12/10/2013

A Pata da Gazela, de José de Alencar

 Jose de Alencar - A Pata da Gazela
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Uma breve análise da obra  A Pata da Gazela 


Iniciaremos  esta  análise,  fazendo  uma  observação  do  título  da  obra  em  questão.  Nessa  obra,  Alencar  ressalta,  a  partir  do  título,  a  superioridade da  mulher  em  relação  ao  homem e confirma esse poder por meio das palavras do personagem Horácio no desfecho  da história, quando este afirma que foi esmagado pela pata da gazela. 
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Durante  o  enredo,  Horácio  é  conhecido  como  o  leão  da  corte  e  Amélia  é  considerada  por  essa  personagem  como  uma  gazela,  por  causa  de  sua  graça,  sutileza,  elegância e ligeireza. No que concerne ao reino animal, vemos que esses dois seres vivem  nas  estepes  da  África  e  da  Ásia.  O  leão  é  identificado  como  o  segundo  maior  carnívoro,  possuidor  de  um  corpo  esbelto  e  robusto,  cabeça  majestosa,  hábitos  noturnos  e  nutre-se principalmente  das  presas  que  abate,  sobretudo  antílopes.  Já  a  gazela  é  um  antílope  de  formas  elegantes  e  graciosas,  vive  em  manadas  e  tem  a  agilidade  como  uma  das  suas  principais  características.  Esses  dois  animais  vivem  no  mesmo  habitat  natural  e  travam  incessantemente uma luta pela sobrevivência, aquele como predador e essa como presa. Em A  Pata  da  Gazela  as  duas  personagens  também  vivem  uma  luta,  só  que  Alencar  dá  a vitória à gazela e não ao leão, ou seja, ele destitui do poder aquele que já se considerava o  rei,  o  homem,  elevando  a  mulher  a  um  novo  posto,  conquistado  pela  inteligência  e  pela  sutileza. 

É  relevante  ressaltar  alguns  aspectos  sociais  que  podem  ser  destacados  na  obra  alencariana.  Mesmo  no  século  XIX,  em  todo  romancista  de certa  envergadura,  vivia  um sociólogo,  e  Alencar,  como  grande  escritor  que  foi,  fez  o  movimento  narrativo,  ganhar  forças  em  suas  obras,  graças  aos  problemas  de  desnivelamento  nas  posições  sociais,  que  vão  afetar  a  própria  afetividade  das  personagens.  Desse  modo,  pode-se  dizer  que  um  dos  aspectos sociais apresentados nesse romance é o casamento. 

O  casamento  era  uma  forma  de  ascensão  social,  em  que  a  mulher  ocupava  uma  posição  determinada  pela  infraestrutura  dessa  sociedade  de  banqueiros,  comerciantes,  funcionários  e  fazendeiros,  sendo  este  um  dos  meios  de  obter  fortuna  ou  qualificação.  Nesse  livro,  Alencar,  por  meio  de  uma  linguagem  subjetiva,  mostra  a  confirmação  desse  costume da época. Por ele acreditar na força da imaginação, e por acreditar que o romance  é como um poema da vida real, mostra primeiro, ao leitor, que o referido noivo é possuidor  de  inúmeras  qualidades,  logo  digno  de  um  casamento  com  uma  donzela  rica  e  graciosa.  Nesse  caso,  o  dinheiro  e  a  posição  social  da  sua  família  não  influenciaram as  atitudes  do  noivo, valorizando sobretudo a beleza interior de Amélia. 

A  senhora  acredita,  D.  Amélia,  na  atração  irresistível,  que  impele  duas  almas  entre si, e as chama fatalmente a se unirem e absorverem uma na outra?...Senti-o há vinte dias, quando a vi pela primeira vez, quando a senhora se revelou ao meu coração. [...]                Outrora  julgava  impossível  que  se  amasse  o  horrível.  Agora  reconheço  que  tudo  é  possível  ao  amor  verdadeiro,  ao  amor  puro  e  imaterial.  Não  só  reconheço,  mas  sinto-me  capaz  de  nutrir  uma  dessas  paixões  mártires!  Oh! Sinto-me capaz de amar o anjo ainda mesmo encarnado em um aleijão![...]  (A PATA DA GAZELA, 1870, p.115)  

Diante da falta de referência de Alencar  aos elementos financeiros do  personagem  Leopoldo  e  a  presença  da  super  valorização  de  seus  sentimentos,  parece  ser  possível  ao  leitor  passar  despercebida  essa  prática  tão  comum  do  casamento  como  instrumento  de  elevação  social.  Entretanto,  após  uma  leitura  mais  apurada,  percebemos  que  José  de  Alencar  em  A  Pata  da  Gazela  retratou  esse  costume  da  época,  utilizando  o  recurso  da  verossimilhança e da idealização característica do movimento romântico. Percebe-se que a  atitude de Leopoldo é semelhante à atitude dos homens do século XIX, só que camuflada  por uma linguagem impregnada pelo sentimentalismo. 

