25/10/2013

Contos Completos de Artur Azevedo

 Artur Azevedo - Contos Completos - Iba Mendes
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A CONSTRUÇÃO DO CONTO EM ARTHUR AZEVEDO 

Nesta seção vamos estudar os principais recursos utilizados por Arthur Azevedo na  construção dos contos: a teatralidade, o anedótico, a comicidade e a oralidade.
  
A teatralidade  

O mestre maranhense andou lado a lado com o conto e o teatro, e ambos os gêneros se  entrecruzam em toda sua obra. Desse modo, é nítida e de extrema importância a marca da  dramaturgia nos contos, assim, podemos encontrar essa construção teatral: nos  diálogos bem  arquitetados; nos esquetes, que são constituídos de cenas e/ou quadros; na velocidade das  dialogações, sem digressões; na oralidade; nas construções de personagens-tipo; no tom de  conversa com o leitor e na comicidade, que os fazem tão próximos das comédias.   O texto teatral é composto de diálogos e didascálias (ou indicações cênicas: quem fala,  a quem fala, onde, por que, quando – podem ser externas, marcadas pelos parênteses, ou  internas, contidas nos próprios diálogos). Esses elementos típicos do teatro estão nitidamente  presentes nos contos de Arthur Azevedo. A todo momento tem-se a presença freqüente de  esquetes dramáticos: diálogos (cenas) e a descrição dos cenários (presença das didascálias), a  aproximação com o público e o abuso de personagens-tipo, típicos das comédias, tais como: o  português, o malandro, a mulata..., assim garantem a expressão teatral-cômica.   Como foi dito, Azevedo utilizava-se demasiadamente de esquetes nos contos. Na  definição de Patrice Pavis (1999, p. 143), baseado no critério do espaço (fora do teatro) em  que ocorre a representação, esquete é uma  cena curta que apresenta uma situação geralmente cômica, interpretada por  um pequeno número de atores sem caracterização aprofundada, ou de intriga  aos saltos e insistindo nos momentos engraçados ou subversivos. O esquete  é, sobretudo, o número de atores de teatro ligeiro que interpretam uma  personagem ou uma cena com base em um texto humorístico e satírico, no  music hall, no cabaré, na televisão ou no café-teatro. Seu princípio motor é a  sátira , às vezes literária (paródia de um texto conhecido ou de uma pessoa  famosa), às vezes grotesca e burlesca (no cinema ou na televisão), da vida  contemporânea.
[...]

O anedótico, a comicidade e a oralidade  

Primeiramente, veremos o conceito de anedota elaborado por Guimarães Rosa (1969,  p. 3), publicado no prefácio de Tutaméia:

A anedota, pela etimologia e para a finalidade, requer fechado ineditismo.  Uma anedota é como um fósforo: riscado, deflagrado, foi-se a serventia. Mas  sirva talvez ainda a outro emprego a já usada, qual mão de indução ou por  exemplo instrumento de análise, nos tratos da poesia e da transcendência.  Nem será sem razão que a palavra “graça” guarde os sentidos de gracejo, de  dom sobrenatural, e de atrativo. No terreno do humour, imenso em confins  vários, pressentem-se mui habéis pontos e caminhos. E que, na prática de  arte, comicidade e humorismo atuem como catalisadores ou sensibilizantes  ao alegórico espiritual e ao não-prosáico, é verdade que se confere de modo  grande. Risada e meia? Acerte-se nisso em Chaplin e em Cervantes. Não é o  chiste rasa coisa ordinária; tanto seja porque escancha os planos da lógica,  propondo-nos realidade superior e dimensões para mágicos novos sistemas  de pensamento.

