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Prefácio
Deu-me o nosso Instituto Histórico, de que sou parte
mínima, a incumbência de, na comemoração que ele fez do centenário de D. Pedro
II, historiar os últimos dias do seu grande reinado, cujas fases anteriores, a
do início, a de expansão, a do esplendor, a da glória, ele havia distribuído
sabiamente a dez das suas maiores competências.
Dando-me o encargo de dizer do Império na sua fase
pré-agônica, quando já mergulhado nas sombras do seu ocaso melancólico, a velha
instituição científica teve mais uma vez o sentimento muito exato dos valores
humanos: era justamente à mais obscura das suas expressões intelectuais que
devia caber a missão de historiar a vida e os acontecimentos do longo reinado
bragantino nesta última fase, que era a do seu crepúsculo...
No plano das onze monografias projetadas, a mim cabia,
com efeito, o estudo dos acontecimentos operados entre 1887 e 1889. Cabia a
mim, portanto, surpreender a questão militar e a efervescência militarista no
seu ponto climatérico; a mim, ainda, apanhar a campanha abolicionista no
momento mesmo do seu triunfo; a mim, finalmente, observar a velha estrutura do
Império no instante mesmo da sua sideração e queda.
Cedo, porém, reconheci a impossibilidade de me manter
dentro dos extremos prefixados pelo Instituto. No pequeno campo histórico, que
me fora destinado, vinha confluir uma série de acontecimentos, cada qual mais
importante, mas cuja significação senti que era impossível apreender, se me
conservasse rigorosamente adstrito aos estreitos limites impostos à minha
investigação. Dentro daquele curto período de 1887-1889, o que via era como que
um epílogo, exprimia apenas as últimas ondulações tumultuárias e encruzilhadas
de um complexo movimento social, cujas primeiras revelações tinham que ser
buscadas em épocas incomparavelmente mais distantes.
Realmente, nenhuma das grandes forças, que
determinaram a queda do Império, se havia gerado dentro do período de
1887-1889; todas tinham as suas manifestações iniciais fora daquele limitado
espaço histórico: o abolicionismo, o republicanismo, o federalismo, o militarismo.
Este partia de 1870 – pelo menos. O pensamento abolicionista recuava ainda mais
– aos primeiros dias do Império. O espírito republicano e federativo, esse
vinha ainda de mais longe – mergulhava em cheio as suas raízes no período
colonial. Tive, pois, que desobedecer ao plano estabelecido pelo Instituto e
remontar as fases anteriores, na pesquisa das causas primeiras daquele extraordinário
acontecimento.
Esta pesquisa das causas primeiras poderia me levar,
de inferência em inferência, muito longe – porque a lógica do historiador é
como aquele hipopótamo de uma fantasia de Machado de Assis: tem a fome do
infinito e tende a procurar a origem dos séculos. Era preciso evitar este
inconveniente, fatal antes de tudo aos leitores. Resolvi então procurar um
ponto do nosso espaço histórico, tal que me permitisse, sem penetrar as origens
remotas, determinar e isolar as causas mais aparentes do grande acontecimento.
Este ponto encontrei-o – e é o pequeno período que vai
da queda do gabinete Zacarias em 1868 ao manifesto republicano de 1870.
Neste período está o ponto de partida de todo aquele
movimento político que haveria de epilogar-se a 15 de novembro, com a
destruição do gabinete Ouro Preto e a queda do 2º Império. Fixei-me nele – e
foi dentro desse horizonte mais dilatado que tentei descrever, nas suas linhas
gerais, a marcha evolutiva das grandes forças políticas que derruíram, em 1889,
a velha estrutura imperial.
Digo das “forças políticas” – porque somente delas
trato neste volume. Das outras, as econômicas e as sociais principalmente, não
é aqui a melhor oportunidade para estudá-las. Eu me reservo esta análise para
quando, ultimando a série dos meus ensaios, iniciados com as Populações
Meridionais, sobre a origem e a formação da nossa nacionalidade, tiver que
estudar, na Introdução à História da República, a sociedade brasileira sob o
novo regime e fazer a crítica das nossas realidades contemporâneas.
Há duas espécies de história – disse um dos nossos
grandes espíritos: a história dos fatos e a história das ideias. Por isso mesmo
há duas espécies de historiadores: os que historiam fatos e os que historiam ideias.
Neste livro, eu procuro, de preferência, historiar ideias. Daí a escassez dos
dados biográficos e dos dados cronológicos neste ensaio, em que tento descrever
a evolução da mentalidade das nossas elites no momento justo em que passam da
grande ilusão monárquica para a grande ilusão republicana. O meu objetivo neste
volume é, por isso, definir, de uma maneira precisa, o papel exercido na queda
da monarquia pela ideia liberal, pela abolicionista, pela ideia federativa,
pela ideia republicana e pelas fermentações morais que determinaram as chamadas
“questões militares”.
Estas constituíram para mim um ponto extremamente
delicado de análise; mas, dada a autenticidade dos fatos estudados, não creio
que se possa acusar de excessiva a severidade com que julguei o papel do
elemento militar nas nossas agitações políticas. Neste ponto, como em todos os
outros, que são debatidos neste volume, penso ter feito obra de absoluta
imparcialidade julgadora.
É possível que, nestas páginas, muito grandes homens
apareçam sem aquelas amplificações que a perspectiva histórica cria, muitos
heróis se mostrem despidos do nimbo luminoso com que a tradição os havia
coroado. Mas, que importa isto? O essencial é que o juízo seja justo e assente
em fundamentos de verdade. O papel do historiador é justamente este, é realizar
essa obra de reintegração dos valores, depondo dos altares santificadores os
falsos ídolos e pondo neles os benfeitores dos povos, os criadores reais de sua
história – em suma, os verdadeiros heróis, espoliados por aqueles intrusos na
legitimidade do seu direito à glória.
Teresópolis,
1925.Oliveira
Vianna.
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