25/01/2016

América Latina: males de origem, de Manuel Bomfim

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O intelectual Manoel Bomfim e os males de origem do Brasil

Sergipano da cidade de Aracaju, Manoel Bomfim contrariou seu pai e trocou o engenho da família pelo curso de medicina. Aos dezessete anos mudou-se para a Bahia, com o objetivo de iniciar o curso. Por insatisfação com a formação oferecida na Faculdade de Medicina da Bahia, transfere-se para o Rio de Janeiro concluindo o curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no ano de 1890. A mudança para a Capital do país, associada à rede de relações pessoais estabelecidas lançam Bomfim, definitivamente, rumo a desafios que jamais o trariam de volta à casa paterna. A amizade e os laços de identidade construídos com Olavo Bilac e Alcindo Guanabara possibilitaram a Bomfim ensejar investidas profissionais em campos de conhecimento que não se limitaram a atuação médica.

Em 1891, um ano após o termino do curso, foi nomeado médico da Secretaria de Polícia, tornando-se tenente-cirurgião da Brigada Policial do Distrito Federal. Neste mesmo ano, casou-se com Natividade Aurora de Oliveira, ano em que o país vivia a crise do encilhamento. O cenário político marcado pela renúncia de Deodoro da Fonseca da Presidência da República e a posse de Floriano Peixoto levantou discussões e controversas quanto à legitimidade constitucional do ato. As divergências acirravam as divergências entre políticos e intelectuais que defendiam e se opunham a Floriano Peixoto. A oposição foi presa e, em alguns casos deportada. Manoel Bomfim e Olavo Bilac se incluíam no grupo de oposição. Bilac foi preso e, rumores foram levantados quanto a sua suposta prisão. Em meio a este clima de insegurança, Bomfim mudou-se para Mococa, interior de São Paulo, com Natividade e sua filha Maria temendo pela segurança de sua família. Durante sua estadia na cidade dedicou-se, exclusivamente, à clínica médica. Enquanto esteve em São Paulo em seu exílio, Bomfim não publicou artigos ou qualquer outro escrito (Cockell, 2010, p. 22).

Para Aguiar (2000, p. 151) a morte da filha foi crucial no processo de desilusão que vivenciou com a medicina. Após esse acontecimento, regressou ao Rio de Janeiro, e passou a se dedicar aos estudos sociais e a educação escrevendo artigos para jornais, ministrando aulas particulares de Português, Ciências e História Natural e atuando como revisor de provas tipográficas. No entanto, foi o seu ingresso no Pedagogium que se constituiu de suma importância para a visão que iria desenvolver acerca das questões relacionadas à educação. Apresentado pelo amigo Alcindo Guanabara ao Prefeito do Distrito Federal, Furquim Werneck de Almeida foi nomeado, por ele, subdiretor da instituição, em 1897, momento em que essa já estava sob a competência administrativa da municipalidade. Em 1906, na gestão do Prefeito Pereira Passos, assumiu sua direção permanecendo até 1919, quando de sua extinção. O Pedagogium configurou-se como centro impulsionador de reformas da instrução nacional e como espaço direcionado a promover a formação do professorado das escolas públicas e privadas, oferecendo-lhes acesso aos métodos e materiais de ensino mais aperfeiçoados a partir da década de noventa do século XIX. Sobre a batuta do Pedagogium foi organizada a Revista Pedagógica, exposições e conferências direcionadas a instrução (Camara; Barros, 2006, p. 283).

Nesse ponto, no que diz respeito às iniciativas organizacionais da instrução pública no Distrito Federal, foi aprovado, pelo decreto federal de 1890, o Regulamento da Instrução Primária e Secundária, que entrou em vigência a partir da Lei nº 85 de 1892; paralelamente, em setembro do mesmo ano, foi aprovada a sua primeira Lei Orgânica, o que implicou a criação do Conselho Municipal e de um corpo de intendentes, passando, por conseguinte, o Poder Executivo a ser exercido por um prefeito municipal nomeado pelo Presidente da República. A nova organização administrativa e política do Rio de Janeiro ensejou a implementação de relações de poder que se refletiram nas diferentes instâncias da administração pública, cabendo à municipalidade, a partir de então, gerir e orientar as propostas com relação ao atendimento da população (ibidem).

