14/02/2015

O Inferno, de Augusto Callet

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O inferno

Deus não quis aniquilar Satanás nem perdoar-lhe. Criou o inferno, e precipitou-o lá com os seus cúmplices.

Fogo, frio, esvaimentos de fome, tédios da saciedade, golpes de ferro, trances de agonia, inveja, remorsos, tudo isso não basta a dar-nos muito em sombra idéia dos tormentos daquele abismo. Coroa-lhe o horror não ser aí conhecida a morte. Se a morte lá pudesse entrar, a esperança iria com ela, deixando entrever o nada como acabamento de tão enormes penas.

Se, porém, foi recusada a Satanás esta miserável consolação, goza-se de outra em desforra. Deus, que o reduziu à desesperação, deixou-lhe a faculdade de o molestar, atravessando-se-lhe nos intentos, contrariando-lhe as leis, multiplicando e perpetuando o mal por toda a parte, salvante o céu.

É o inferno o senhorio de Satanás; mas não cabe lá. É-lhe toda a criação campo franco para a sua malfeitora atividade. Verdade é que leva consigo, onde quer que vá, a sua imortal tristeza, e, pelo tanto, toda a parte lhe é inferno. Não obstante, é incompreensível que ele de lá saísse, se lhe não fosse algum hediondo regalo nisso de fazer tudo quanto quer, exceto o bem — poder singular que Deus lhe concedeu, e ele exercita incansavelmente, seu prazer único, necessidade própria da sua desgraça, e que há de durar tanto como ele.


Tal é o castigo de Satanás. Crime e castigo são por igual espantosos e ininteligíveis.

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