 Segundo o dicionário Houaiss (2001, p. 211), “anedota é uma narrativa breve de um  fato engraçado ou picante; historieta, piada”. Sendo assim, utilizaremos aqui o termo anedota  como sinônimo de “piada”: uma história, um “causo” que se alicerça na  comicidade; por isso  comicidade e anedótico andam lado a lado. De acordo com Guimarães Rosa na citação acima,  a anedota requer algo inédito e prevê um desfecho cômico. Desse modo, a anedota retoma as  origens do gênero conto, como vimos na seção 1, época em que se contavam histórias  (“causos”) oralmente e que se apoiavam na dramatização para envolver os ouvintes. Por isso,  a característica anterior – a teatralidade – está intimamente ligada com o anedótico, porque o  elemento teatral se dá por esse viés oral, ou seja, por essa dramatização que a anedota conduz.  Portanto, todos esses recursos estão presentes nos contos do mestre maranhense, um  interligado ao outro: o anedótico leva ao cômico e ao oral e este, por seu modo, leva ao  dramático.

Na evolução do conto, como gênero literário, podemos distinguir duas fases bem  marcadas: a fase em que o conto, colhido na tradição, é um argumento sem dono, e a fase em  que, individualizado pela arte, revela um processo que identifica particularmente   um escritor.  O conto da tradição sobrevivia por sua graça natural, não era a forma que lhe assegurava  perenidade, mas sim, o seu argumento. Eram as narrativas, por seus valores dramáticos, que  davam interesse ao narrador e o autor, na singularidade de seu estilo, nada significava, o que importava era o entrecho do conto, o ator que o animava na graça dos recitativos e o auditório,  na assembléia interessada dos que o escutavam.

Arthur se identifica profundamente com a fonte, com a origem oral do conto, desse  modo retoma as antigas tradições, dando extrema importância ao enredo, às personagens que  dialogam como atores em um palco e ao leitor, seu eterno auditório. E é esse retorno à origem  e os argumentos dos contos que asseguram a perenidade da obra.

Portanto, os contos de Arthur Azevedo devem à oralidade, vizinha do folclore, sua  mais evidente marca. Sobre isso, Massaud Moisés (1984, p. 154) diz que o contista “bebe na  linfa pura de que manam os temas eternos dos contos: a voz do povo, o dia-a-dia, o efêmero  das coisas do mundo, deixando resíduos de moralidade ligeira, meio distraída, e um riso de  compreensão e desenfado”.

 Nos caminhos percorridos pelo conto como expressão literária, no século XIX, Arthur  Azevedo não seguiria Tchekhov, que instituíra a redução dos elementos dramáticos e a  ampliação da atmosfera poética, e nem Maupassant, na intensidade violenta dos argumentos,  preferiu seguir seus próprios recursos, escrevendo contos sobre a vida que lhe circundava.   Os contos fixam os acontecimentos de índole burlesca e comédia humana, para  mostrar as vaidades burguesas e pequeno-burguesas, colocando as figuras da sociedade em  que vivia – o comendador, o funcionário, o pelintra – e de sua própria condição. Azevedo  pretendia expor os fatos ao leitor/espectador não apenas como mero cronista, mas,  principalmente, o de observador satírico, crítico, dos costumes da época. A oralidade está na  urdidura da vida mundana, nos costumes cariocas, por isso muitos de seus flagrantes da vida  fluminense ficaram retidos nas memórias, vivendo, então, da consagração popular das  tradições orais.

Assim, Humberto de Campos (1928) viu no autor a despreocupação da forma e no seu  descaso pela elevação do assunto, definindo-o como um amável divulgador de anedotas, sem  o valor definitivo das altas categorias literárias – embora reconhecendo que a anedota, para  não perder o seu sabor, deve ser exposta em forma de palestra comum, como o fruto na folha.   Essas anedotas, que percorrem a obra, deixam-nos em dúvida se pertencem ao mestre  maranhense ou se foram recolhidas pelo escritor para dar novo destino ao tesouro anônimo da  tradição. Sobre isso, Josué Montello (1956, p. 55) escreve: “Arthur Azevedo ora recorreu ao  anedotário popular para encontrar alguns dos temas de seus contos, ora acrescentou a esse  anedotário algumas achegas de seu espírito popular”.