Após abordarmos o casamento por interesse como uma prática comum na sociedade  do século XIX, e denunciada por Alencar, inicialmente, de maneira sutil e depois de forma  clara,  podemos  trabalhar  com  mais  detalhes  outros  aspectos  sociais  e  econômicos  intrínsecos nessa obra literária. 

Uma outra dimensão de um romance é a sua historicidade, isto é, o que é produzido  num  determinado  momento  histórico,  destinado  a  ser  consumido  por  um  público  de  características  específicas.  O  público  leitor  de  Alencar  foi  formado  principalmente  pelas  mulheres  da  classe  burguesa,  com  isso,  o  nosso  escritor  tinha  que  criar  personagens  que  permitissem a esse tipo de leitor uma identificação, fazendo com que o romance servisse de fuga à rotina do cotidiano burguês.  

Alencar,  logo  no  início  de  A  Pata  da  Gazela ,  através  de  suas  descrições,  põe  o  leitor diante de duas jovens burguesas. Inicialmente, o narrador mostra essas jovens sendo  transportadas  em  uma  linda  vitória:  Estava  parada  na  Rua  da  Quitanda,  próxima  a  da  Assembléia, uma linda vitória puxada por soberbos cavalos do Cabo.  Depois descreve as  jovens acentuando a beleza física e a graciosidade feminina.  

Com  estas  observações,  o  leitor  já  percebe  a  que  classe  social  essas  jovens  pertenciam  e  com  que  força  essas  personagens  penetravam  nos  lares  da  sociedade  fluminense, instigando nas jovens o desejo de se parecerem com as heroínas de Alencar. As descrições feitas pelo romancista não se limitavam somente ao aspecto físico, ele também  descrevia  a  força  interior  que  emanava  dessa  personagem  feminina,  capaz  de  despertar  fortes emoções nos rapazes da época. 

Alencar  também  descreve,  minuciosamente,  as  duas  personagens  masculinas:  Leopoldo e Horácio. Em relação a Leopoldo, pela descrição de seu traje simples e pela dor,  que irradiava em seu rosto, era possível ao leitor saber que ele era de origem humilde, e que estava  passando  por  dificuldades,  mas  também,  que  era  detentor  de  um  magnetismo  interior,  apesar  de  parecer  momentaneamente  triste  e  magoado:  O  moço  parecia  estar  nessas  condições:  ele  trajava  luto  pesado,  não  somente  nas  roupas  negras,  como  na  cor  macilenta das faces nuas, e na mágoa que lhe escurecia a fronte . (p. 86) 
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Em  oposição  à  simplicidade  de  Leopoldo  estava  a  extravagância  de  Horácio,  bem  desenhada  por  Alencar  quando  mostra  que  as  diferenças  desses  dois  jovens  não  se  prendiam apenas aos aspectos físicos, mas também ao aspecto da personalidade.

[...] se aproximara um moço elegante não só no traje do melhor gosto, como na  graça de sua pessoa: era sem dúvida um dos príncipes da moda[...]  O  mancebo  viu  casualmente  o  lacaio  quando  passara  por  ele  correndo,  e  percebeu  que  um  objeto  caíra  do  embrulho.  Naturalmente  não  se  dignaria  abaixar  para  apanhá-lo,  nem  mesmo  deitar-lhe  um olhar,  se  não  visse  aparecer  do lado da vitória o rosto de uma senhora que o aspecto da carruagem indicava  pertencer à melhor sociedade. (A PATA DA GAZELA, 1870, p.88) 

Naquela  época,  o  vestuário  de  uma  pessoa  era  índice  de  sua  posição  social.  A  maneira de vestir-se era tão caracterizador que, algumas vezes, a narrativa se ocupava das   minúcias  das  roupas  da  personagem,  preenchendo  seu  espaço  através  de  um  processo  metonímico,  realizado  pelo  narrador:  O  vestido  roxo  debruçou-se  de  modo  a  olhar  para  fora, no sentido contrário àquele em que seguia o carro enquanto o roupão, recostando-se nas almofadas, consultava uma carteirinha de lembranças[...]  (p. 85)

Em outros trechos, Alencar mostra claramente a vida ociosa que um jovem abastado levava na cidade do Rio de Janeiro,  vivendo simplesmente de renda.  Como  era o  caso de  Horácio:

Os  sucessivos  encontros  da  Rua  do  Ouvidor,  a  conversa  no  Bernardo,  a  visita indispensável ao alfaiate; as anedotas do Alcázar na noite antecedente; a crônica  anacreôntica  do  Rio  de  Janeiro,  chistosamente  comentada;  algumas  rajadas  de  maledicência  que  é  a  pimenta  social:  todas  essas  ocupações  importantes,  absorvem a vida do leão, distraíram Horácio a ponto de se esquecer ele do objeto guardado no bolso do paletó. (p. 88)  

E  ainda  no  terceiro  capítulo,  Alencar  critica  o  modo  de  vida  de  Horácio,  demonstrando claramente o desperdício dessa vida e sua inutilidade, pois Horácio é incapaz de dedicar seu tempo a um fim sério e útil, à ciência, à literatura, à arte.

