07/09/2014

Suspiros Poéticos e Saudades (Poesia), Gonçalves de Magalhães

 Suspiros Poéticos e Saudades,  Gonçalves de Magalhães em pdf gratis
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A melancolia dos primeiros Românticos a partir da crítica de Torres Homem aos Suspiros
  
Faltava à lira antiga essa corda grave e chorosa, pela qual se exprime a religião e o infortúnio; faltava-lhe a consonância com os sentimentos poéticos da existência e com a eterna melancolia do pensamento moderno. Essa poesia, remanescente da poeira de um mundo que acabou, transportava-nos fora da esfera dos nossos hábitos, princípios e costumes, nem o segredo podia advinhar dos nossos sentimentos.

O comentário acima é parte da crítica de Torres Homem à poesia de Gonçalves de Magalhães, publicada na Revista Niterói, poesia que exprimia, de acordo com o crítico, o fundamento da visão de mundo dos homens que compunham o “grupo de Paris”. Mas, de que fundamento falamos? A resposta nos é oferecida pelo próprio Torres Homem, anotando que Magalhães expressava o que havia de mais genuíno ao espírito moderno, a saber, sua “eterna melancolia”. Torres Homem assinala ser a melancolia o sentimento fundamental à visão de mundo do poeta e denuncia, a um só tempo, o que o aproxima de Magalhães, bem como de Araújo Porto-Alegre, os três amigos compreendiam o mundo através de certo sentimento – a melancolia. Mas o que é, precisamente, a melancolia no interior da poética do “Grupo de Paris”? Ela é uma “harmoniosa tristeza”, que constitui o homem moderno, um tom íntimo capaz de colocar o homem em afinação com o que a vida é em seu fundamento - “infortúnio”.

Apenas o homem (poeta) moderno poderia identificar o princípio de determinação do mundo, e isto porque ele se rendera à melancolia, conquistando a possibilidade de compreender, através deste sentimento, o seu fundamento, a saber, ser “infortúnio”. Dizendo ainda melhor, a melancolia possibilitava entrever que a vida era um âmbito no interior do qual desafios impossíveis seriam oferecidos ao homem, sempre uma vez mais. A partir da compreensão acerca do que a vida seria o homem melancólico teria a possibilidade de conquistar alegria e satisfação provisórios, e isto porque se encontrara, a partir de então, consciente de seus limites e do que enfrentaria vez por outra, ou ainda, por outro lado (como uma outra possibilidade oferecida pela compreensão do que a vida seria), acabaria prostrado e desesperado, inconformado com sua tarefa de ter de fazer sempre novamente, de viver em eterno labor, sem télos nem justificativa. Acompanhemos as palavras de Torres Homem:

Preciso era que de indústria nos transformássemos em gregos ou romanos, despindo-nos de tudo o que constitui a individualidade do homem de hoje, por que nos enternecêssemos pelo panteísmo fenomenal da Grécia e de Roma e pelos sentimentos estrangeiros dessas ilustres mortas. Mas ainda assim, o peso das nossas crenças precipitava todas as sombras evocadas pelo politeísmo; elas dissipavam-se ao primeiro movimento dos nossos sentimentos reais, como ao primeiro albor da aurora fogem os fantasmas que as trevas simulam. Como tudo o que é grande, belo e verdadeiro, foi pleno o sucesso da reação contra a imitação da poesia antiga. O Cristianismo, banindo do universo as elegantes divindades de que o povoara a mitologia, restabeleceu a majestade, a grandeza e a gravidade da criação, e nova carreira abriu à poesia, que até então não podia encarar a natureza senão através das ficções consagradas por Hesíodo e por Homero (...) (Torres Homem, 1978, p. 246-
247)

O homem Antigo, e isto segundo Torres Homem, era orientado pelas idéias e costumes oriundos da mitologia grega, pelas “ficções consagradas por Hesíodo e por Homero”. Para os antigos, a vida seria perfeita e ao homem bastaria concretizar as idéias e costumes “elegantes” oferecidos pelas divindades para satisfazer à vida e assegurar, por conseguinte, um estado de equilíbrio. Esse homem viveria de acordo com um determinado conjunto de sentidos e valores que propiciavam determinada satisfação, tornando-o, ao fim, despreparado para a assimilação de possíveis traumas necessários no interior de uma existência que seria marcada pelo “infortúnio”.

