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Alberto Torres e a organização nacional: críticas ao modelo republicano
brasileiro (1914)
Por: Priscila Maddalozzo Pivatto
(Doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo – USP).
Pensar as relações entre idéias,
intelectuais e instituições nos primeiros anos da República brasileira implica
analisar livros publicados durante esse período que se debruçam justamente
sobre o problema da instauração do novo regime político e jurídico do país.
Esse é um dos temas centrais para os pensadores do início do século XX, já que
são as inquietações com os destinos do país que estimulavam as interpretações
teóricas e práticas da conjuntura brasileira. Nesse contexto é importante
apontar duas características da produção intelectual. Por um lado destaca-se a
independência de grande parte dos escritores, que produziam de forma isolada,
sem estarem inseridos em âmbitos acadêmicos bem definidos. Embora de forma
retrospectiva seja possível identificar linhagens de pensamentos e tradições
teóricas, em geral os intelectuais formulavam suas narrativas de modo
individual (BRANDÃO, 2005). Por outro lado, percebe-se que em sua maioria os
intelectuais desse momento exerciam funções dentro do aparato estatal
republicano. Isso significa dizer que seus estudos e conclusões são frutos
também da vivência e da experiência relacionada à dinâmica interna dos arranjos
dos poderes estatais. Esses autores não são, portanto, somente observadores das
questões nacionais, mas também atores institucionais. Nesse sentido é que os pontos
de contato entre história e direito se multiplicam. Num país onde a cultura dos
bacharéis vivia um momento de esplendor, é nas obras dos publicistas e
doutrinadores do direito, geralmente membros do poder público, que podem ser
encontradas representações da realidade brasileira da primeira República.
Para os fins desse estudo,
optou-se pela análise de um dos livros escritos por Alberto Torres, intitulado
“A organização nacional”, cuja publicação original foi realizada em 1914. As
duas características dos intelectuais anteriormente mencionadas podem ser
percebidas em Torres, tendo em vista que era um escritor autônomo cujas
criações teóricas eram essencialmente baseadas no exercício de atividades nas
esferas dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, já que ocupou cargos
de Ministro de Estado, Deputado Federal, Governador do Estado do Rio de Janeiro
e Ministro do Supremo Tribunal Federal. O próprio autor explicitou que sua
crítica ao modelo liberal republicano foi em grande parte resultado de sua
frustração com a prática estatal, veja-se:
“Ao passar, em 31 de dezembro de 1900, o governo da terra fluminense a
meu sucessor, o General Quintino Bocayuva, já não podia ser tão firme –
desiludida, como fora, pelos fatos – a minha confiança no regime que havíamos
adotado; e quando no decurso de alguns anos de magistratura vim a fazer trato
mais íntimo com a Constituição da República, fixou-se em meu espírito a
convicção de sua absoluta impraticabilidade. [...] a lei máxima da República
não é senão uma roupagem de empréstimo, vestido instituições prematuras.”
(TORRES, 1933: 9-10).
Em linhas gerais, “A organização
nacional” sustenta a tese de que as dificuldades do progresso do Brasil são
devidas a desarticulação e fragmentação do país. A tradição liberal, importada
de países estrangeiros e descolada das condições reais do Brasil, acabou
minimizando o papel do Estado, deixando o país à mercê dos poderes locais
oligárquicos. O problema do modelo de Estado liberal e republicano aqui
implementado seria, na perspectiva de Alberto Torres, de não corresponder a um
produto da sociedade civil. Tratava-se, pois, de um modelo transportado para um
país carente de uma sociedade liberal. Assim, a desorganização da sociedade
exigiria um Estado forte e centralizado para articular o país. Mais do que uma
opção propriamente ideológica, a centralização do poder era, no seu entender,
um imperativo dos fatos. Um país carente de organicidade só poderia ser
reorganizado a partir de uma instituição artificial, o Estado. Deste modo, a
nação seria criada a partir do Estado, no qual noções de interesses coletivos
viriam suplantar interesses individualistas. Alguns desses traços podem ser
percebidos, por exemplo, no seguinte trecho:
“O espírito liberal enganou-se, reduzindo a ação dos governos: a
autoridade, isto é, o império, a majestade, o arbítrio, devem ser combatidos;
mas o governo, forte em seu papel de apoiar e desenvolver o indivíduo e de
coordenar a sociedade, num regime de inteira e ilimitada publicidade e de ampla
e inequívoca discussão, deve ser revigorado com outras atribuições. A política
precisa reconquistar sua força e seu prestígio, fazendo reconhecer-se como
órgão central de todas as funções sociais, destinado a coordená-las e
harmonizá-las – a regê-las – estendendo a sua ação sobre todas as esferas da
atividade, como instrumento de proteção, de apoio, de equilíbrio e de cultura.”
(TORRES, 1933: 251-252).
A representação do Brasil feita
por Alberto Torres revela um país cuja apreciação de seus estadistas pelas
tradições européias e norte-americana acabou sufocando a construção de um
regime político coadunado com as peculiaridades locais. A proclamação da
República foi, com base na sua interpretação, mais um dos fenômenos
transplantados prematuramente para o Brasil. Nesse sentido, sua proposta é
abandonar a supervalorização de teorias estrangeiras e realizar uma análise
empírica, real, primária e naturalista das condições fáticas do país. A partir
de dados concretos, fossem eles históricos, geográficos, sociológicos, seria
possível construir instituições públicas mais sólidas, porque harmonizadas às
necessidades e anseios da sociedade civil brasileira. Sugere Torres um
movimento da prática para a teoria e não na direção contrária, como estava ocorrendo.