Assim gastava Almeida a mocidade, desfolhando  seu belo  talento  pelas salas  e  pontos de reunião. As riquezas de sua elevada inteligência, as ia esparzindo nas  elegantes futilidades de um ócio tão laborioso, como é o far niente de um leão.  Consumir  o  tempo  não  se  apercebendo  de  sua  passagem;  livrar-se  do  fardo  pesado das horas sem ocupação; há nada mais difícil para o homem que ignora o trabalho?
Se o Almeida poupasse desse tão desperdiçado tempo alguns momentos no dia  para  dedicá-los  a  um  fim  sério  e  útil,  à  ciência,  à  literatura,  à  arte,  que  belos  triunfos  não  obteria  sua  rica  imaginação  servida  por  um  espírito  cintilante?  (p.  92)  

Naquela  época,  o  trabalho  era  destinado  aos  grupos  menos  favorecidos  economicamente  como:  escravos,  estrangeiros,  mestiços  e  jovens  da  classe  humilde.  A  própria presença de Horácio na Rua do Ouvidor já demonstrava que o seu único interesse   era o da trivialidade, pois esta havia se tornado a grande rua do luxo e das modas francesas.   

Após a apresentação das personagens centrais, Alencar continua sua narrativa e nos  mostra a mudança de valor em relação à idade, pois já no século XIX, o velho não era tão  respeitado como na época da colônia, onde a idade avançada era sinônimo de experiência e  sabedoria. Dessa forma, Alencar atestou mais uma vez em seu romance, a conduta de uma  sociedade em   transformação, em que a velhice é tida como uma das mais tristes tragédias  humanas, enquanto as outras fases da vida são valorizadas: 
Na  infância,  a  criatura,  como  a  planta,  conserva-se  rasteira,  brota,  pulula,  mas  aconchega-se mais ao solo de que recebe toda a nutrição, as mãos servem-lhe de  pés.  Depois  da  juventude,  na  época  da  expansão  a  criatura  se  lança  para  o  espaço, exalta-se;  e a  arvore que hasteia  e procura as  nuvens, a planta pede  ao  céu  os orvalhos e a luz do  sol; a alma pede a crença, a fé,  a esperança, de que  geram as flores, que nós chamamos paixões. Na velhice, o homem se inclina de  novo  para  terra,  como  o  tronco  carcomido;  é  o  pó,  que  depois  de  revoar  no  espaço, deposita-se outra vez no chão. Então o velho precisa de bordão, uma das  mãos  torna-se  pé  e  calça  esse  coturno  da  mais  triste  das  tragédias  humanas,  a  decrepitude. (p. 89 - 90)  

Outro  fato  que  merece  destaque,  é  que,  naquela  época,  o  casamento  era  realizado  com  a  escolha  do  noivo  por  parte  do  pai,  sendo  que  o  amor  e  a  opinião  da  moça  nada  valiam. Entretanto, Alencar mostra em seu romance a importância do amor e a valorização  da mulher como um ser capaz de decidir o próprio destino, o que ia contra os costumes da  época. 

Desse  modo, Alencar exalta a emancipação da mulher, ao mostrar que ela é capaz  de  tomar  decisão  e ao  colocar  a  personagem freqüentando  teatros  e saraus.  Com isso,  ele divulgava  essa  nova  prática  no  seio  das  famílias  tradicionais  através  das  leituras  de  seus  textos.  

Após essa sucinta análise da obra  A Pata da Gazela  e algumas observações sobre  os costumes  da  época,  como: a denúncia do casamento por  interesse,  a desvalorização do  jovem ocioso, o preconceito diante da velhice, a emancipação feminina, podemos constatar  a riqueza dessa obra e, com certeza, a grande importância desse romance foi o de ter sido utilizado  pela  sociedade  da  época  como  instrumento  de  força  e  coragem,  envolvendo jovens,  donzelas  e  animando-as  a  uma  tomada  de  atitude,  valorizando,  assim,  a  figura  feminina. 

Essa influência de Alencar pode, às vezes, passar despercebida para alguns, devido  à  sua  temática  e  ao  seu  modo  de  escrever  mas,  como  vimos,  Alencar  denuncia  muitos  problemas  sociais,  levantando  algumas  bandeiras  de  liberdade  contrárias  às  concepções  sociais  da  época. Dessa  forma,  podemos  concluir  esse  capítulo  de  nosso  trabalho, salientando que os romances urbanos de Alencar, em especial  A Pata da Gazela , retratam  vários aspectos da sociedade da época.   

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Fonte: 
Cristina Vilarinho dos Reis Freitas: O Vocabulário da Obra  "A Pata da  Gazela": Retratos de um Momento  Sócio-Cultural a Sociedade  Brasileira. (Dissertação  apresentada  ao  Programa  de  Pós-Graduação  em  Lingüística  -  Curso  de  Mestrado em  Lingüística  da  Universidade  Federal  de  Uberlândia,  como  requisito  parcial  para  obtenção  do grau de Mestre em Lingüística.   Orientador: Prof. Dr. Evandro Silva Martins). Universidade Federal de Uberlândia, 2005.

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