Segundo os companheiros de grupo, apenas o tipo melancólico seria capaz de acolher sua finitude e pobreza e, por conseguinte, insistir de forma adequada, e isto porque compreendia devidamente o âmbito no qual se encontrava e já viveria em afinação com ele. Ao homem “Moderno” abria-se, então, a possibilidade de compreender o fundamento da vida - que todo o realizado seria marcado pela caducidade inevitável. Ele conquistara, em meio ao acúmulo de tanta dor e trabalho, a compreensão de que sua existência seria marcada pela finitude e, a um só tempo, passara a ser orientado pelo sentimento da melancolia, uma “tristeza íntima” que garantiria a ele uma espécie de afinação, de relação justa, com isto mesmo que o mundo é propriamente, “infortúnio” -, ou ainda, um âmbito no interior do qual se exercita a tarefa sísifica de ter de fazer sempre novamente, de conquistar, uma vez mais, realizações frágeis, apenas provisórias, marcadas pela necessidade do esgotamento. Aí, no inteiror do mundo moderno, o homem, afinado pela melancolia, encontraria-se estimulado e devidamente preparado para seguir existindo, e isto de forma adequada, ou ainda, em consonância com aquilo que a vida exigiria recorrentemente. Torres Homem segue fazendo referência à poesia de Magalhães:

O Canto do Cisne diz essa fragilidade da vida com uma simplicidade profundamente tocante, e com aquela harmoniosa tristeza de meditação, que corresponde ao que há de mais vago, de mais indefinido e ao mesmo tempo de mais íntimo em nossa alma. (Torres Homem, 1978, p. 250)

 Ao homem Moderno caberia entregar-se à melancolia, e isto com o objetivo de poder compreender o que a existência humana é, o que permitiria, por sua vez, a percepção do que está efetivamente disponível ao próprio homem. Uma vez entregue à melancolia, o homem receberia da vida seu “segredo”, o de que ela é “infortúnio”. A melancolia funcionaria como uma espécie de lente que evidenciaria a existência humana como sendo, no fundo, uma tarefa marcada pelo esforço e pela finitude, no entanto, ela não seria capaz de provocar, automaticamente, ações adequadas. Para Magalhães e seus companheiros, ao assumir sua finitude, o melancólico se tornava apenas sensível o suficiente para compreender o que seria a existência humana. Em verdade, o páthos da melancolia necessitava de uma determinada experiência para que provocasse o homem a insistir adequadamente em uma vida que seria marcada pelo “infortúnio”, a saber, a experiência da eternidade ou da assunção da religião cristã se preferirmos. Caso contrário, a melancolia reduziria o homem a situações-limite como a prostração e o desespero, e isto porque o tipo melancólico, triste e acabrunhado por natureza, não encontraria razão suficiente para seguir enfrentando desafios impossíveis, sempre uma vez mais.

Torres Homem afirma que os “Antigos” não só viviam num tempo diferente, como encontravam-se em dissonância com a vida, o que significa dizer que queriam mais do que podiam, do que tinham direito, que eram desmedidos e que não compreendiam que a natureza das criações humanas é a precariedade. Aqui, Torres Homem julga os “Antigos” por não terem sido capazes de compreender o fundamento da existência, o seu caráter de “infortúnio”. A religião e a poesia “Antigas” não teriam percebido que ao homem caberia respeitar o que a vida é, o que significa dizer que, ao fim e ao cabo, toda ação humana deveria ser orientada pelo imperativo da modéstia. Enfim, Torres Homem afirmava que a poesia e a religião dos “Antigos” deveriam ser esquecidas, e isto porque elas inflamariam o homem “Moderno” a desejar e a tentar o que não deveria (o impossível), algo que o levaria, necessariamente, a acumular revéses e a radicalizar sua tristeza, acabando apático ou desesperado.

Segundo Torres Homem, os homens modernos precisavam, a um só tempo, afinar-se à vida, ou seja, seguir insistindo adequadamente, ou ainda, com modéstia e alegria, o que só seria possível através da intensificação da crença no Deus cristão. O crítico afirmara que caberia à poesia “Moderna” uma dupla responsabilidade, a saber: 1- provocar o sentimento de melancolia e 2 - intensificar a religião cristã, e isto para que o homem pudesse, por uma lado, compreender sua natureza finita e, por outro, experimentar o Deus cristão, ente que seria perfeito e, portanto, capaz de justificar a existência humana, por mais árida que ela fosse. A medida da eternidade, ou o Deus cristão se preferirmos, era, enfim, a garantia de que a tristeza e o sofrimento humanos eram orientados por uma lógica ininteligível que proporcinaria, ao fim, a justificativa necessária a uma insistência alegre e satisfeita. No entanto, os poetas “brasileiros”, à exceção de Magalhães, caminhavam “satisfeitos” junto aos “Antigos” e em dissonância com a vida. Esses poetas eram responsáveis pela imitação da tradição greco-romana, e com isto não permitiam que os “brasileiros” conhecessem, através da experimentação da poesia “Moderna”, o que a vida era essencialmente e experimentassem, a um só tempo, a medida da eternidade.

