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esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
Arthur Azevedo e o teatro
ligeiro na nascente República.
Se a fase inicial de nossa República
(de 1889 a
1930) foi uma das épocas mais agitadas política e
socialmente (não só no Brasil mas no mundo ocidental em geral), observamos que ela
foi também, concomitantemente, das mais desprezadas
nas avaliações de sua produção cultural em geral e
dramatúrgica, em particular.
Década de 1890. A República cede lugar ao seu primeiro
governo civil. A eleição de Prudente de Morais marca o afastamento dos
militares da cena política e a ascensão dos
cafeicultores paulistas. O governo passou-se em meio à mediação de conflitos.
Por um lado, a pressão dos opositores, com o risco de iminente perda do mandato;
de outro, rebeliões como a Revolta Federalista no Rio Grande do Sul entre 1893
e 1895, a
revolta da Escola Militar em 1895,
a Guerra de Canudos entre 1896 e 1897 e o atentado de
1897 que levou ao estado de sítio no Distrito Federal. Na Capital
Federal, então o Rio de Janeiro, circulavam desde 1892 os bondes elétricos,
enquanto em São Paulo mais da metade da população
perecera em 1896 sob uma epidemia de febre amarela. A população vivia ainda sob
os efeitos da crise econômica gerada pelo encilhamento de Rui Barbosa. Em conseqüência disso
iniciam-se as negociações, com os banqueiros
ingleses, do primeiro Funding
Loan que será estabelecido na presidência de
Campos Sales.
Eram tempos de muita agitação. O
novo regime promoveu a substituição do grupo governante e trouxe
consigo novos projetos e metas para o país. O arranjo federalista visava favorecer
a distribuição de poder facilitando um arranjo nacional frente às disparidades
político-econômicas entre as regiões. Mesmo assim, dois dos três maiores
estados da nação conseguiram dominar a cena política do país. Capitalistas e voltados
para os progressos técnicos europeus
esses políticos associaram o ‗atraso‘ brasileiro às heranças do Império
e a uma tradição política que remontava, em vários aspectos, aos tempos da
colônia. Entre as bases do novo regime está a agro-exportação do café que,
sendo o carro chefe da economia nacional, alavancaria o desenvolvimento dos
demais setores.
Nas primeiras décadas que se seguiram à proclamação,
aceleraram-se os passos rumo ao progresso, o que significava a entrada definitiva
na era capitalista. Seguindo uma corrente de mudanças iniciadas com a chegada
da Corte portuguesa, décadas antes – ponto de torção fundamental da história brasileira – o país passa, entre as últimas
décadas do século XIX e as primeiras do século XX, por um intenso processo de transformação.
Com a ascensão do novo regime e, com ele, a renovação da elite governante,
novos rumos são definidos. Assim, a intenção é alinhar o país às nações
européias e suprir as necessidades da oligarquia agro-exportadora, vinculada ao
meio urbano e a um padrão de consumo capitalista. Aliado a isso o novo regime, fruto
de um golpe orquestrado por setores da elite descontentes com os rumos tomados
pelo Império, carecia ainda de legitimação. A aceitação deveria passar pelos
sentimentos e pelo imaginário da população através da construção de símbolos
que ligassem a população ao regime que seguiu-se à proclamação. Dentre vários, com
destaque para as imagens e rituais pela facilidade de sua leitura, e que caíram
ou não nas graças da população, figurou a
modernização da Capital Federal – vista então
como o espelho da Nação que se queria moderna e progressista.
O Rio de Janeiro enquanto capital da
nascente República sofria os efeitos das principais
transformações experimentadas pelo país e funcionava como ícone delas. A abertura
dos portos e o aumento da população urbana estimularam o crescimento do comércio
e do consumo de produtos manufaturados, vindos basicamente do exterior, proporcionando
o surgimento de um grupo social ligado a produção e distribuição de bens de
consumo – um extrato
mediano que se acomodava, ainda desajeitadamente, na parca, porém crescente,
população urbana. Esse processo ganhava força através dos contatos crescentes
entre o Brasil e as principais nações européias, principalmente Inglaterra e
França, quando o fim do tráfico negreiro possibilitou a realocação do capital ocioso
em outras atividades, com destaque para as financeiras e industriais. Por outro
lado, o crescimento da produção cafeeira ao longo do
século XIX viabilizou uma maior urbanização. Isso porque, primeiro, a cultura
do café não exige a presença constante do dono; e depois, uma parte significativa dos empresários que promoveram o desenvolvimento da produção açucareira e, a seguir, da cultura do café,
nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo,
tinham origem nas regiões de mineração das províncias
de Minas Gerais e de Mato Grosso, de onde traziam uma intensa tradição de vida urbana
e de participação no comércio e nas finanças. E eram basicamente
desses grupos que surgiam as iniciativas relacionadas à infra-estrutura urbana.
Outro aspecto importante, do final do
século XIX, foi a substituição da mão-de-obra escrava pelo imigrante europeu,
fator que promoveu um crescimento acelerado da população e a diversificação cultural.