Bomfim foi diretor do Pedagogium por dezessete anos, de 1896 a 1905 e de 1911 a 1919 quando a instituição foi extinta pelo prefeito Paulo de Frontin. Neste intervalo entre 1905 e 1911 executou outras funções, dentre elas a de diretor da Instrução Pública em 1906 e a de Deputado Federal por Sergipe em 1907. Contudo, seu afastamento nunca foi, de fato por completo, pois no ano de 1906 inaugurou na instituição o primeiro laboratório de psicologia experimental, que estreitou os contatos entre a instituição e os cientistas europeus. Em Pensar e Dizer Bomfim faz uma breve referência ao laboratório:

Durante doze anos tive à minha disposição um laboratório de psicologia; nas pastas, ainda estão acumuladas anotações, traçados, fileiras de cifres... e nunca tive coragem para organizar uma parte qualquer desses dados e de os publicar, porque nunca obtive uma elucidação satisfatória. Afigurava-se me um problema aparentemente simples. Efeitos de sugestão sobre o esforço muscular; realizava uma série de experimentações e delas resultavam, ao lado de escassas indicações positivas, novos aspectos de pesquisas, isto é, novos problemas (Bomfim, 1923, p. 27).

A partir de sua atuação no Pedagogium, Manoel Bomfim passa a explorar, em seus textos, questões como: a valorização do ensino público, sobretudo da escola primária como direito de todos e dever do Estado; a preocupação com a formação de professores; a necessidade do estudo da Pedagogia como uma ciência teórica e prática, entre outros temas que elege como essenciais para se atuar sobre a situação educacional do país. Empenhou-se em construir uma linguagem que pudesse ser compreendida por todos, uma vez que compreendia ser a educação uma ferramenta essencial para o progresso.

Vale ressaltar o momento histórico em que Bomfim estava inserido, bem como os aspectos que colaboraram na organização e formulação de sua análise. Segundo Needel (1999, p.39), o período de 1898 a 1914 caracterizou-se como a Belle Époque carioca, constituindo-se como uma importante fase na história cultural brasileira. A cultura da modernidade predominante neste período era eminentemente urbana, sendo a cidade tema e sujeito das manifestações culturais e artísticas. A cidade era o lugar da construção da modernidade, e a metrópole a forma mais específica de realização da vida moderna. Quanto ao período que se descortinou a partir dos finais do século XIX, Sevcenko, afiança que:

No afã do esforço modernizador, as novas elites se empenhavam em reduzir a complexa realidade social brasileira, singularizada pelas mazelas herdadas do colonialismo e da escravidão, ao ajustamento em conformidade com padrões abstratos de gestão social de modelos europeus ou norte-americanos. Fossem esses os modelos da missão civilizadora das culturas da Europa do Norte, do urbanismo científico, da opinião pública esclarecida e participativa ou da crença resignada da infalibilidade do progresso. Era como se a instauração do novo regime implicasse pelo mesmo ato o cancelamento de toda a herança do passado histórico do país e pela mera reforma institucional ele tivesse fixado um nexo co-extensivo com a cultura e a sociedade das potências industrializadas. A compreensão dos fenômenos do subdesenvolvimento e das desigualdades inerentes ao sistema de trocas no mercado internacional levou um longo tempo para germinar e adquirir uma significativa substância crítica entre as elites republicanas. E enquanto essa consciência crítica não amadurecia, prevaleceu o sentimento de vergonha, desprezo e ojeriza em relação ao passado, aos grupos sociais e rituais da cultura que evocassem hábitos de um tempo que se julgava para sempre e felizmente superado (Sevcenko, 1998, p. 27).

