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A melancolia dos primeiros
Românticos a partir da crítica de Torres Homem aos Suspiros
Faltava à
lira antiga essa corda grave e chorosa, pela qual se exprime a religião e o infortúnio;
faltava-lhe a consonância com os sentimentos poéticos da existência e com a eterna
melancolia do pensamento moderno. Essa poesia, remanescente da poeira de um
mundo que acabou, transportava-nos fora da esfera dos nossos hábitos, princípios
e costumes, nem o segredo podia advinhar dos nossos sentimentos.
O comentário acima é parte da
crítica de Torres Homem à poesia de Gonçalves de Magalhães, publicada na Revista Niterói, poesia
que exprimia, de acordo com o crítico, o
fundamento da visão de mundo dos homens que compunham o “grupo de Paris”. Mas, de que fundamento
falamos? A resposta nos é oferecida pelo próprio
Torres Homem, anotando que Magalhães expressava o que havia de mais genuíno ao
espírito moderno, a saber, sua “eterna melancolia”. Torres Homem assinala ser a
melancolia o sentimento fundamental à visão de mundo do poeta e denuncia, a um só
tempo, o que o aproxima de Magalhães, bem como de Araújo Porto-Alegre, os três
amigos compreendiam o mundo através de certo sentimento – a melancolia. Mas o
que é, precisamente, a melancolia no interior da poética do “Grupo de Paris”?
Ela é uma “harmoniosa tristeza”, que constitui o homem moderno, um tom íntimo capaz
de colocar o homem em afinação com o que a vida é em seu fundamento -
“infortúnio”.
Apenas o homem
(poeta) moderno poderia identificar o princípio de determinação do mundo, e isto
porque ele se rendera à melancolia, conquistando a possibilidade de compreender,
através deste sentimento, o seu fundamento, a saber, ser “infortúnio”. Dizendo
ainda melhor, a melancolia possibilitava entrever que a vida era um âmbito no
interior do qual desafios impossíveis seriam oferecidos ao homem, sempre uma
vez mais. A partir da compreensão acerca do que a vida seria o homem melancólico
teria a possibilidade de conquistar alegria e satisfação provisórios, e isto porque
se encontrara, a partir de então, consciente de seus limites e do que
enfrentaria vez por outra, ou ainda, por outro lado (como uma outra
possibilidade oferecida pela compreensão do que a vida seria), acabaria prostrado
e desesperado, inconformado com sua tarefa de
ter de fazer sempre novamente, de viver em eterno labor, sem télos nem
justificativa. Acompanhemos as palavras de Torres Homem:
Preciso
era que de indústria nos transformássemos em gregos ou romanos, despindo-nos de tudo o que constitui a individualidade
do homem de hoje, por que nos enternecêssemos pelo panteísmo fenomenal da
Grécia e de Roma e pelos sentimentos estrangeiros dessas ilustres mortas. Mas ainda
assim, o peso das nossas crenças precipitava todas as sombras evocadas pelo politeísmo;
elas dissipavam-se ao primeiro movimento dos nossos sentimentos reais, como ao
primeiro albor da aurora fogem os fantasmas que as trevas simulam. Como tudo o que
é grande, belo e verdadeiro, foi pleno o sucesso da reação contra a imitação da
poesia antiga. O Cristianismo, banindo do universo as elegantes divindades de que
o povoara a mitologia, restabeleceu a majestade, a grandeza e a gravidade da criação,
e nova carreira abriu à poesia, que até então não podia encarar a natureza
senão através das ficções consagradas por Hesíodo e por Homero (...) (Torres Homem,
1978, p. 246-
247)
O homem
Antigo, e isto segundo Torres Homem, era orientado pelas idéias e costumes
oriundos da mitologia grega, pelas “ficções consagradas por Hesíodo e por Homero”. Para os antigos, a vida seria perfeita
e ao homem bastaria concretizar as idéias e costumes “elegantes” oferecidos pelas divindades para satisfazer
à vida e assegurar, por conseguinte, um estado de equilíbrio. Esse homem viveria
de acordo com um determinado conjunto de sentidos e valores que propiciavam determinada
satisfação, tornando-o, ao fim, despreparado para a assimilação de possíveis
traumas necessários no interior de uma existência que seria marcada pelo “infortúnio”.
