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Nesta seção vamos estudar os
principais recursos utilizados por Arthur Azevedo na construção dos contos: a teatralidade, o
anedótico, a comicidade e a oralidade.
A teatralidade
O mestre maranhense andou lado a
lado com o conto e o teatro, e ambos os gêneros se entrecruzam em toda sua obra. Desse modo, é
nítida e de extrema importância a marca da dramaturgia nos contos, assim, podemos
encontrar essa construção teatral: nos diálogos
bem arquitetados; nos esquetes, que são
constituídos de cenas e/ou quadros; na velocidade das dialogações, sem digressões; na oralidade; nas
construções de personagens-tipo; no tom de conversa com o leitor e na comicidade, que os
fazem tão próximos das comédias. O texto teatral é composto de diálogos e
didascálias (ou indicações cênicas: quem fala, a quem fala, onde, por que, quando – podem ser
externas, marcadas pelos parênteses, ou internas,
contidas nos próprios diálogos). Esses elementos típicos do teatro estão
nitidamente presentes nos contos de
Arthur Azevedo. A todo momento tem-se a presença freqüente de esquetes dramáticos: diálogos (cenas) e a
descrição dos cenários (presença das didascálias), a aproximação com o público e o abuso de
personagens-tipo, típicos das comédias, tais como: o português, o malandro, a mulata..., assim
garantem a expressão teatral-cômica. Como foi dito, Azevedo utilizava-se
demasiadamente de esquetes nos contos. Na definição de Patrice Pavis (1999, p. 143),
baseado no critério do espaço (fora do teatro) em que ocorre a representação, esquete é uma cena curta que apresenta uma situação
geralmente cômica, interpretada por um
pequeno número de atores sem caracterização aprofundada, ou de intriga aos saltos e insistindo nos momentos
engraçados ou subversivos. O esquete é,
sobretudo, o número de atores de teatro ligeiro que interpretam uma personagem ou uma cena com base em um texto
humorístico e satírico, no music hall,
no cabaré, na televisão ou no café-teatro. Seu princípio motor é a sátira , às vezes literária (paródia de um
texto conhecido ou de uma pessoa famosa),
às vezes grotesca e burlesca (no cinema ou na televisão), da vida contemporânea.
[...]
O anedótico, a comicidade e a oralidade
Primeiramente, veremos o conceito
de anedota elaborado por Guimarães Rosa (1969, p. 3), publicado no prefácio de Tutaméia:
A anedota, pela etimologia e para
a finalidade, requer fechado ineditismo. Uma anedota é como um fósforo: riscado,
deflagrado, foi-se a serventia. Mas sirva
talvez ainda a outro emprego a já usada, qual mão de indução ou por exemplo instrumento de análise, nos tratos da
poesia e da transcendência. Nem será sem
razão que a palavra “graça” guarde os sentidos de gracejo, de dom sobrenatural, e de atrativo. No terreno do
humour, imenso em confins vários,
pressentem-se mui habéis pontos e caminhos. E que, na prática de arte, comicidade e humorismo atuem como
catalisadores ou sensibilizantes ao
alegórico espiritual e ao não-prosáico, é verdade que se confere de modo grande. Risada e meia? Acerte-se nisso em
Chaplin e em Cervantes. Não é o chiste
rasa coisa ordinária; tanto seja porque escancha os planos da lógica, propondo-nos realidade superior e dimensões
para mágicos novos sistemas de
pensamento.
Segundo o dicionário Houaiss (2001, p. 211),
“anedota é uma narrativa breve de um fato
engraçado ou picante; historieta, piada”. Sendo assim, utilizaremos aqui o
termo anedota como sinônimo de “piada”:
uma história, um “causo” que se alicerça na comicidade; por isso comicidade e anedótico andam lado a lado. De
acordo com Guimarães Rosa na citação acima, a anedota requer algo inédito e prevê um
desfecho cômico. Desse modo, a anedota retoma as origens do gênero conto, como vimos na seção
1, época em que se contavam histórias (“causos”)
oralmente e que se apoiavam na dramatização para envolver os ouvintes. Por
isso, a característica anterior – a
teatralidade – está intimamente ligada com o anedótico, porque o elemento teatral se dá por esse viés oral, ou
seja, por essa dramatização que a anedota conduz. Portanto, todos esses recursos estão presentes
nos contos do mestre maranhense, um interligado
ao outro: o anedótico leva ao cômico e ao oral e este, por seu modo, leva ao dramático.
