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O Político
Tendo
escrito a História de Portugal, o Sr. Oliveira Martins resolveu continuá-la e
naturalmente o pensamento conduziu-o à ação.
Não
entra no programa deste estudo ocupar-me de assuntos de política contemporânea,
sobretudo quando trato de um homem cuja carreira pública apenas começa. Mas
fazendo um trabalho de psicologia e não de simples crítica literária, não me é
lícito calar uma das manifestações mais importantes do espírito que analiso.
Porém indicarei apenas o valor dos seus recursos e a tendência geral das suas ideias
como homem de estado.
As
faculdades que fazem o homem de ação em cada esfera da atividade humana, são
essas mesmas que fazem o homem de ciência, mais o tino das circunstâncias particulares.
As do estadista são as do historiador; digo as do historiador e não as do sociologista,
porque o conhecimento das leis abstratas que regem o equilíbrio e o movimento
das sociedades, não é suficiente para dirigir a ação conservadora ou modificadora
dos governantes; é preciso reunir-lhe o vivo sentimento do concreto, a visão
plena dos inumeráveis fatos particulares que dão a um povo um caráter individual
e fazem que nenhuma dedução abstrata o possa adivinhar. Pense-se na imensa
complexidade do organismo coletivo, no caráter profundamente individual que uma
sociedade reveste em virtude das circunstâncias de raça, meio e momento, na
obrigação de conhecer plenamente a força e a direção das vontades, a energia e
a profundidade dos instintos, a vitalidade e a duração dos preconceitos, as necessidades
materiais ou morais, reais ou fictícias dos seus membros, reflita-se na
obrigação de conhecer essas forças na sua quantidade exata e na sua direção
certa, nas proporções variadas em que elas se combinam e nos sistemas
complicados que delas resultam, medite-se que cada um dos fatos presentes tem
profundas raízes no passado e consequências inevitáveis no futuro ainda o mais
remoto, e ver-se-á que essa improvisação maravilhosa e certeira que se chama a
arte de governar, consiste na visão adequada e perpétua, retrospectiva e profética
das almas sobre que ela se exerce, e que a política é psicologia ativa e em
ponto grande. Note-se enfim que o hábito da representação concreta degenera
facilmente no empirismo e que a habilidade técnica descamba no especialismo
estreito, para se admirar ainda mais a plasticidade mental dos que conservam
intato sob a ação das questões quotidianas o sentimento dos interesses gerais e
caminham através dos expedientes com olhos fitos nas ideias.
Estas
qualidades parecem reunir-se no Sr. Oliveira Martins. Essa visão poderosa e
plena, essa representação verídica e intensa dos caracteres, esse golpe de
vista sagaz e profundo mergulhado no íntimo dos corações, que faz o encanto e a
força dos seus livros, podem guiá-lo nos seus atos; as mãos acostumadas a fazer
a autopsia das almas no anfiteatro da História, não são impróprias para jogar
os lances da política. O hábito de ver as cousas de alto, próprio do historiador,
arrancão aos trilhos mesquinhos em que se perde o espírito da rotina e do
expediente. Artista pela visão colorida e palpável da realidade, é-o também
pela intuição magnífica do ideal. A imaginação construtiva anda nele ligada ao
sentimento do real e do exequível. E tendo aquele exato bom-senso e aquela eficaz
percepção do possível, que resulta da prática dos homens e da vida, possui contudo
aquela largueza de vistas e aquele desejo do melhor, que provém da convivência
das ideias e do trato dos livros.
Será
esse ideal realizável e esse tino prático suficiente? Os sucessos di-lo-ão. Não
é porém difícil apontar desde já no sentimento da força própria e no generoso
instinto do dever cívico as causas que o fizeram passar do pensamento à ação, e
mostrar a clara coerência que liga as suas opiniões de ontem aos seus atos de
hoje, e os seus vinte anos de história aos seus dois anos de política.
Tal
é essa figura interessante e rara. Homem interior, isto é, dotado de imaginação
psicológica, admirável na representação dos acidentes do aparelho mental e dos sobressaltos
da máquina sensível, toda a sua obra se ressente e vive desta aptidão
primordial, que constela os seus livros de retratos verídicos e profundos, de paisagens
vivas de narrações dramáticas. Capaz de operações abstratas, a razão científica
completa nele a imaginação poética, e a análise explicativa anda ligada ao
colorido intenso. Sujeito às emoções veementes e frequentes, sobre tudo às de
ordem moral, isto é, a compaixão, a admiração, a indignação, e o desprezo, a
sua obra, dramática pela lógica e pela vida, sê-lo-á também pela paixão; mas a
intuição do psicólogo e a reflexão do filósofo hão de envolvê-lo num nimbo de indulgência,
de ironia e de tristeza. Empregando um estilo em que parecem reviver e encarnar
todas as qualidades da sua alma, sucessivamente enérgico e suave, entusiasta e
sarcástico, e cujo tecido flutuante e ágil acompanha como uma púrpura
amarrotada e resplandecente os movimentos bruscos do seu espírito. Lançado na política
pela energia do sentimento moral e importando para a Ação a elevação do
filósofo e a perspicácia do homem prático, e pondo ao serviço das aspirações do
moralista a habilidade do psicólogo. Uma relação íntima liga entre si todas as
partes do seu talento e faz derivar dele todos os aspectos da sua obra.
[Trecho do Livro]
[Trecho do Livro]
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