Desse modo, Arthur utilizou, em alguns contos, da renovação de velhas anedotas  anônimas. Por isso, uma vez, foi acusado de plágio pelo conto “Os charutos” (Contos efêmeros), todavia, defendeu-se dizendo que apenas recontou uma anedota antiga já utilizada  por vários autores: “Não existe plágio, desde que cada autor tenha dado forma original à sua  narrativa” (AZEVEDO apud MAGALHÃES, 1972, p. 110). Ainda segundo Magalhães  (1972, p. 110), Azevedo dizia que no gênero conto é permitido o recontar histórias,  principalmente as antigas e anônimas, e isto vários autores fazem durante séculos, são  narrativas sem um dono específico e pertencem ao patrimônio cultural de todos.  Portanto, sabendo-se que o conto nada mais é do que a anedota a que se deu o  tratamento literário, observamos que Arthur urdia a anedota, ou a valorizava, com o sentido  unilinear da narrativa direta, mais empenhado certamente no efeito dramático que na  densidade literária.

A anedota, embebida de oralidade, possui suas bases na comicidade. Os recursos  cômicos utilizados por Arthur Azevedo, mais bem explicitados na seção 5 – Algumas  considerações sobre a comicidade e o riso, constituem em importantes recursos na  construção dos contos, para atingirem a comicidade e o riso no leitor. Assim, suas anedotas  prevêem, na maioria das vezes, um desfecho cômico. Assemelha-se àquelas piadas, tão  comuns, contadas em voz alta, com o intuito de contar um “causo” cômico para distrair   os  amigos.
Essas anedotas ora são advindas do patrimônio cultural (calcadas em antigas histórias  anônimas), ora surgidas do seu espírito criador (baseadas no que observava do cotidiano  fluminense). Deste grupo fazem parte a maioria de seus contos, daquele a minoria.

Devido a essa oralidade e aos objetivos já vistos, de abarcar o maior número de  leitores, é que o mestre maranhense fez uso de uma linguagem simples e acessível, calcada no  coloquial. Ou seja, as obras de Azevedo visavam ao grande público (ao caráter popular), mais  simples, mais heterogêneo; isso pode ser constatado pelo largo emprego da linguagem  coloquial, de aforismos, de gírias, de neologismos, de palavrões, usos permitidos, uma vez  que expressavam fidedignamente hábitos, linguagens e costumes daquele Rio do entre-séculos XIX e XX.

Hudinilson Urbano (2000, p. 26) escreve que a técnica narrativa coloquial faz com que  o narrador estivesse conversando diretamente com seus leitores, transformando-os em  ouvintes, de maneira aparentemente descompromissada de preocupações literárias. E a  oralidade, transmitindo a sensação própria da língua falada, faz com que a narrativa ganhe  mais dinamismo e dramaticidade.

Antonio Martins (1988, p. XXI) estuda a linguagem utilizada por Arthur Azevedo,  demonstrando como o autor, fincado no veio de gírias e modismos populares, alcançava a comicidade e o anedótico. Como, por exemplo, no conto “Que espiga!” (Contos possíveis),  que se utiliza uma gíria da época: “espiga”, que equivale hoje a “enrascada”. Antonio Martins  (1988, p. 106) escreve que “ao criador dessas personagens não se lhe dava patrocinar a  divulgação de ideais lingüísticos, mas retratar realisticamente o dia-a-dia carioca nas suas  mais variadas facetas”.

Portanto,    vivendo no Rio de Janeiro, que ele tanto amou, desde os dezoito anos, com  antenas ligadas para as línguas do mundo, para os falares regionais e para as  gírias que nasciam nas noites cariocas, sua obra se diversificou e se  opulentou com todas elas. Não lhe causava espécie chamarem-lhe de  popular ou popularesco. Era isso mesmo o que sempre desejou. (...) Era um  brasileiro que escrevia para brasileiros com estilo, com ritmo, com sintaxe,  com léxico e com sotaque bem brasileiros. (MARTINS, 1988, p. 128-129). 

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Fonte
Cibele Cristina Morasco: “Fora do palco, dentro da vida: O contista  Arthur azevedo e o rio de janeiro de sua época”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa  de pós-graduação em Estudos Literários da  Faculdade de Ciências e Letras –  Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção  do título de Mestre em Estudos Literários.  Orientador: Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires). Universidade Estadual Paulista – UNESP. Araraquara, 2008.

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