21/02/2015

A Fundação da Monarquia Portuguesa, de Teixeira de Vasconcelos

Provisoriamente disponível no site de compartilhamento "Minhateca", no link a seguir:



---

Terra portucalense


A terra chamada portucalense era conhecida com este nome desde o meado do século XI. Tinha por limites ao norte o rio Minho, e ao sul o Mondego, conquanto as armas cristãs já tivessem por mais do que uma vez chegado ao Tejo, e mesmo tomado Lisboa, como fica dito. Lamego, Viseu e Ceia eram as terras mais consideráveis da fronteira oriental. Ao sueste acabava o território na serra da Estrela, e ao oeste no oceano.
O distrito de Coimbra ou condado colimbriense, começava no Douro, e acabava no Mondego. Um moçárabe da Beira, chamado Sesnando, deixara o serviço do emir de Sevilha Ibn-Abed, e fora propor ao rei Fernando Magno a conquista deste território. A tentativa foi coroada de êxito feliz, e Sesnando recebeu do soberano leonês o governo desta nova província, acrescentada com a terra portucalense ao sul do Douro.
Esta região desde o Douro até ao Mondego, não era a Lusitânia de Strabão, a qual chegava até ao mar no norte e no ocidente, e ao Tejo pelo lado do sul; nem tão pouco se pode confundir com a Lusitânia do imperador Augusto, divisão geográfica limitada ao norte pelo Douro, e ao sul pelo Guadiana. Era uma região conquistada, reunida e disposta pelos incansáveis pelejadores cristãos.
Estávamos tão acostumados a dar a Portugal o nome de Lusitânia, e a tomarmos a denominação latina de lusitanos, que chegamos a julgar-nos decaídos do esplendor genealógico da nossa raça, quando o sr. Alexandre Herculano escreveu que só no século XV tínhamos começado a usurpar essas qualificações. Parece que foi em 1481, diante da santidade de Sixto IV, que o bispo de Évora D. Garcia de Menezes deu pela primeira vez o nome de lusitanos aos habitantes de Portugal. Até então fôramos sempre portucalenses desde tempos remotíssimos.
A origem deste nome está hoje bem averiguada. Na margem esquerda do Douro, onde hoje se chama Gaia, havia uma povoação com o nome de Cale. Pequena ou grande, era a única povoação da entrada do rio, e por isso o porto se chamou Portus Cale, porto de Cale. Querem alguns que a terra tivesse sido povoada por gauleses que deram ao porto o nome de Portus Galorum, ou Portus Galiæ. Eu não creio que esse intrincado ponto mereça a pena de ser resolvido.
A verdade é que o nome de Cale figura no itinerário de Antonino, que a designação Portucale data do século V, e que a aldeia de Gaia ainda em 912 se chamava assim. O território vizinho e dependente de Portucale foi-lhe a pouco e pouco tomando o nome, deixando ao burgo primitivo a denominação de Cale, que também insensivelmente se converteu na de Gaia.
Os cristãos aproveitaram a inexpugnável posição fronteira, e fortificaram-na. Desde então houve na margem direita o Portucale Castrum novum, e na outra o Portucale Castrum antiquum, ou por outra fortaleza velha, e fortaleza nova, ambas com o nome de Portucale. De nome de cidadela passou a designação de distrito, daí a condado, e mais tarde a reino, segundo a conquista cristã se alargou mais, e à medida que a administração e governo deram a esse trato de território alguma homogeneidade.

Deixemos pois o nome latino de lusitanos, mesmo com o risco de desagradarmos a três ou quatro idolatras das tradições romanas, e fiquemos portucalenses, já que daí nos transformamos em portugueses. É melhor guardar o nome que é feitura nossa, do que andarmos a torcer a geografia e a história para amontoar fábula sobre fábula.

[Trecho do livro]

Nenhum comentário:

Postar um comentário