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A construção de um herói
A individualidade essencial de
Estácio faz-se perceber em sua busca pelo mapa da mina prateada que lhe
permitirá alcançar dois objetivos completamente pessoais: conquistar uma
posição social que o permita aspirar à mão de Inesita e restabelecer o bom nome
de sua família. Por um lado, ao identificarmos Inesita como seu objeto de
desejo, seu “fim visado”, observamos que o caminho para alcançar esse objeto
passa pelo encontro da mina, o que lhe permitirá, a ele que é pobre, obter os ganhos
necessários para igualar-se economicamente à família da moça e ter a chance de
pedir sua mão em casamento. Por outro lado, também é “objeto de desejo” para Estácio limpar o nome
do pai, Robério Dias, retirando, assim, a mácula que pesa sobre seu bom nome.
Em ambos os casos, Padre Molina é o antagonista, a força opositora, ou seja,
aquele que impede “a força temática de
se desdobrar no microcosmos”. Molina está à altura de Estácio, já que “o herói, para ser grande, necessita de
companheiros e adversários que não lhe sejam muito inferiores. [...] A pureza
ingênua do herói, num mundo de crápulas, transforma-o em ser quixotesco”. Sendo
assim, temos na figura de Padre Molina o grande obstáculo que Estácio tem que
vencer. Para isso, ele está sozinho; não conta com a ajuda de forças místicas,
nem míticas, e seus amigos, apesar de fiéis, pouco podem fazer para ajudá-lo.
A observância desse tratamento,
dado por Alencar aos seus personagens, permite-nos entender que ele não
apresenta seus heróis na concepção clássica da palavra, apesar de eles terem
certo caráter épico. Podemos verificar que os personagens alencarinos fogem,
portanto, do sentido hegeliano consagrado ao herói, objetivado no absoluto e
sendo fio condutor da história.
Não podemos conceituar dessa forma
os heróis alencarinos, principalmente Estácio. A história não se desenvolve por
ele, mas através dos acontecimentos, concedendo-nos a oportunidade de observar
as reações do herói, que passamos a conhecer mais profundamente. O “herói”
alencarino busca muito mais uma conquista de objetivos pessoais, e suas buscas
individuais são mais fortes do que a busca pelo bem coletivo, a redenção de seu
povo – o que, quando surge ao seu alcance, na possibilidade de desarticulação
de uma conspiração holandesa, por exemplo, é puramente ao acaso, não algo pelo
qual ele estivesse buscando ou lutando para conquistar. O seu envolvimento
nessa desarticulação deve-se mais à oportunidade reconhecida de aproximar-se da
realização de seu intento do que de um desejo propriamente dito de salvação do
reino, apesar de não podermos desconsiderar a honra que o move em todas as suas
ações, pois “Estácio buscará o polimento da imagem paterna, bem como o amor de
Inesita [...]; e ainda que debele a conspiração holandesa não haverá de
exprimir, no conjunto, a concentração de um fato histórico”.
Mas é também essa exarticulação do
conluio que nos permite apreciar uma cena das mais curiosas, em que o
protagonista do romance, travando contato com D. Diogo de Meneses e Siqueira –
real personagem da história do Brasil – revela toda a sua altivez, nobreza e
coragem. Ao entregar-se ao governador-geral, exige justiça e reparação dos
agravos sofridos por culpa de uma falsa acusação que o levou preso. Ora,
somente um personagem com porte de herói agiria de tal forma diante de uma tão
grande autoridade. Estácio não hesita, invade a sala de D. Diogo, dá-se a
conhecer, revela toda a conspiração interrompida por sua ação e ainda o
afronta, acusando-o de ser injusto. Tudo em nome da honra violada.
–
Estas são as provas de minha inocência, sr. governador. Agora, a captura destes
presos que se evadiam, a destruição dos dois navios de contrabando que os
esperavam em Itapoã para levá-los à Holanda; a descoberta do plano que
concertaram os judeus desta cidade para entregarem a Bahia aos holandeses;
estas são as provas da vossa injustiça.
Suas atitudes estão de acordo com a
criação que lhe deu Vaz Caminha, o qual, segundo o próprio Estácio, ensinou-o a
suportar a pobreza e que lhe aconselhava: “sois moço e valente cavalheiro; a
riqueza mudou-vos de repente a carreira; habituai-vos desde já a trazer a vossa
fortuna, como a vossa honra, na ponta de vossa espada”.
Trabalhando com o conceito de herói
clássico, ou seja, na esfera do mito, o herói seria aquele ser nascido da
relação entre um deus e um mortal; um semi-deus, cujas façanhas sobre-humanas
tornavam-no alguém fora do comum, diferente de deuses e de homens, tanto pela
valentia física quanto pelas qualidades da alma; um ser a-histórico, que
visa
ao sempre igual, arquetípico, [que] não reconhece transformações históricas
fundamentais. Os fenômenos históricos são, para ele, apenas máscaras através
das quais transparecem os padrões eternos. Sua visão do tempo é circular, não
há desenvolvimento. O mito salienta a identidade essencial do homem em todos os
tempos e lugares.
