20/09/2015

O Caso do Império, de Oliveira Viana

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Prefácio
Deu-me o nosso Instituto Histórico, de que sou parte mínima, a incumbência de, na comemoração que ele fez do centenário de D. Pedro II, historiar os últimos dias do seu grande reinado, cujas fases anteriores, a do início, a de expansão, a do esplendor, a da glória, ele havia distribuído sabiamente a dez das suas maiores competências.
Dando-me o encargo de dizer do Império na sua fase pré-agônica, quando já mergulhado nas sombras do seu ocaso melancólico, a velha instituição científica teve mais uma vez o sentimento muito exato dos valores humanos: era justamente à mais obscura das suas expressões intelectuais que devia caber a missão de historiar a vida e os acontecimentos do longo reinado bragantino nesta última fase, que era a do seu crepúsculo...
No plano das onze monografias projetadas, a mim cabia, com efeito, o estudo dos acontecimentos operados entre 1887 e 1889. Cabia a mim, portanto, surpreender a questão militar e a efervescência militarista no seu ponto climatérico; a mim, ainda, apanhar a campanha abolicionista no momento mesmo do seu triunfo; a mim, finalmente, observar a velha estrutura do Império no instante mesmo da sua sideração e queda.
Cedo, porém, reconheci a impossibilidade de me manter dentro dos extremos prefixados pelo Instituto. No pequeno campo histórico, que me fora destinado, vinha confluir uma série de acontecimentos, cada qual mais importante, mas cuja significação senti que era impossível apreender, se me conservasse rigorosamente adstrito aos estreitos limites impostos à minha investigação. Dentro daquele curto período de 1887-1889, o que via era como que um epílogo, exprimia apenas as últimas ondulações tumultuárias e encruzilhadas de um complexo movimento social, cujas primeiras revelações tinham que ser buscadas em épocas incomparavelmente mais distantes.
Realmente, nenhuma das grandes forças, que determinaram a queda do Império, se havia gerado dentro do período de 1887-1889; todas tinham as suas manifestações iniciais fora daquele limitado espaço histórico: o abolicionismo, o republicanismo, o federalismo, o militarismo. Este partia de 1870 – pelo menos. O pensamento abolicionista recuava ainda mais – aos primeiros dias do Império. O espírito republicano e federativo, esse vinha ainda de mais longe – mergulhava em cheio as suas raízes no período colonial. Tive, pois, que desobedecer ao plano estabelecido pelo Instituto e remontar as fases anteriores, na pesquisa das causas primeiras daquele extraordinário acontecimento.
Esta pesquisa das causas primeiras poderia me levar, de inferência em inferência, muito longe – porque a lógica do historiador é como aquele hipopótamo de uma fantasia de Machado de Assis: tem a fome do infinito e tende a procurar a origem dos séculos. Era preciso evitar este inconveniente, fatal antes de tudo aos leitores. Resolvi então procurar um ponto do nosso espaço histórico, tal que me permitisse, sem penetrar as origens remotas, determinar e isolar as causas mais aparentes do grande acontecimento.
Este ponto encontrei-o – e é o pequeno período que vai da queda do gabinete Zacarias em 1868 ao manifesto republicano de 1870.
Neste período está o ponto de partida de todo aquele movimento político que haveria de epilogar-se a 15 de novembro, com a destruição do gabinete Ouro Preto e a queda do 2º Império. Fixei-me nele – e foi dentro desse horizonte mais dilatado que tentei descrever, nas suas linhas gerais, a marcha evolutiva das grandes forças políticas que derruíram, em 1889, a velha estrutura imperial.
Digo das “forças políticas” – porque somente delas trato neste volume. Das outras, as econômicas e as sociais principalmente, não é aqui a melhor oportunidade para estudá-las. Eu me reservo esta análise para quando, ultimando a série dos meus ensaios, iniciados com as Populações Meridionais, sobre a origem e a formação da nossa nacionalidade, tiver que estudar, na Introdução à História da República, a sociedade brasileira sob o novo regime e fazer a crítica das nossas realidades contemporâneas.
Há duas espécies de história – disse um dos nossos grandes espíritos: a história dos fatos e a história das ideias. Por isso mesmo há duas espécies de historiadores: os que historiam fatos e os que historiam ideias. Neste livro, eu procuro, de preferência, historiar ideias. Daí a escassez dos dados biográficos e dos dados cronológicos neste ensaio, em que tento descrever a evolução da mentalidade das nossas elites no momento justo em que passam da grande ilusão monárquica para a grande ilusão republicana. O meu objetivo neste volume é, por isso, definir, de uma maneira precisa, o papel exercido na queda da monarquia pela ideia liberal, pela abolicionista, pela ideia federativa, pela ideia republicana e pelas fermentações morais que determinaram as chamadas “questões militares”.
Estas constituíram para mim um ponto extremamente delicado de análise; mas, dada a autenticidade dos fatos estudados, não creio que se possa acusar de excessiva a severidade com que julguei o papel do elemento militar nas nossas agitações políticas. Neste ponto, como em todos os outros, que são debatidos neste volume, penso ter feito obra de absoluta imparcialidade julgadora.
É possível que, nestas páginas, muito grandes homens apareçam sem aquelas amplificações que a perspectiva histórica cria, muitos heróis se mostrem despidos do nimbo luminoso com que a tradição os havia coroado. Mas, que importa isto? O essencial é que o juízo seja justo e assente em fundamentos de verdade. O papel do historiador é justamente este, é realizar essa obra de reintegração dos valores, depondo dos altares santificadores os falsos ídolos e pondo neles os benfeitores dos povos, os criadores reais de sua história – em suma, os verdadeiros heróis, espoliados por aqueles intrusos na legitimidade do seu direito à glória.


Teresópolis, 1925.Oliveira Vianna.

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