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O teatro simbolista de Antônio Patrício: um teatro do verbo
[...]
Diferentemente da dicotomia na
linguagem que se constatou em O fim e em D. João e a máscara; em Pedro, o cru e
Dinis e Isabel verifica-se o diálogo em prosa, cuja complexidade se depreende
do conflito que se erige fundamentalmente através das palavras. E,
inevitavelmente, do qual se expressa a poesia. Assim, a tragédia da saudade,
tal como o próprio Antônio Patrício define Pedro, o cru, constrói-se
dramaticamente através do verbo:
PÊRO COELHO (narrando a Pedro o
momento do assassinato de Inês de Castro)
Foi quando nos olhamos sem falar,
e como a pedra cai num poço em noite, a decisão suprema entrou em nós. (...).
Era no Outono como agora. Vós lembrai-vos. Sabíamos que iríeis a montear, e
partimos, noite cerrada, para perto. El-Rei vosso pai, meu senhor, fazia dó.
(...) por duas ou três vezes quis voltar. (...). Era o dever, o seu dever de
rei, que o levava arrastos pela noite... (...)
Por fim, chegamos. (...). A manhã
tinha de vir: e veio!... Daí a pouco, os vossos cães latiram. Soou então uma
trompa de monteiro, mas baixo, como quem chamasse a medo. Houve um rumor de
porta sob o alpendre... Éreis vós, meu senhor, que íeis montear... (...). Vi
então claramente o vosso vulto. (...). Depois Ela... Foi para vós: beijou-vos:
não sei o que vos disse...e ouvi-vos rir... Oh! O vosso rir, o vosso rir na
inocência da manhã! (...). Descestes. Ela seguiavos com os olhos, debruçada.
(...). Ela tinha a mão por sobre os olhos, acenou-vos um adeus lento, (...).
Chamei por vosso pai. Disse-lhe baixo: — É a hora, meu senhor. Ele hesitava,
branco, cor-de-cera, encostado a um tronco de oliveira, que era mesmo da cor de
suas cãs... (...). Demos a volta ao muro do pomar, e eu empurrei a porta — a
porta que vós meu senhor, tínheis deixado entreaberta (...). Ela estava ainda
sob o alpendre, e olhava do lado do Mondego. Voltou-se então: decerto ouvira os
passos... e toda a face lhe embranqueceu de tal maneira, que para que eu não
quedasse de piedade, foi meu senhor, lembrar-me de que amava a minha terra (...)
Vi que queria gritar, mas não
pode. Ainda olhou num instinto de defesa, para o lado por onde vós sumistes...
Quando subi a escada, vi-a abalar com gestos de agonia, para a alcova de vossos
filhos. (...). Parecia que um vento de terror a enovelava, assim, movendo os
braços como asas, com três vidas pequeninas a cercá-la, (...). E cravara em
vosso pai os olhos! (...). Ele tapara os olhos com a mão para não ver os dela,
nem os netos; e com uma voz tão branca como o rosto, ela disse ao Infante D.
Dinis: — Olha o avô!... (...). Eu desnudei então a minha espada. Avancei para
ela. Nem fugiu. Estava sem alma já. (...) Lembro-me que a vi cair
ensangüentada, e que ouvi, gelado de estupor, vossa trompa em caça muito ao
longe, num halali que em soou em dobre...
PEDRO, como um possesso, em
gritos de delírio
O uchão!... Ide chamar-me o
uchão!... Vinagre e azeite para este coelho! (O carrasco, vestido de escarlate,
surge à porta. Pedro aponta-lho) (PATRÍCIO, 1982, p. 90-3)
Através desse trecho do diálogo
entre Pêro Coelho e Pedro, por exemplo, percebe-se que a poesia não necessita
do verso para se expressar. E, embora ainda constatemos a presença menos
frequente de versos inseridos no diálogo da peça, eles já não revelam o mesmo
labor formal que se verificou nas peças anteriormente analisadas. Há, pois,
apenas dois pequenos momentos nos quais ocorre essa inserção de versos. No
primeiro, Afonso trova a pedido de Pedro:
Sou teu, tu és minha.
Quem morre não parte;
Nem Deus nem a Morte
Puderam levar-te.
Quem morre não parte;
Nem Deus nem a Morte
Puderam levar-te.