O Rio de Janeiro, então Capital Federal, era um símbolo da República próspera, e da brasilidade e, como tal deveria apresentar-se no contexto nacional e internacional, no início do século XX. Organizada a partir de novos valores culturais, econômicos e higiênicos que passaram a ganhar força na sociedade brasileira, a cidade-capital, sobretudo na gestão do Prefeito Pereira Passos (1902-1906), associou-se a múltiplos agentes modeladores do espaço urbano e das relações sociais. Sob a influência do modelo francês de Haussmann, o gestor da Paris burguesa e monumental surgida entre 1853 e 1870, a cidade-capital brasileira configurou-se como a forma mais específica de realização da vida moderna do país. Bomfim foi um espectador deste processo de civilização brasileira, identificada com uma matriz francesa. Em 1902, viajou para Paris em Comissão pedagógica do governo brasileiro para estudar psicologia experimental, sendo aluno de Alfred Binet e George Dumas. O contato com o modelo de modernidade francês e a vivência do processo que se vinha desenhando no Brasil, desde finais do século XIX, ampliou a sua visão sobre o Brasil e as questões socioculturais. Desta forma, o projeto de escrever A América Latina: males de origem foi efetivado em terras francesas no ano de 1903 (Cockell, 2010, p. 24).

Publicado pela primeira vez, no Brasil, em 1905 pela editora Garnier, o livro2 recebeu críticas de diferentes segmentos da intelectualidade, sobretudo, do escritor Sílvio Romero. Crítico literário, ensaísta, poeta, filósofo, professor e político. Era membro da Academia Brasileira de Letras, e relevante representante da intelectualidade brasileira. Contudo, também era conhecido pelas polêmicas, pelas críticas ácidas e agressivas. Seus comentários cáusticos recaíram sobre A América Latina: males de origem considerado por

Romero uma “panaceia”. Chegou a publicar em 1906 uma série de artigos em crítica à obra, resultando em uma compilação denominada A América Latina: Analyse do livro de igual título do Dr. M. Bomfim.

Segundo Aguiar (2000, p. 231), a publicação de A América Latina: males de origem trouxe à tona a organização de um contradiscurso ao pensamento que vigorava a época entre os setores intelectuais do país. Quando mencionamos o contradiscurso de Bomfim notamos o seu ponto de vista contrário ao paradigma corrente. Neste momento, sua imagem como um intelectual ganhou destaque. Podemos sintetizar como proposta central da obra, a reflexão acerca das questões preconcebidas sobre a formação do povo brasileiro levando em consideração as concepções racistas dominantes à época. Bomfim defendia que os males do atraso brasileiro não era apenas consequência de nossa composição étnica, climática ou de uma hipotética inferioridade de raça devido à mestiçagem. Em sua compreensão, para o Brasil se tornar um país democrático e progressista era necessário investir na educação.

As posições assumidas pelo autor angariaram muitas oposições acabando por mobilizar duras críticas a sua obra. No coro “dos descontentes” com a análise de Bomfim, sobressaia Silvio Romero que não poupou adjetivações ao que qualificou como sendo um livro “mal feito, tão falso, tão cheio dos mais grosseiros erros” (Romero apud Sussekind, 2002, p. 609) principalmente ao desacreditar nos “males” que refletiam o atraso de nossa nação: composição étnica, climática ou de uma suposta inferioridade racial.

Até esse momento, as teorias explicativas para o atraso ou o progresso das nações advinham especialmente do positivismo de Comte; do evolucionismo de Spencer; do transformismo de Darwin e da etnologia de Gobineau, dentre outros. Foram estas teorias que, em grande parte, orientaram os discursos e os debates dos setores intelectuais e políticos sobre as possibilidades, ou não, da constituição de uma nação brasileira mais democrática e progressista.