À aplicação direta das lições dos filósofos e doutrinadores devem-se os
maiores desastres da política contemporânea. Os homens de governo ganharam em
preparo teórico, mas os fatos cresceram em variedade e complexidade; e o
conflito entre fatos e teorias assumiu proporções gigantescas, porque as
doutrinas não têm relação com a natureza dos fatos. Em nosso país esse
desencontro manifesta-se em documentos flagrantes.[...] A independência, a
abolição e a República foram frutos desta natureza; todas as nossas reformas
trazem, assim, o cunho de concepções doutrinárias, sem o fluido vital de uma
inspiração prática, filha do lugar e da ocasião, e sem desenvolvimento ou
trabalho de aplicação. O tempo corre; as instituições não se realizam; a
sociedade desfaz-se; e vai assim desaparecendo, à falta de sistema vascular e
de matéria agregantes – que só a organização social pode suprir e não se gera,
em países novos, senão por ação política.” (TORRES, 1933: 30 e 35).
Portanto, Alberto Torres é um
intelectual que faz parte de uma tradição de pensadores brasileiros críticos do
liberalismo, cujos argumentos são especialmente naturalistas. De modo
específico, cabe ressaltar a análise desenvolvida por Torres acerca da Constituição
Federal de 1891. Tal como a abolição da escravatura e a proclamação da
República, a Constituição seria também uma cópia mal sucedida de arquétipos
estrangeiros. “A nossa lei fundamental não é uma 'constituição'; é um estatuto
doutrinário, composto de transplantações alheias” (TORRES, 1933: 88). É nessa
separação entre prática e teoria que se realiza o dualismo entre o chamado país
real e o país legal.
Os ideais constitucionais
inseridos no país dentro do arcabouço liberal republicano importado
principalmente dos Estados Unidos foram, segundo Torres, um dos elementos
responsáveis pela frustração do desenvolvimento e progresso do país. A
Constituição figurava como mera lei teórica, deslocada da realidade que não era
capaz de regular. Contudo, a crítica não se encerra num vazio legislativo que
tal documento normativo implicaria. A Constituição seria em grande parte
responsável pelas distorções institucionais do país. A forma como seus
enunciados foram elaborados permitiram, de acordo com Torres, retrocessos no
regime representativo, desvirtuamento no sistema federativo, permitindo um
poder demasiadamente grande aos estados em detrimento da União e o atraso geral
do desenvolvimento da sociedade civil brasileira. Nesse sentido, afirmou o autor:
“Como obra de estética e de ideal político, [a Constituição] é talvez o
mais notável documento da cultura jurídica contemporânea; não sei que haja
outra onde as definições e classificações, o rigor e cuidado no distribuir e no
desenvolver regras e funções, tenham atingido a tanta perfeição; nenhuma levou
tão longe o empenho de proclamar as mais avançadas conquistas da liberdade
humana e da democracia. Desde que se sai, entretanto, do terreno puramente
abstrato e da contemplação da forma, começam a surgir as lacunas, as
imperfeições e incoerências do sistema. Não tendo por fim regular fatos da vida
pública do povo e do país, atender às suas necessidades positivas, faltou ao
legislador o critério prático, próprio de um trabalho legislativo assentado
sobre o terreno da observação e da experiência, único que pode das às leis uma
feição inteligível, porque reflete as formas da vida real. [...] mas será
preciso dizer que a nossa Constituição é uma coletânea de normas espúrias, onde
se encontram idéias antagônicas, com relação aos pontos vitais mais
importantes; que não tem existência real, na vida do país; que, em matéria de
regime representativo, retrocedemos para muito aquém da aparência da
representação, dos tempos da monarquia; e que o nosso federalismo é justamente
o oposto da federação, não tendo fundado a autonomia dos representantes dos
poderes estaduais e municipais senão para nos opor à autonomia dos povos, nos
municípios e nos Estado, e à vida nacional, na política, do país?” (TORRES,
1933: 88-89 e 232).
Diante de todas as constatações
relacionadas às vicissitudes institucionais do Brasil, realizadas nas seções I
– A terra e a gente do Brasil e II – O governo e a política, da obra “A
organização nacional”, Alberto Torres apresenta na terceira e última parte do
livro uma proposta de revisão constitucional para o país. Apesar de fazer a
ressalva de que o país precisava de mais do que uma reorganização com rótulo
jurídico, o autor entende que alterações significativas no texto constitucional
permitiriam que as instituições republicanas do país se rearranjassem em torno
de um projeto verdadeiramente nacional.
“A revisão da Constituição da República é a pedra angular dessa
política. A Constituição vigente não é uma lei nossa e para nós; carta de
princípios exóticos, só tem servido para alhear os espíritos da idéia de que a
lei não é uma forma, nem um aparelho de compressão, imposto ao país, para
moldar-lhe os movimentos, mas o espelho, a tradução, a própria intervenção de
seu organismo: lei funcional e bússola de sua atividade, para lhe servir de
guia e coordenar-lhe os interesses.”(TORRES: 1933, 316).
Usando um estilo argumentativo
bastante direto, com poucas referências a outros autores, Torres desenvolveu
uma narrativa interpretativa consistente sobre o Brasil, consignando em texto
suas impressões sobre as estruturas institucionais do país cuja influência
tanto no nível prático quanto teórico pôde ser mais tarde verificada. As idéias
impressas em um livro não são estanques, não se encerram na escrita de seu
autor. Ao contrário, essas idéias circulam por diferentes meios, nos quais são
apropriadas e reinterpretadas pelos leitores. Não por acaso novas edições desse
livro foram lançadas na década de 30, período no qual a recuperação de autores
críticos do liberalismo e favoráveis a um modelo de governo forte e
centralizado era essencial para o sucesso das novas configurações
institucionais que a revolução de 30 fez surgir.
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