Segundo os
companheiros de grupo, apenas o tipo melancólico seria capaz de acolher sua finitude e pobreza e, por conseguinte,
insistir de forma adequada, e isto porque compreendia devidamente o âmbito no qual se encontrava e já viveria
em afinação com ele. Ao homem “Moderno” abria-se, então, a possibilidade de compreender
o fundamento da vida - que todo o realizado seria marcado pela caducidade
inevitável. Ele conquistara, em meio ao acúmulo de tanta dor e trabalho, a
compreensão de que sua existência seria marcada pela finitude e, a um só tempo,
passara a ser orientado pelo sentimento da melancolia, uma “tristeza íntima”
que garantiria a ele uma espécie de afinação, de relação justa, com isto mesmo que
o mundo é propriamente, “infortúnio” -, ou ainda, um âmbito no interior do qual
se exercita a tarefa sísifica de ter de fazer sempre novamente, de conquistar, uma
vez mais, realizações frágeis, apenas provisórias, marcadas pela necessidade do
esgotamento. Aí, no inteiror do mundo moderno, o homem, afinado pela melancolia,
encontraria-se estimulado e devidamente preparado para seguir existindo, e isto
de forma adequada, ou ainda, em consonância
com aquilo que a vida exigiria recorrentemente. Torres Homem segue fazendo referência à poesia
de Magalhães:
O Canto
do Cisne diz essa fragilidade da vida com uma simplicidade profundamente tocante, e com aquela harmoniosa tristeza
de meditação, que corresponde ao que há de mais vago, de mais indefinido e ao
mesmo tempo de mais íntimo em nossa alma. (Torres Homem, 1978, p. 250)
Ao homem Moderno caberia entregar-se à melancolia,
e isto com o objetivo de poder compreender o que a existência humana é, o que
permitiria, por sua vez, a percepção do que está efetivamente disponível ao
próprio homem. Uma vez entregue à melancolia, o homem receberia da vida seu “segredo”,
o de que ela é “infortúnio”. A melancolia funcionaria como uma espécie de lente
que evidenciaria a existência humana como sendo, no fundo, uma tarefa marcada
pelo esforço e pela finitude, no entanto, ela não seria capaz de provocar, automaticamente,
ações adequadas. Para Magalhães e seus companheiros, ao assumir sua finitude, o
melancólico se tornava apenas sensível o suficiente para compreender o que seria
a existência humana. Em verdade, o páthos
da melancolia necessitava de uma determinada experiência para que provocasse o homem
a insistir adequadamente em uma vida que seria marcada pelo “infortúnio”, a saber,
a experiência da eternidade ou da assunção da religião cristã se preferirmos. Caso
contrário, a melancolia reduziria o homem a situações-limite como a prostração e o desespero, e isto
porque o tipo melancólico, triste e acabrunhado
por natureza, não encontraria razão suficiente para seguir enfrentando desafios
impossíveis, sempre uma vez mais.
Torres Homem afirma que os “Antigos”
não só viviam num tempo diferente, como encontravam-se em dissonância com a
vida, o que significa dizer que queriam mais do que podiam, do que tinham direito,
que eram desmedidos e que não compreendiam
que a natureza das criações humanas é a precariedade. Aqui, Torres Homem julga
os “Antigos” por não terem sido capazes de compreender o fundamento da existência,
o seu caráter de “infortúnio”. A religião e a poesia “Antigas” não teriam
percebido que ao homem caberia respeitar o que a vida é, o que significa dizer que,
ao fim e ao cabo, toda ação humana deveria ser orientada pelo imperativo da modéstia.
Enfim, Torres Homem afirmava que a poesia e a religião dos “Antigos” deveriam ser
esquecidas, e isto porque elas inflamariam o homem “Moderno” a desejar e a tentar
o que não deveria (o impossível), algo que o levaria, necessariamente, a
acumular revéses e a radicalizar sua tristeza, acabando apático ou desesperado.
Segundo Torres
Homem, os homens modernos precisavam, a um só tempo, afinar-se à vida, ou seja,
seguir insistindo adequadamente, ou ainda, com modéstia e alegria, o que só
seria possível através da intensificação da crença no Deus cristão. O crítico
afirmara que caberia à poesia “Moderna” uma dupla responsabilidade, a saber: 1-
provocar o sentimento de melancolia e 2 - intensificar a religião cristã, e
isto para que o homem pudesse,
por uma lado, compreender sua natureza finita e, por outro, experimentar o Deus cristão, ente que
seria perfeito e, portanto, capaz de justificar a existência humana, por mais
árida que ela fosse. A medida da eternidade, ou o Deus cristão se preferirmos,
era, enfim, a garantia de que a tristeza e o sofrimento humanos eram orientados
por uma lógica ininteligível que proporcinaria, ao fim, a justificativa necessária a uma insistência alegre e satisfeita. No entanto,
os poetas “brasileiros”, à exceção de Magalhães, caminhavam “satisfeitos” junto
aos “Antigos” e em dissonância com a vida. Esses poetas eram responsáveis pela
imitação da tradição greco-romana, e com isto não permitiam que os “brasileiros”
conhecessem, através da experimentação da poesia “Moderna”, o que a vida era
essencialmente e experimentassem, a um só tempo, a medida da eternidade.