No segundo momento, a Primeira
Freira cantarola, em versos, referindo-se à forma como outra Irmã costumava
fazê-lo quando viva:
Sabedoria,
sabedoria,
sabedoria de rouxinol:
cantar à noite,
dormir de dia,
fugir ao sol. (Ibid., p. 101)
Verifica-se, todavia, que, nesses
dois momentos, esses versos não apresentam desdobramento significativo para o
desenvolvimento do drama. Na verdade, acham-se praticamente ―soltos‖, o que
poderia revelar, por sua vez, uma inexpressão da forma exterior em detrimento
de uma interior que se constrói tragicamente ao longo de toda a peça, tal como
vimos no trecho do diálogo entre Pero Coelho e Pedro. Essa supremacia da forma
interior sobre a exterior parece transparecer certo abandono do autor
(Patrício) por uma exclusiva expressão poética através de versos, revelando
nesta peça a preferência pela ―fôrma‖ da prosa no lugar do verso para expressar
poesia, o que, sem dúvida, resultou em maior complexidade da linguagem: o
diálogo dramático da peça constitui prosa ou poesia? Prosa poética? Drama lírico?
Certamente que uma tentativa de
classificação do diálogo em Pedro, o cru, tendo em vista critérios estritamente
formais, revelar-se-ia ineficaz. Isso porque, apesar da ausência do verso,
verifica-se, principalmente nas falas de Pedro, a expressão de emoções das mais
profundas, revelando grande tensão e angústia ─ momentos de puro devaneio:
PEDRO (em Alcobaça, falando com o
cadáver, madrugada que antecede à coroação e ao beija-mão de Inês de Castro)
É a nOssa hOra, InÊS... EStamOS
sozinhOS. EstáS bem aSSIM!? Tu ouve-me dormINdo. Eu fico aqui à tUa cabeceira.
Não bUlas, meu amor, dorme assim queda ─ como a Tua esTáTua ali, sobre o Teu
Túmulo... Esta é a casa De Deus. Deus está connosco. OuveS OS SinOS repicar!?
Toca AnoivAdo. AS nOSSAS bodAS AgOrA ─ São eternAS. Sinto nA minha Alma A tua
Alma ─ como a Água de uma fonte noutra fonte, como a luz na luz, e Deus em
Deus... SinTo-Te TanTo, quE TE pErco em mim. Aqui me tENS, InÊS: sou o teu
Pedro. O que ele tem, o que ele TEm para TE conTar!... Eu bEm sEi quE TU
sabEs... sabEs TUdo. Os teus OUVidos, na Morte, OUVEm mElhor. OUViram o
dEsEspeErO dO tEu PEdrO ─ uma noitE dE pEdra sobrE Esta AlmA ─ OUViram AS suAS
lágrimAS cAlAdAS: OUViram toda, toda a sua dor. (...) Oh! Os meus dias... os
meus longos dias ─ longos dIas de hIena trIste, a Sonhar Sangue... O teu Pedro
quer mostrar-tos para que os beije: ─ e serão puros na Saudade, como tu. MIl
vezes, MInha Inês, MIl vezes sofrI na mInha caRne a tua moRte. Via-o sempre ─ o
espaço era para ele ─ o teu corpo de amor, tão grande e belo. Deixei de ver o
sol: via-o a ele. Vivia com teu cOrpO na memória ─ cOmO um lObO nO fOjO cOm a
presa. (...).
VIvI um ano assIm, do teu
martÍrIo. O teu sangue, aMor, era o Meu vinho. A tua Morte, Inês, foi o Meu
pão. Fugia ao sol: a luz envenenava-me. Queria estar só, bem só, Murado em Mim:
─ cavava no silêncio um fojo escuro para me podeR cevaR na minha doR. O Meu
crânio era uMa câMara de TorTura:─ viviam lÁ um carrASco e oS aSSaSSinoS.(...).
(Ibid., p. 166-7)
Percebe-se através das marcações,
apesar da ausência do verso, um exaustivo trabalho sonoro resultante das
aliterações, assonâncias e repetições que ocorrem ao longo de todo o trecho.
Ou seja, mais uma vez, a forma
conjugada ao conteúdo expresso vem expressar poesia.
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Fonte:
Simone Nacaguma: “O teatro simbolista de Antônio Patrício: um teatro do verbo”. Universidade Estadual Paulista – UNESP. Disponível em: www.publionline.iar.unicamp.br
Fonte:
Simone Nacaguma: “O teatro simbolista de Antônio Patrício: um teatro do verbo”. Universidade Estadual Paulista – UNESP. Disponível em: www.publionline.iar.unicamp.br
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