lacaio quando passara
por ele correndo,
e percebeu que
um objeto caíra
do embrulho. Naturalmente
não se dignaria abaixar
para apanhá-lo, nem
mesmo deitar-lhe um olhar,
se não visse
aparecer do lado da vitória o
rosto de uma senhora que o aspecto da carruagem indicava pertencer à melhor sociedade. (A PATA DA
GAZELA, 1870, p.88)
Naquela época,
o vestuário de uma pessoa
era índice de
sua posição social.
A maneira de vestir-se era tão
caracterizador que, algumas vezes, a narrativa se ocupava das minúcias
das roupas da
personagem, preenchendo seu
espaço através de
um processo metonímico,
realizado pelo narrador:
O vestido roxo
debruçou-se de modo
a olhar para fora,
no sentido contrário àquele em que seguia o carro enquanto o roupão,
recostando-se nas almofadas, consultava
uma carteirinha de lembranças[...] (p.
85)
Em outros
trechos, Alencar mostra claramente a vida ociosa que um jovem abastado levava
na cidade do Rio de Janeiro, vivendo
simplesmente de renda. Como era o
caso de Horácio:
Os
sucessivos encontros da
Rua do Ouvidor,
a conversa no
Bernardo, a visita indispensável ao alfaiate; as anedotas
do Alcázar na noite antecedente; a crônica anacreôntica
do Rio de
Janeiro, chistosamente comentada;
algumas rajadas de maledicência que
é a pimenta
social: todas essas
ocupações importantes, absorvem a vida do leão, distraíram Horácio a
ponto de se esquecer ele do objeto guardado no bolso do paletó. (p. 88)
E ainda
no terceiro capítulo,
Alencar critica o
modo de vida
de Horácio, demonstrando
claramente o desperdício dessa vida e sua inutilidade, pois Horácio é incapaz de
dedicar seu tempo a um fim sério e útil, à ciência, à literatura, à arte.
Assim gastava Almeida a mocidade,
desfolhando seu belo talento
pelas salas e pontos de reunião. As riquezas de sua elevada
inteligência, as ia esparzindo nas elegantes
futilidades de um ócio tão laborioso, como é o far niente de um leão. Consumir
o tempo não
se apercebendo de
sua passagem; livrar-se
do fardo pesado das horas sem ocupação; há nada mais
difícil para o homem que ignora o trabalho?
Se o Almeida poupasse desse tão
desperdiçado tempo alguns momentos no dia para
dedicá-los a um
fim sério e
útil, à ciência,
à literatura, à arte, que
belos triunfos não
obteria sua rica
imaginação servida por
um espírito cintilante? (p. 92)
Naquela época,
o trabalho era
destinado aos grupos
menos favorecidos economicamente
como: escravos, estrangeiros,
mestiços e jovens
da classe humilde.
A própria presença de Horácio na
Rua do Ouvidor já demonstrava que o seu único interesse era o
da trivialidade, pois esta havia se tornado a grande rua do luxo e das modas
francesas.
Após a
apresentação das personagens centrais, Alencar continua sua narrativa e nos mostra a mudança de valor em relação à idade,
pois já no século XIX, o velho não era tão respeitado como na época da colônia, onde a
idade avançada era sinônimo de experiência e sabedoria. Dessa forma, Alencar atestou mais
uma vez em seu romance, a conduta de uma sociedade em
transformação, em que a velhice é tida como uma das mais tristes
tragédias humanas, enquanto as outras
fases da vida são valorizadas:
Na
infância, a criatura,
como a planta,
conserva-se rasteira, brota,
pulula, mas aconchega-se mais ao solo de que recebe toda a
nutrição, as mãos servem-lhe de pés. Depois
da juventude, na
época da expansão
a criatura se
lança para o espaço,
exalta-se; e a arvore que hasteia e procura as
nuvens, a planta pede ao céu os
orvalhos e a luz do sol; a alma pede a
crença, a fé, a esperança, de que geram as flores, que nós chamamos paixões. Na
velhice, o homem se inclina de novo para
terra, como o
tronco carcomido; é
o pó, que
depois de revoar
no espaço, deposita-se outra vez
no chão. Então o velho precisa de bordão, uma das mãos
torna-se pé e
calça esse coturno
da mais triste
das tragédias humanas,
a decrepitude. (p. 89 - 90)
Outro fato
que merece destaque,
é que, naquela
época, o casamento
era realizado com
a escolha do
noivo por parte
do pai, sendo
que o amor
e a opinião
da moça nada valiam.
Entretanto, Alencar mostra em seu romance a importância do amor e a valorização
da mulher como um ser capaz de decidir o
próprio destino, o que ia contra os costumes da época.
Desse modo, Alencar exalta a emancipação da mulher,
ao mostrar que ela é capaz de tomar
decisão e ao colocar
a personagem freqüentando teatros
e saraus. Com isso, ele divulgava
essa nova prática
no seio das
famílias tradicionais através
das leituras de
seus textos.
Após essa
sucinta análise da obra A Pata da
Gazela e algumas observações sobre os costumes
da época, como: a denúncia do casamento por interesse,
a desvalorização do jovem ocioso,
o preconceito diante da velhice, a emancipação feminina, podemos constatar a riqueza dessa obra e, com certeza, a grande
importância desse romance foi o de ter sido utilizado pela
sociedade da época
como instrumento de
força e coragem,
envolvendo jovens, donzelas
e animando-as a uma tomada
de atitude, valorizando,
assim, a
figura feminina.
Essa
influência de Alencar pode, às vezes,
passar despercebida para alguns, devido à sua
temática e ao
seu modo de
escrever mas, como
vimos, Alencar denuncia
muitos problemas sociais,
levantando algumas bandeiras
de liberdade contrárias
às concepções sociais
da época. Dessa
forma, podemos concluir
esse capítulo de
nosso trabalho, salientando que os romances urbanos de Alencar, em especial A Pata da Gazela , retratam vários aspectos
da sociedade da época.
---
Fonte:
Fonte:
Cristina Vilarinho dos
Reis Freitas: O Vocabulário da Obra
"A Pata da Gazela": Retratos
de um Momento Sócio-Cultural a
Sociedade Brasileira. (Dissertação apresentada
ao Programa de
Pós-Graduação em Lingüística
- Curso de
Mestrado em Lingüística da
Universidade Federal de Uberlândia,
como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Lingüística. Orientador: Prof. Dr. Evandro Silva
Martins). Universidade Federal de Uberlândia, 2005.
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