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O inferno
Deus não quis aniquilar Satanás nem perdoar-lhe. Criou o inferno,
e precipitou-o lá com os seus cúmplices.
Fogo, frio, esvaimentos de fome, tédios da saciedade, golpes de
ferro, trances de agonia, inveja, remorsos, tudo isso não basta a dar-nos muito
em sombra idéia dos tormentos daquele abismo. Coroa-lhe o horror não ser aí
conhecida a morte. Se a morte lá pudesse entrar, a esperança iria com ela,
deixando entrever o nada como acabamento de tão enormes penas.
Se, porém, foi recusada a Satanás esta miserável consolação,
goza-se de outra em
desforra. Deus , que o reduziu à desesperação, deixou-lhe a
faculdade de o molestar, atravessando-se-lhe nos intentos, contrariando-lhe as
leis, multiplicando e perpetuando o mal por toda a parte, salvante o céu.
É o inferno o senhorio de Satanás; mas não cabe lá. É-lhe toda a
criação campo franco para a sua malfeitora atividade. Verdade é que leva
consigo, onde quer que vá, a sua imortal tristeza, e, pelo tanto, toda a parte
lhe é inferno. Não obstante, é incompreensível que ele de lá saísse, se lhe não
fosse algum hediondo regalo nisso de fazer tudo quanto quer, exceto o bem —
poder singular que Deus lhe concedeu, e ele exercita incansavelmente, seu
prazer único, necessidade própria da sua desgraça, e que há de durar tanto como
ele.
Tal é o castigo de Satanás. Crime e castigo são por igual
espantosos e ininteligíveis.
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