Um dos problemas levantados, à época, referia-se a composição multirracial do Brasil e o obstáculo que representava para a formação da nação. Entre as questões mobilizadoras da intelectualidade estava o desejo em pensar acerca da potencialidade do Brasil se tornar civilizado, para isso perguntava-se sobre as possibilidades de existir uma nação civilizada onde a população fosse predominantemente formada por negros, índios e mestiços. A teoria da desigualdade inata das raças, defendidas por Gobineau e Gustave Le Bon influenciou, sobremaneira os intelectuais brasileiros e, consequentemente o pensamento social e político do Brasil. Pensadores como Oliveira Martins, Oliveira Viana e Silvio Romero viam na questão racial o grande problema da inferioridade brasileira. Com Silvio Romero, especialmente, as divergências eram mais evidentes, como assinalamos acima e como nos faz ver Santos:

Enquanto Manuel Bomfim (sic) busca evidenciar os problemas da formação da nação, como um “educador” que tende a evidenciar os erros cometidos e a formação que precisa ser orientada através de uma ciência, Silvio Romero, através do papel do intelectual da sociedade, tem em vista dar uma forma à construção da realidade brasileira, e com isso propor o entendimento dos problemas existentes. Neste campo, o “educador da sociedade”, Manuel Bomfim buscou as causas do atraso político e social enquanto Silvio Romero, destinado a desempenhar o papel do “intelectual da sociedade” teve em vista “exibir os motivos das originalidades, das particularidades, das diferenciações desse povo no meio de todos os outros” (Santos, 2006, p.67).

Silvio Romero considerava ultrajante o “homem do Pedagogium” tecer críticas a autores renomados como Le Bon, censurando principalmente a forma como Manoel Bomfim representava a América Latina, como: vítima da tirania europeia. Romero não poupou adjetivações ao que qualificou como sendo um livro “mal feito, tão falso, tão cheio dos mais grosseiros erros” (Romero apud Sussekind, 2002, p. 609) principalmente ao desacreditar nos “males” que refletiam o atraso de nossa nação: “O autor de „América Latina‟ suppõe haver atirado com a raiz primária dos alludidos males sociaes e políticos e haver descoberto o remédio adequado a sua extirpação” (Romero, 1906, p. 11).

Em 1906, Romero publicou suas críticas iniciais em Os Annaes uma série de dezesseis artigos sob o título Uma suposta teoria nova da história latino-americana, sendo compilado em um livro no mesmo ano pela Livraria Chardon: A América Latina: analyse do livro de igual título do Dr. Bomfim. De início, Romero já questionava a forma de análise científica de Bomfim:

Falsa é a sua base scientifica, falsa a ethnographica, falsa a histórica, falsa a econômica. (...) Não admira, portnto, que falsa seja também a „causa‟ a que attribúe os desvios e atropellos da evolução latino-americana, e soffrivelmente inefficaz a „medicação‟ que propõe para corrigi-los. (...) Não é o talento do auctor que vai entrar em jogo; é , sim, a pouca segurança de muitas de suas vistas, a erronia das suas doutrinas capitães, a falsidade da mór parte de seus conceitos, a precipitação de suas conclusões, o nenhum valor das fontes em que bebeu (Romero, 1906, p. 11-12).

Bomfim, por sua vez, inovava ao opor-se a este pensamento dominante que atribuía ao fator racial às causas do subdesenvolvimento. Contra essa interpretação dominante propunha a tese do parasitismo social. Enfatizava, então que a lógica da dominação externa imposta pelo colonialismo europeu, combinada com a dominação interna imposta pelas elites teria causado profundos males aos povos latino-americanos. Segundo o autor, o parasitismo resultava em três efeitos: o enfraquecimento do parasitado; as violências que se exerceram sobre eles; e a sua adaptação às condições de vida que lhe eram impostas pelos predadores (Bomfim, 1993, p. 254).