Na evolução do conto, como gênero
literário, podemos distinguir duas fases bem marcadas: a fase em que o conto, colhido na
tradição, é um argumento sem dono, e a fase em que, individualizado pela arte, revela um
processo que identifica particularmente um escritor. O conto da tradição sobrevivia por sua graça
natural, não era a forma que lhe assegurava perenidade, mas sim, o seu argumento. Eram as
narrativas, por seus valores dramáticos, que davam interesse ao narrador e o autor, na
singularidade de seu estilo, nada significava, o que importava era o entrecho
do conto, o ator que o animava na graça dos recitativos e o auditório, na assembléia interessada dos que o escutavam.
Arthur se identifica
profundamente com a fonte, com a origem oral do conto, desse modo retoma as antigas tradições, dando
extrema importância ao enredo, às personagens que dialogam como atores em um palco e ao leitor,
seu eterno auditório. E é esse retorno à origem e os argumentos dos contos que asseguram a
perenidade da obra.
Portanto, os contos de Arthur
Azevedo devem à oralidade, vizinha do folclore, sua mais evidente marca. Sobre isso, Massaud
Moisés (1984, p. 154) diz que o contista “bebe na linfa pura de que manam os temas eternos dos
contos: a voz do povo, o dia-a-dia, o efêmero das coisas do mundo, deixando resíduos de
moralidade ligeira, meio distraída, e um riso de compreensão e desenfado”.
Nos caminhos percorridos pelo conto como
expressão literária, no século XIX, Arthur Azevedo não seguiria Tchekhov, que instituíra
a redução dos elementos dramáticos e a ampliação
da atmosfera poética, e nem Maupassant, na intensidade violenta dos argumentos,
preferiu seguir seus próprios recursos,
escrevendo contos sobre a vida que lhe circundava. Os
contos fixam os acontecimentos de índole burlesca e comédia humana, para mostrar as vaidades burguesas e
pequeno-burguesas, colocando as figuras da sociedade em que vivia – o comendador, o funcionário, o
pelintra – e de sua própria condição. Azevedo pretendia expor os fatos ao leitor/espectador
não apenas como mero cronista, mas, principalmente,
o de observador satírico, crítico, dos costumes da época. A oralidade está na urdidura da vida mundana, nos costumes
cariocas, por isso muitos de seus flagrantes da vida fluminense ficaram retidos nas memórias,
vivendo, então, da consagração popular das tradições orais.
Assim, Humberto de Campos (1928)
viu no autor a despreocupação da forma e no seu descaso pela elevação do assunto, definindo-o
como um amável divulgador de anedotas, sem o valor definitivo das altas categorias
literárias – embora reconhecendo que a anedota, para não perder o seu sabor, deve ser exposta em
forma de palestra comum, como o fruto na folha. Essas
anedotas, que percorrem a obra, deixam-nos em dúvida se pertencem ao mestre maranhense ou se foram recolhidas pelo
escritor para dar novo destino ao tesouro anônimo da tradição. Sobre isso, Josué Montello (1956, p.
55) escreve: “Arthur Azevedo ora recorreu ao anedotário popular para encontrar alguns dos
temas de seus contos, ora acrescentou a esse anedotário algumas achegas de seu espírito
popular”.
Desse modo, Arthur utilizou, em
alguns contos, da renovação de velhas anedotas anônimas. Por isso, uma vez, foi acusado de
plágio pelo conto “Os charutos” (Contos efêmeros), todavia, defendeu-se dizendo
que apenas recontou uma anedota antiga já utilizada por vários autores: “Não existe plágio, desde
que cada autor tenha dado forma original à sua narrativa” (AZEVEDO apud MAGALHÃES, 1972, p.
