24/06/2015

Cândido, de Voltaire

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Candide

A razão suficiente, no sistema filosófico alemão, é o princípio segundo o qual nada acontece sem que haja uma causa ou ao menos uma razão determinante. Assim, para cada acontecimento, situação ou condição, há uma razão que os justifica como o que de melhor poderia haver, simplesmente porque Deus o quis, portanto, não poderia haver nada melhor. Tal assertiva equivale a afirmar que, malgrado o predomínio da miséria humana reinante no mundo, a qual condena o homem a situações degradantes, este, ainda assim, continua a ser o melhor dos mundos possíveis, enfim, um otimismo exacerbado ridicularizado por Voltaire. No conto filosófico Candide, o princípio preconizado por Pangloss, e uma das principais personagens, é o da razão suficiente, preceito vulgarizado por Voltaire através do aforismo le meilleur des mondes, na esteira da filosofia de Leibniz.

Tal otimismo conferiu a Candide o status de texto moderno e atual, uma vez que o otimismo e as teses providencialistas estavam então no centro das discussões. Por outro lado, os anos que precederam a redação do conto foram marcados por uma grande admiração pela ciência em geral e particularmente pelas teorias de Newton, as quais tiveram, na França, Voltaire como grande divulgador. Este, contrário à filosofia de Leibniz, cujas pesquisas lhe foram transmitidas por Frederico da Prússia, em 1736, sustenta que ideias, conceitos e a filosofia sejam ancorados no cotidiano e no material, ou seja, isentas de certo metafisicismo, a exemplo da filosofia leibniziana, que propõe o estudo do ser e da realidade vinculados às causas primeiras e aos primeiros princípios. Prova disso vem do próprio Voltaire que, em 1753, ao se instalar em Ferney, escreve para Mme Denis: “Il est bien doux d’être dans sa Maison, de la construire, de l’arranger.”

Os acontecimentos de novembro de 1755 fazem com que Voltaire se insurja contra a indiferença e a insensibilidade da filosofia aos fenômenos naturais que, de forma trágica, transtornam o espírito e a vida dos homens. O horror da Guerra dos Sete Anos, que eclode em 1756, também lhe perturba o espírito. Em correspondência à condessa de Saxe-Gotha (22.1.1757), não se contém e alfineta: “Que d’horreurs, madame, et que le meilleur des mondes possibles est affreux.”

Nota-se, após os acontecimentos, Voltaire aterrorizado e pronto a reconsiderar toda a visão de mundo que recebera até então, razão pela qual se aflige, se indigna, questiona e se revolta. Não lhe concebe a ideia de que tragédias e crimes sejam necessários à busca da perfeição e à moral, porque delas resultariam um bem maior. Candide é fruto de um momento de rupturas e de desilusões. O ceticismo do gênio de Ferney, diante de um mundo pleno de ideias imobilistas, tal qual as de Leibniz, é direcionado para a literatura, donde Candide, um compêndio - ainda que paródico, contra todas as formas de opressão, obscurantismo, intolerância, barbárie e fanatismo.



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Fonte:
Dirceu Magri:
“Aspectos da presença de Voltaire nas crônicas machadianas”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Francesas do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção de título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Pinheiro Passos Este trabalho contou, ao longo de dois anos, com bolsa concedida pela CAPES).  São Paulo, 2009.

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