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Os irmãos
Grimm e seu tempo
Mais de um século depois da publicação da coletânea
francesa, os irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) vasculharam
as indeterminações das histórias populares de seu país e, sob os ideais
românticos, elaboraram uma seleção de narrativas que levou o título de Histórias
da infância e do lar – Kinder- und Hausmärchen, publicada em dois
volumes, um em 1812 e o outro, em181537.
O objetivo dos Grimm era o de eleborar um livro, cujo
autor fosse o povo, e para isto foi preciso substituir o modelo clássico Greco-
romano adotado durante a Revolução francesa
“a quello dell‘antichità
germanica, del Medio Evo, della voce del popolo come voce di Dio”
(CALVINO,1996,
p.96). Queriam, acima de tudo,
[...] capturar a voz “pura” do povo alemão e preservar na
página impressa a poesia oracular da gente comum. Tesouros folclóricos
inestimáveis ainda podiam ser encontrados circulando em pequenas cidades e
aldeias, mas os fios gêmeos da industrialização e da urbanização ameaçavam sua
sobrevivência e exigiam ação imediata (TATAR, 2004, p. 350).
Embora não tenha sido esta a primeira tentativa de
reunir, em uma antologia, a tradição popular alemã, a obra dos Grimm foi um
marco decisivo no que se refere à concepção do folclore como conteúdo estético
e cultural a ser estudado e preservado naquele país. Foram motivados,
principalmente, pelo romantismo, pelo espírito nacionalista, pelo desejo –
quase uma necessidade – de resgatar as próprias raízes, que se manifestavam nos
ideais filosóficos, na fantasia e na imaginação.
A obra dos Grimm provocou um forte interesse pelas
narrativas de tradição popular e estudos como os do folclorista russo Vladímir
Propp, no século passado, foram significativos.
É bem verdade que a literatura
essencialmente amparada na escrita e aquela sustentada pela oralidade sempre
andaram juntas, dividindo espaços nos teatros, nos banquetes da Corte, em
anotações de estudos, em manifestos e em várias instâncias culturais.
No caso específico da literatura
alemã, as produções literárias veiculadas pela transmissão oral começaram a
despertar o interesse dos poetas “menores”, já nos séculos
XVIII e
XIX, conforme observou Mansueto Kohnen, em História da literatura germânica
(1962, p. 10). Kohnen constatou
que esses poetas “elevaram as letras da maior decadência jamais verificada ao
mais alto cume, preparando o seu advento e dando maior brilho à sua presença”. Dentre
eles, destacam-se Johann Gottfried Herder (1744 – 1803), criador do conceito de
“povo” na Alemanha; Achim von Armin (1781 – 1831), Clemens Brentano (1778 – 1842) que reuniram em suas obras histórias e cantos
populares com a intenção de dar ao povo um texto educativo.
Muito mais que alargar
horizontes, esses estudiosos foram “precursores diretos do florescimento
literário representado por Schiller e Goethe” (KOHNEN, 1962, p. 43).
Sobre este
segmento da literatura alemã, Kohnen contextualiza dizendo que,
a história da literatura
germânica [...] aprecia todos os esforços realmente artísticos, muito embora
não tenham atingido o supremo ideal. Vê, antes de tudo, nesse caudaloso rio de
produções literárias, uma prova de atividade incessante. O sentimento que,
primeiro poderia ser depressivo em virtude da imensidade quantitativa das
produções, torna-se animador: observamos o esforço de milhares que, elevando-se
acima das preocupações quotidianas, procuram os amigos futuros de suas
elocubrações espirituais e poéticas (1962, p.10).
O conturbado processo literário
alemão, durante a Guerra dos Trinta Anos, foi marcado pelo desaparecimento de
quase tudo o que estava relacionado com a tradição popular, com a cultura e a
com a arte, naquele país e só foi reaver suas conquistas literárias entre os
séculos XVII e XIX. Neste período,
o romantismo revelou suas forças
mais vigorosas durante quatro decênios, aproximadamente. Abarcou de modo geral,
os anos de 1756 – 1835. Anunciou seu advento, no domínio nacional, durante os
longos anos da escravidão, pois o romantismo retornou às fontes da própria
história germânica. A História tornou-se
para a geração, que se denunciou romântica, a revelação de sua essência. A
germanidade (“Teutschtum”) que venceu sob
Hermann, o Cherusco, as legiões romanas e que realizou na
Idade Média a grande idéia do Reich, reluziu qual estrela luminosa e “Leitmotiv”
para o futuro Estado nacional. Estas tendências político-nacionais se opuseram
claramente à burguesia do século XVIII, aos ideais iluministas do Estado
nacionalista e à revolução. O romantismo político teve, portanto, caráter
nacionalista e reacionário nos dias primordiais de seu aparecimento. Mais tarde
transformou-se em romantismo sobre-nacional (KOHNEN, 1962, p. 196).
Conforme Calvino, não se pode perder de vista o espírito “nacional-popular”
que animou os trabalhos dos Grimm: se tratava se um ‘espírito’ típico da geração alemã que tinha
apenas vinte anos quando seu país foi ocupado pelas forças napoleônicas. Nos
Grimm, o empenho patriótico se expressou na metódica descoberta da tradição
popular: nos cantos, nos provérbios e, principalmente, nas histórias elaboradas
com a remota antiguidade germânica (1996).
Não foi possível, todavia, separar esse sentimento
patriótico do processo de socialização. Neste sentido, os irmãos Grimm se
empenharam em recolher, junto ao povo, material para as suas histórias. Também
concentraram suas pesquisas na área da linguística comparada, disciplina que
teve o seu desenvolvimento na primeira metade deste século e esteve ligada à
filologia alemã. Observando “la parentela delle lingue europee”, Jacob e
Wilhelm obtiveram maior clareza no trato com as
narrativas populares, explica Marazzini (2005, p.10). Em conjunto, a fala
popular e a erudita, foram aplicadas aos personagens das histórias, para que os
estereótipos refletissem seus pontos de vista, tanto filosófico quanto
político, idealizados por eles.
Não significa, contudo, que Jacob e Wilhelm,
deliberadamente, traíram o patrimônio cultural oral germânico. Ao contrário,
buscaram a integração da rica cultura de seu país (ZIPES, 2006).
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Fonte:
Rozalir Burigo Coan: “A presença
de Giambattista Basile nas narrativas populares de Charles Perrault e dos Irmãos
Grimm: os vultos de Cinderela”. (Dissertação apresentada ao Curso de
PósGraduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina, para a
obtenção do título de mestre em literatura. Orientadora: Profª. Drª. Patrícia
Peterle Co-orientadora: Profª. Drª.
Andréia Guerini). Florianópolis, 2009. Disponível em: repositorio.ufsc.br
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