110). Ainda segundo Magalhães (1972, p.
110), Azevedo dizia que no gênero conto é permitido o recontar histórias, principalmente as antigas e anônimas, e isto
vários autores fazem durante séculos, são narrativas sem um dono específico e pertencem
ao patrimônio cultural de todos. Portanto,
sabendo-se que o conto nada mais é do que a anedota a que se deu o tratamento literário, observamos que Arthur
urdia a anedota, ou a valorizava, com o sentido unilinear da narrativa direta, mais empenhado
certamente no efeito dramático que na densidade
literária.
A anedota, embebida de oralidade,
possui suas bases na comicidade. Os recursos cômicos utilizados por Arthur Azevedo, mais
bem explicitados na seção 5 – Algumas considerações
sobre a comicidade e o riso, constituem em importantes recursos na construção dos contos, para atingirem a
comicidade e o riso no leitor. Assim, suas anedotas prevêem, na maioria das vezes, um desfecho
cômico. Assemelha-se àquelas piadas, tão comuns, contadas em voz alta, com o intuito de
contar um “causo” cômico para distrair os amigos.
Essas anedotas ora são advindas
do patrimônio cultural (calcadas em antigas histórias anônimas), ora surgidas do seu espírito
criador (baseadas no que observava do cotidiano fluminense). Deste grupo fazem parte a maioria
de seus contos, daquele a minoria.
Devido a essa oralidade e aos
objetivos já vistos, de abarcar o maior número de leitores, é que o mestre maranhense fez uso de
uma linguagem simples e acessível, calcada no coloquial. Ou seja, as obras de Azevedo
visavam ao grande público (ao caráter popular), mais simples, mais heterogêneo; isso pode ser
constatado pelo largo emprego da linguagem coloquial, de aforismos, de gírias, de
neologismos, de palavrões, usos permitidos, uma vez que expressavam fidedignamente hábitos,
linguagens e costumes daquele Rio do entre-séculos XIX e XX.
Hudinilson Urbano (2000, p. 26)
escreve que a técnica narrativa coloquial faz com que o narrador estivesse conversando diretamente
com seus leitores, transformando-os em ouvintes,
de maneira aparentemente descompromissada de preocupações literárias. E a oralidade, transmitindo a sensação própria da
língua falada, faz com que a narrativa ganhe mais dinamismo e dramaticidade.
Antonio Martins (1988, p. XXI)
estuda a linguagem utilizada por Arthur Azevedo, demonstrando como o autor, fincado no veio de
gírias e modismos populares, alcançava a comicidade e o anedótico. Como, por
exemplo, no conto “Que espiga!” (Contos possíveis), que se utiliza uma gíria da época: “espiga”,
que equivale hoje a “enrascada”. Antonio Martins (1988, p. 106) escreve que “ao criador dessas
personagens não se lhe dava patrocinar a divulgação de ideais lingüísticos, mas
retratar realisticamente o dia-a-dia carioca nas suas mais variadas facetas”.
Portanto, vivendo no Rio de Janeiro, que ele tanto amou,
desde os dezoito anos, com antenas
ligadas para as línguas do mundo, para os falares regionais e para as gírias que nasciam nas noites cariocas, sua
obra se diversificou e se opulentou com
todas elas. Não lhe causava espécie chamarem-lhe de popular ou popularesco. Era isso mesmo o que
sempre desejou. (...) Era um brasileiro
que escrevia para brasileiros com estilo, com ritmo, com sintaxe, com léxico e com sotaque bem brasileiros.
(MARTINS, 1988, p. 128-129).
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Fonte:
Fonte:
Cibele Cristina Morasco: “Fora do
palco, dentro da vida: O contista Arthur
azevedo e o rio de janeiro de sua época”. (Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de pós-graduação em Estudos
Literários da Faculdade de Ciências e
Letras – Unesp/Araraquara, como
requisito para obtenção do título de
Mestre em Estudos Literários. Orientador:
Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires). Universidade Estadual Paulista – UNESP.
Araraquara, 2008.
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