A “doce melancolia”
de Magalhães começara, então, um novo tempo entre os “brasileiros”, apresentava
a modernidade ao “Brasil” - cuidava de evidenciar o que a vida é e, não obstante,
abria a possibilidade para a experimentação de Deus, bem como para a concretização
de idéias e costumes necessários ao progresso moral e material do Império do Brasil, senão vejamos:
Entretanto
que este movimento remoçava com uma vida toda nova e mais florente que a primeira
a literatura européia, os poetas de nossa língua iam muito satisfeitos batendo
a estrada sediça, e dizendo-se inspirados pelas Musas pálidas e decrépitas do
Parnaso. Mas eis que um jovem poeta da nova escola, nascido debaixo do céu pomposo
do Rio de Janeiro, ardente de futuro
e de glória, com a cabeça repleta de harmonias e o coração pesado de nobres emoções, acaba de revelar
a pobreza da nossa literatura com um volume admirável de poesias. (Torres Homem, 1978, 247)
Torres Homem
denunciava a “pobreza da literatura” brasileira, e não se acanhava em sublinhar
o papel revolucionário de Magalhães, a saber, a função de oferecer uma educação
estética capaz de seduzir os leitores transformando-os de fora para dentro, propiciando,
assim, a construção de novos destinos para o Império do Brasil. Segundo o crítico,
Magalhães fazia de sua arte a medida precisa para uma transformação efetiva da
sociedade, uma transformação capaz de colocar os homens e mulheres da boa sociedade em consonância com o que a
vida permitia que fosse pretendido
e realizado e em afinação com a medida da eternidade. A poesia de Magalhães seria
capaz de seduzir os “brasileiros”, fazendo-os agir com alegria e de acordo com as necessidades evidenciadas pela própria vida.
Através de uma retórica a um só tempo sóbria e encantadora (fascinante), fundada
na “pureza e pompa de versificação” e na “excelente concepção de imagens”, sem o
“grandioso extravagante”, próprio à juventude, o poeta seria capaz de seduzir os
homens e mulheres da boa
sociedade, aproximando-os da leitura e fazendo-os agir e pensar de forma adequada.
Profundo sentimento
dos segredos do gosto o qual é o bom-senso do gênio, sentimento bem raro nas produções
da mocidade, levada sempre para o grandioso extravagante; riqueza, variedade e excelente
concepção de imagens, que imprimem um efeito mágico a doce melancolia do poeta;
perfume e unção religiosa espalhada sobre as cenas da natureza; elevação dos pensamentos
filosóficos, inspirados pela escola
idealista alemã e pelas doutrinas do cristianismo; pureza e pompa de versificação;
tais são em resumo os méritos dos Suspiros Poéticos do Sr. Magalhães. (Torres Homem, 1978, p. 247-248)
O que se afigura
no comentário de Torres Homem é que a poesia de Magalhães contava com uma forma
sedutora capaz de aproximar os homens e mulheres
da boa sociedade da leitura e, por conseguinte, de uma vida prática condizente
às expectativas de uma existência finita. O crítico e o poeta acreditavam, e isto
orientados pelo Idealismo Alemão, em especial por Schiller, que se os “brasileiros”
não eram suficientemente independentes para realizar uma revolução moral através
da autonomia da razão – esse um projeto propriamente kantiano, eles deveriam, então,
agir orientados pelos sentidos, melhor dizendo, pela experiência proporcionada
pela poesia (pela literatura em geral).
O que dissemos até agora pode
ser mais bem compreendido através dos seguintes passos: 1) O homem moderno possui
um sentimento capaz de fazê-lo compreender o que a vida é em sua dimensão mais
fundamental, a saber a melancolia; 2) a vida é, essencialmente, “infortúnio”, o
que significa dizer que é um lugar no interior do qual toda realização humana é
marcada pelo selo da precariedade; 3) o (verdadeiro) poeta é um ente
privilegiado, pois é capaz de se entregar radicalmente à melancolia, à “ harmoniosa tristeza”, o que
permite que ele perceba o que a vida é mais propriamente
e 4) caberia ao (verdadeiro) poeta a missão de disponibilizar as experiências da
finitude e da eternidade, a um só tempo (bem como evidenciar as idéias e os
costumes adequados).
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Fonte:
Fonte:
Marcelo de Mello Rangel: “Poesia, história e economia política nos
Suspiros Poéticos e Saudades e na Revista Niterói: Os primeiros Românticos e a civilização
do Império do Brasil”. (Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social
da Cultura da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor
em História. Orientador: Ilmar Rohloff de Mattos). Rio de Janeiro, 2011.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível digitalmente no site: www2.dbd.puc-rio.br
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível digitalmente no site: www2.dbd.puc-rio.br
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