Para baixar o livro, clique na imagem e selecione-o em:
↓
http://www.projetolivrolivre.com/
---
Disponível também em "Minhateca", no link abaixo:
---
Araripe Júnior
Nunca é tarde para mandar-se um
brinde a um poeta, a quem as vozes da admiração dos amigos afagam, fazendo-lhe
uma justa festa de chegança.
Não é verdade que se deveria
sempre soltar uma girândola de foguetes, ou dar um tiro de bacamarte, como em
certas solenidades se pratica no sertão, quando nasce uma árvore frutífera rara
em um pomar ou se descobre uma flor de espécie não classificada?
Com maioria de razão deveriam
repicar os sinos da freguesia e a irmandade do S. S. Apolio tomar a opa e os
tocheiros para levar à pia batismal o poeta recém-nascido, consagrando-o com o
nome, pelo qual o mundo das letras o apregoará tanto na vida como na morte.
Receba, pois, o poeta das
Contemporâneas estas palavras saídas do coração; e, em falta de melhores,
guarde-as, não pelo que valem, sendo, como são, frutos de pouco sabor, mas pelo
que, no intento de quem as prefere, elas pretendem simbolizar – o entusiasmo
franco causado por um livro – a sensação deliciosa de uma leitura comunicativa.
Não critico aquilo de que me
apaixono; e o livro que tenho diante dos olhos acha-se perfeitamente neste
caso. Sinto-o, como se sente a aura blandiciosa em um clima tropical, morno e
anestésico; percebo-o, como se percebe o gárrulo, iriante e festivo guainumbi;
observo-o, como se observam os tons coloridos pela luz eclíptica do sol em uma
tarde de Agosto; penso-o e repenso-o, como se pensa o mistério da existência e
o movimento do universo. E tenho dito tudo e não tenho dito nada, porque, para
que a satisfação fosse completa, seria talvez necessário fazer o que fazem as
crianças em sua ingênua perversidade – abrir de meio a meio o pacto, lascar o
brinquedo que nos encanta, que produz tão belas harmonias, para consultar-lhe
as entranhas, o mecanismo interno e verificar a explicação de tantos e tão
caprichosos efeitos – e depois... depois, como certos aristarcos ou como a boa
constritor, acariciar a vítima com a baba, para, em seguida, devorá-la,
putrefazê-la nas voltas intestinais.
Isto, porém, é o que não
perpetrarei por forma alguma. Autopsiam-se os defuntos. Com os vivos pomo-nos
apenas em relação de ódio ou simpatia. Demais, a crítica já disse quase tudo e,
pela pena esperançosa de um Lívio de Castro, já deu até a fórmula do poeta. O que
poderia eu acrescentar se não uma pálida nota à margem desses justíssimos
juízos?
Que o talento do autor das
Contemporâneas é um talento formosíssimo em toda a intensidade do superlativo?
Que esse talento não sofre nem de máculas, nem de hesitações, nem de deliquescências,
nem de pedantismo? Que é um talento sadio e franco, espontâneo e seguro, sereno
e azul – tão sereno como uma manhã de minha terra natal, tão azul como os olhos
de Julieta, com que provavelmente cisma?
Não. Um poeta assim se explica
por si – dando-se a ler – deixando que a alacridade diante de tão lindas
páginas traduza-se por si e que o orgulho nacional se expanda ao ver um espécime
de poesia tão nova, tão balsâmica, tão nossa.
Não se trata de um parnasiano que
se tortura pela forma, nem de um blasé, um decadente, que refine o sentimento,
nem de um filósofo que tente as cosmogonias novas, nem de um platônico que
definhe a olhar para a lua, mas de um espírito profundamente colorido nos dons de
expressão, amante das grandes linhas, que pensa quando sente e que sente quando
quer, dando à sua lira todas as inflexões que comporiam uma alma francamente
apreensiva das belezas da vida e da vida de sua terra.
Nas Contemporâneas, e é o que
nesse livro mais me apaixona, a poesia circula como a seiva em uma árvore
florida e vigorosa. Cambiante em tudo, a imaginação do vate surge em toda a
parte e não se deixa apatetar na contemplação exclusiva de um aspecto único.
Panteísta na poesia “Através dos
séculos”, cético no que conserva este mesmo título, místico no “Amor”, ateu nos
“Dois Cristos”, fetichista no “Polvo”, “Lágrimas do Regato” e na “Cólera do
Mar”; contudo, ali vai banhar-se nas forças colossais do século, para surgir
logo adiante incandescente de transformismo e irradiante de amor brasílico.
O que resta agora é que o poeta
não se deixe cair na modorra tropical e saiba viver.., viver com toda a força e
intensidade a que tem direito o seu gênio artístico, e que, neste momento
supremo, em que parece que o Brasil gravita para o seu verdadeiro centro
econômico, e que alguma coisa de novo vibra no organismo social, não se engolfe
entre as tetas de terra que lhe circundam na roça a mansão poética, e
concentrando-se em espírito no poema que atualmente elabora – “A Vida” – consagra
um canto à festa de recepção dos legionários do progresso, que, diariamente, de
todos os pontos da Europa, irrompem através do Atlântico, em demanda das nossas
florestas portentosas.
Araripe Júnior.
A Semana, de 11 de fevereiro de 1888.
Nenhum comentário:
Postar um comentário