A “doce melancolia” de Magalhães começara, então, um novo tempo entre os “brasileiros”, apresentava a modernidade ao “Brasil” - cuidava de evidenciar o que a vida é e, não obstante, abria a possibilidade para a experimentação de Deus, bem como para a concretização de idéias e costumes necessários ao progresso moral e material do Império do Brasil, senão vejamos:

Entretanto que este movimento remoçava com uma vida toda nova e mais florente que a primeira a literatura européia, os poetas de nossa língua iam muito satisfeitos batendo a estrada sediça, e dizendo-se inspirados pelas Musas pálidas e decrépitas do Parnaso. Mas eis que um jovem poeta da nova escola, nascido debaixo do céu pomposo do Rio de Janeiro, ardente de futuro e de glória, com a cabeça repleta de harmonias e o coração pesado de nobres emoções, acaba de revelar a pobreza da nossa literatura com um volume admirável de poesias. (Torres Homem, 1978, 247)

Torres Homem denunciava a “pobreza da literatura” brasileira, e não se acanhava em sublinhar o papel revolucionário de Magalhães, a saber, a função de oferecer uma educação estética capaz de seduzir os leitores transformando-os de fora para dentro, propiciando, assim, a construção de novos destinos para o Império do Brasil. Segundo o crítico, Magalhães fazia de sua arte a medida precisa para uma transformação efetiva da sociedade, uma transformação capaz de colocar os homens e mulheres da boa sociedade em consonância com o que a vida permitia que fosse pretendido e realizado e em afinação com a medida da eternidade. A poesia de Magalhães seria capaz de seduzir os “brasileiros”, fazendo-os agir com alegria e de acordo com as necessidades evidenciadas pela própria vida. Através de uma retórica a um só tempo sóbria e encantadora (fascinante), fundada na “pureza e pompa de versificação” e na “excelente concepção de imagens”, sem o “grandioso extravagante”, próprio à juventude, o poeta seria capaz de seduzir os homens e mulheres da boa sociedade, aproximando-os da leitura e fazendo-os agir e pensar de forma adequada.

Profundo sentimento dos segredos do gosto o qual é o bom-senso do gênio, sentimento bem raro nas produções da mocidade, levada sempre para o grandioso extravagante; riqueza, variedade e excelente concepção de imagens, que imprimem um efeito mágico a doce melancolia do poeta; perfume e unção religiosa espalhada sobre as cenas da natureza; elevação dos pensamentos filosóficos, inspirados pela escola idealista alemã e pelas doutrinas do cristianismo; pureza e pompa de versificação; tais são em resumo os méritos dos Suspiros Poéticos do Sr. Magalhães. (Torres Homem, 1978, p. 247-248)

O que se afigura no comentário de Torres Homem é que a poesia de Magalhães contava com uma forma sedutora capaz de aproximar os homens e mulheres da boa sociedade da leitura e, por conseguinte, de uma vida prática condizente às expectativas de uma existência finita. O crítico e o poeta acreditavam, e isto orientados pelo Idealismo Alemão, em especial por Schiller, que se os “brasileiros” não eram suficientemente independentes para realizar uma revolução moral através da autonomia da razão – esse um projeto propriamente kantiano, eles deveriam, então, agir orientados pelos sentidos, melhor dizendo, pela experiência proporcionada pela poesia (pela literatura em geral).

O que dissemos até agora pode ser mais bem compreendido através dos seguintes passos: 1) O homem moderno possui um sentimento capaz de fazê-lo compreender o que a vida é em sua dimensão mais fundamental, a saber a melancolia; 2) a vida é, essencialmente, “infortúnio”, o que significa dizer que é um lugar no interior do qual toda realização humana é marcada pelo selo da precariedade; 3) o (verdadeiro) poeta é um ente privilegiado, pois é capaz de se entregar radicalmente à melancolia, à “ harmoniosa tristeza”, o que permite que ele perceba o que a vida é mais propriamente e 4) caberia ao (verdadeiro) poeta a missão de disponibilizar as experiências da finitude e da eternidade, a um só tempo (bem como evidenciar as idéias e os costumes adequados).


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Fonte:
Marcelo de Mello Rangel: “Poesia, história e economia política nos Suspiros Poéticos e Saudades e na Revista Niterói: Os primeiros Românticos e a civilização do Império do Brasil”. (Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em História. Orientador: Ilmar Rohloff de Mattos). Rio de Janeiro, 2011.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. 
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível digitalmente no site: www2.dbd.puc-rio.br

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