Nesse movimento interpretativo, Bomfim preocupou-se em entender o papel e a influência que a raça identificada como dominante, culta e civilizada exercia sobre as sociedades emergentes. Sua análise assentava-se na idéia de que, até então, poucos estudos haviam sido realizados visando observar “as qualidades positivas dos selvagens e dos negros”. Para ele, o essencial era saber qual o valor absoluto dessas raças, em si – a sua capacidade progressista: se são civilizadas ou não. Assim, o que estava em jogo era a definição e a defesa da teoria que afiançava a inferioridade da raça. Neste particular, perguntava sobre o que era esta teoria procurando, ao mesmo tempo, responder. Para ele, “a resposta a estas questões nos dirá que tal teoria não passa de um sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocritamente mascarado de ciência barata, e covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes” (Bomfim, 1993, p. 267).

Para Manoel Bomfim o que estava na matriz de uma perspectiva de progresso era a educação e não as questões raciais. A educação deveria ser indispensável e como tal constituía-se de intransferível responsabilidade da União, que teoricamente, estaria livre da influência direta das oligarquias políticas estaduais e municipais. Os assuntos educacionais já permeavam a vida do autor, desde sua passagem pela Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal no período de 1895 a 1900, sendo intensificada com a sua entrada no Pedagogium, em 1897, à medida que passava a conhecer mais a fundo os problemas que afetavam o país neste campo, especialmente com relação às graves consequências do analfabetismo.

Somado a esses aspectos, a leitura do relatório intitulado Report of the Commissioner of Education, elaborado pelo governo dos Estados Unidos da América, de 1893, poderia ser identificado como um elemento a mais que teria levado Bomfim não somente a pensar as questões relacionadas à educação e a instrução popular, mas também de buscar pensar o Brasil no contexto do continente americano. O contato com os dados sobre a situação escolar brasileira, obtidas a partir da leitura do relatório colocou Bomfim diante de um diagnostico alarmante, uma vez que, dentre os trinta países americanos, o Brasil ocupava o terceiro pior índice de escolaridade. Em seu texto Cultura e Educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária, de 1932, Bomfim teria confessado ter sido profunda a impressão que lhe causou a leitura, especialmente pela: “insignificância e pobreza patente dos nossos recursos, que nunca mais pude furtar ao desejo de observar e estudar o problema da instrução popular entre nós. De então para cá só tenho encontrado motivos para maior desconsolo” (Bomfim, 1932, p. 55). A América Latina: males de origem é exemplar dessa preocupação do autor em estudar os problemas da sociedade brasileira e da instrução.

No livro, apesar de o autor conversar intensamente com as questões referentes à sociedade brasileira, seu diálogo se voltava também em compreender o Brasil no contexto dos países da América Latina. Notamos, inclusive, a sua discussão em torno do sentimento latino-americano como um participante significativo do continente americano, e para isto necessitava recuperar seu nacionalismo e, sobretudo, visar o progresso.

Nesta obra Bomfim não objetiva enfatizar a constituição da singularidade do povo, mas explicar historicamente a formação nacional brasileira (e dos latino-americanos) a partir de uma herança comum de dominação e de exploração, pois, para ele, era preciso compreender os motivos pelos quais estes povos se mostravam atrasados social e economicamente. Para Manoel Bomfim, essa relação entre países civilizados e atrasados (desenvolvidos e subdesenvolvidos), tanto do Brasil quanto dos outros países da América Latina seria estabelecida pelas questões econômicas e políticas, e não étnicas ou climáticas. No livro não chega a falar em “povo brasileiro”, mas em “povo americano”, em posição contrária à doutrina Monroe5. Destaca que a organização econômica escravocrata brasileira durante a Colônia e o Império teria colaborado para a constituição de uma nação ignorante e submissa, reduzido a população à ignorância e a abjeção. Para o autor, desde a chegada dos portugueses, a população indígena passou pelo processo violento de escravização que impediu a constituição de uma sociedade com hábito de trabalho pacífico. A introdução dos africanos, não alterou a relação entre senhor e escravo, ou ainda, parasita e parasitário.