Movido por um dinamismo vital,
mantinha-se constantemente em ação, fazendo uso de seus instintos aguçados ou
da ajuda direta dos deuses. Impelido por sua valentia e grande força física e
moral, o herói estava sempre pronto a arriscar sua vida por outrem ou pela
causa que defendia, deixando os seus próprios interesses em segundo plano. ― “Instintivo,
genuíno, puro, ignorante das forças que possuía, conduzia-se impelido por um
dinamismo que se confundia com o próprio ato vital”.
Esse é o herói da epopeia, forma
estética que responde à pergunta ― “como pode a vida tornar-se essencial?” E
esse seria o segredo do helenismo, segundo Lukács.
Se quisermos, assim podemos abordar
aqui o segredo do helenismo, sua perfeição que nos parece impensável e a sua
estranheza intransponível para nós: o grego conhece somente respostas, mas
nenhuma pergunta, somente soluções (mesmo que enigmáticas), mas nenhum enigma,
somente formas, mas nenhum caos.
Hegel explica que “a epopeia,
quando narra alguma coisa, tem por objeto uma ação que [...] apresenta
inumeráveis ramificações pelas quais contata com o mundo total de uma nação ou
de uma época”. E é o romantismo, com sua caracterização lírica, que desenvolve
a noção de indivíduos excepcionais que encarnam a providência histórica; homens
com a capacidade de realizar determinadas tarefas importantes para a
humanidade, também chamados pelos poetas românticos de gênios. Essa é a linha
de pensamento de Hegel, que considera como individual a finalidade de toda a
ação épica, mesmo as que se ligam de alguma forma à coletividade. Defende,
ainda, que a história de uma nação, ou o seu acontecimento épico, por não ter o
que ele chama de “uma existência individual subjetiva” está ligada
inexoravelmente a um determinado indivíduo, ―cuja individualidade confere a
forma e o conteúdo a toda a realidade”.
Já antes tínhamos dito que o que
constitui o fundo do mundo épico é um empreendimento coletivo no qual se possa
exprimir a totalidade do espírito nacional ainda nos primórdios do seu estado
heróico. Porém, acima desta base geral deve elevar-se um fim particular, cuja
realidade pode ter uma influência decisiva sobre o caráter nacional, sobre as crenças
e a atividade nacionais.
Em se tratando de seres
históricos, esse herói estará sempre ligado aos acontecimentos políticos de sua
nação. Como poeta, na sua arte, conferirá a forma e o conteúdo à realidade
através de uma descrição poética e viva, que se fundamenta no espírito
universal. Hegel elege os heróis de Homero como os exemplos de homens
completos, cujas ações denunciam a identidade comum à do seu povo, porém
atingindo o máximo grau de desenvolvimento, afirmando a totalidade extensiva da
vida à medida que se desenrolam os acontecimentos.
Seriam eles os heróis que vivem “nessas
épocas naturais quando o caráter individual conserva toda a sua ingenuidade”.
Totais em si mesmos, são, no entanto, tocados pelo destino, subjugados pelo
poder do fatum, o qual determina a sucessão de acontecimentos aos quais
o herói tem a “necessidade” de obedecer, sob pena de ser castigado pelos
deuses. É, portanto, o exterior que rege o herói clássico, e mesmo o herói
universal hegeliano, pois que a epopeia tem por objeto os acontecimentos, ao
contrário do romance que tem objetiva o indivíduo e apresenta todo o resto,
como suas ações e seu contato com o mundo, como consequência de seu estado
interior.
Desta forma, o herói do romance
diferencia-se do helênico por ser o seu oposto. Por ter mais dúvidas que
respostas; por estar em uma busca incessante de algo e não saber como tornar a
vida essencial. “A epopeia dá forma a uma totalidade de vida fechada a partir
de si mesma, o romance busca descobrir e construir, pela forma, a totalidade
oculta da vida”.
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Fonte:
Fonte:
Arlene Fernandes Vasconcelos: “A
Verdade Dispensa a Verossimilhança”: O Fato e a Ficção no Romance
Histórico As Minas De Prata, de José De Alencar (Dissertação de Mestrado
apresentada ao programa de pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará,
como requisito à obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Almeida Peloggio).
Fortaleza, 2011
Boa análise de um clássico, infelizmente, pouco divulgado entre as escolas para seus alunos. A história daria um filme
ResponderExcluirDesejo ler o volume 3 de As minas de prata
ResponderExcluirFoi o melhor romance dele!
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