Apesar de o autor conversar intensamente com as questões referentes à sociedade brasileira, o seu diálogo se voltava também em compreender o Brasil no contexto dos países da América Latina. Notamos, inclusive, a sua discussão em torno do sentimento latino-americano como um participante significativo do continente americano, e para isto necessitava recuperar seu nacionalismo visando o progresso. Deste modo, para Bomfim, a América Latina e a identidade do latino-americano estavam ameaçadas, uma vez que a

“civilização” como “modelo europeu” transbordava sobre ela, e esse “transbordamento” era uma ameaça. Logo, era preciso realizar um esforço consciente e metódico para avançar rumo ao progresso, entrando no movimento em condições de viver “livre entre os livres”

(Bomfim, 1993, p. 263). A sua teoria do parasitismo social enfatizava que a lógica da dominação externa imposta pelo colonialismo europeu, combinada com a dominação interna imposta pelas elites teria causado profundos males aos povos latino-americanos. Segundo o autor, o parasitismo resultava em três efeitos: o enfraquecimento do parasitado; as violências que se exerceram sobre eles e a sua adaptação às condições de vida que lhe eram impostas pelos predadores:

Nas próprias sociedades humanas ocorrem freqüentemente fatos análogos. Com as desigualdades sociais e as iniqüidades e vícios das instituições presentes, o regime normal é que uma parte da sociedade viva parasitariamente do trabalho da outra. Todavia, estabeleceu-se um certo equilíbrio, e as classes parasitadas têm a sua sobrevivência garantida no fato de que a extensão dos instintos egoísticos das classes parasitas, o ócio, a devassidão, a degeneração em suma, que se manifestam fatalmente sobre os exploradores, mantêm estes últimos numa situação de relativa inferioridade (Bomfim, 1993, p.123).

Para Bomfim o Estado seria o principal agente responsável pela caracterização do povo, desde a sua colonização garantindo o máximo de tributos e extorsões através de sua administração política, instituindo uma população desconfiada das autoridades. Dessa forma, o povo americano só pode nascer em:

[...] núcleos de refugos, revéis, escravos fugidos, índios sobreviventes, aos massacres, um ou outro branco desgarrado...e que deram origem a essas populações que, em várias partes do sertão, vêm vivendo sob o regime de um comunismo primitivo – terras de heróis, lavrando algumas nesgas de mandioca, e explorando a caça e a pesca como os selvagens de outrora, sem estímulos, ignorantes, apáticos, sem educação do trabalho, carregando os resíduos de ódios das populações martirizadas (Bomfim, 1993, p. 131).

Deste modo, em seu entendimento, a democracia era possível somente com indivíduos capazes de serem livres e responsáveis, ou seja, naqueles que se permitiam pensar e questionar. Logo, mais que a instrução e ao progresso, a educação elucidaria o povo e, consequentemente, ao país para a real democracia decidida e conduzida igualmente por todos. Movido por esse entendimento, Bomfim apresenta os “males” como se apresentasse um diagnóstico daquelas sociedades adoecidas. Em seu ponto de vista, para entendermos os males antigos era necessário para o conhecimento de suas causas. Desse modo, em seu “Resumo e conclusão” o autor apresentava um caminho para a cura destes males: “A natureza e a origem dos males nos indicarão o remédio ou o remédio delas” (Bomfim, 1993, p. 268), a educação. A educação seria a responsável em levar a nação rumo ao progresso, dentro de uma política democrática e uma sociedade justa.


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Fonte:
Sônia Camara (UERJ-FFP soniacamara@uol.com.br) e Marcela Cockell (UERJ-FFP marcelacockell@hotmail.com): " O intelectual educador Manoel Bomfim e a interpretação do Brasil e da América Latina". Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.44, p. 293-307, dez2011 - ISSN: 1676-2584-295. Disponível em: www.histedbr.fe.unicamp.br

Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção os autores estão devidamente catalogadas na citada obra.

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