Segundo planejamento governamental esses imigrantes destinar-se-iam ao
povoamento dos estados do sul com o propósito de lá desenvolverem atividades
agrícolas e efetivamente estabelecer a posse da região que já havia sido
fruto de muitas disputas. Contudo, devido à estrutura montada pelo governo brasileiro,
grande parte desses imigrantes não prosseguiu até seu destino final, permanecendo
em áreas urbanas, mais especificamente, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na
Capital Federal, esses imigrantes, em grande parte de origem portuguesa, juntaram-se
a grande leva de imigrantes internos que chegava a cidade,
especialmente após a abolição da escravidão. Assim, a população
da cidade passou de 522.651 habitantes em 1890, para 691.565 habitantes em 1900,
e para 1.157.873 habitantes em 1920; agravando uma crise habitacional que vinha
desde, pelo menos, 1882.
É em meio a essas mudanças que se estabelecem no Rio de Janeiro
dois forasteiros: Arthur Azevedo e o teatro ligeiro. Nascido em São Luiz do Maranhão, Arthur Azevedo muda-se para o Rio
de Janeiro em 1873 abandonando a carreira de literato e jornalista na sua cidade
natal após ser demitido da Secretaria do Governo por causa das críticas por ele
publicadas na imprensa local. Com seu espírito crítico, popularesco e progressista,
ele prosseguiu sua vida jornalística na Capital Federal onde
também trabalhou como professor e funcionário público no Ministério da Viação.
Mas foi, contudo, em meio às letras que Azevedo se destacou. Escrevendo diversos
gêneros literários, foi elogiado e censurado pela crítica, ganhando destaque, sobretudo,
pelos seus textos teatrais.
Com talento despertado desde cedo, escreveu sua primeira
peça ainda menino, aos 8 anos de idade – uma adaptação de um texto de Joaquim Manuel de
Macedo. Entre dramas, farsas e comédias, ele dedicou-se especialmente a uma faceta
muito popular do teatro em sua época, porém muito denegrida pela crítica, o teatro ligeiro. Não se tratando, contudo, de um
gênero teatral em si, o teatro ligeiro, é
uma denominação dada ao conjunto de espetáculos que compunham as comédias
musicadas. São vaudevilles, cafés-cantantes, mágicas, cabarés, zarzuelas, burletas
e revistas-de-ano, que foram introduzidos no Rio de Janeiro
pela opereta – uma derivação da Opéra Comique francesa – que teve seu palco de maior destaque no Alcazar Lyrique. Eram todos integrantes do gênero da comédia, dividido então
em comédias musicadas, ou baixas comédias – extremamente
populares – e comédias
de costumes, ou altas comédias – estas sim apreciadas pela crítica da época. As comédias musicadas
não se prendem ao texto como forma de arte, mas à arte enquanto forma de
entretenimento, valendo-se dos múltiplos contatos
possibilitados pela internacionalização da criação artística e pelas inovações
tecnológicas para a composição dos enredos e de sua encenação. A relação do teatro ligeiro com a crítica remonta à construção
da identidade nacional, processada desde a Independência e redirecionada com a
ascensão da República. Desde a proclamação do novo regime líderes políticos,
eruditos e literatos tomaram para si a criação de símbolos que provocassem a adesão
da população ao novo regime, além de discutirem a construção da identidade nacional.
Dividiam-se em diversos grupos republicanos com ideologias diferentes que se debatiam
diante da construção das bases ideológicas do regime. Esses grupos, compostos
por membros da elite e da classe média urbana buscavam a construção do nacionalismo
por vias europeizantes, renegando expressões de caráter popularesco ou que remetessem
a traços da época do Império e da Colônia. Julgavam ser a herança deste passado
a responsável pelo atraso do país, isso além da premente necessidade de
legitimação do regime republicano. Com isso, essa primeira leva de ideólogos da
República e a própria administração empreendeu o que de certa forma pode-se chamar
uma caçada aos costumes ou expressões que julgavam incompatíveis com o progresso
e a ordem que buscavam. Sobre isso afirma Margareth Rago; o pobre é o outro da burguesia: ele simboliza tudo o que ela
rejeita em seu universo.(...) Esta representação
imaginária do pobre justifica a aplicação de uma pedagogia totalitária, que
pretende ensinar-lhes hábitos “racionais” de comer, de
vestir-se, de morar ou de divertir-se.
Nessa onda, os primeiros a serem perseguidos
foram os cortiços que além de sujarem a imagem da cidade eram ainda um
considerável problema de saúde pública. Assim, foi simbólica a destruição do
cortiço Cabeça de Porco na administração de Barata Ribeiro em 1893. Nos anos
seguintes, e, principalmente, após as reformas, foram alvos de censura
e proibição: o costume das serestas, o porte e uso do violão, as festas e formas
de religiosidade popular (como as que ocorriam em dias
santos); restrições e regras impostas à comemoração do carnaval, a lei de
obrigatoriedade do uso do paletó e de sapatos; a caça aos quiosques, vendedores
ambulantes, mendigos e cães vadios.
Os gêneros que compunham o teatro ligeiro abasteciam-se de
expressões da cultura popular para a composição e renovação de seus
espetáculos. Também por seu caráter de entretenimento, se vinculando muito mais
ao ganho de capital do que à educação cultural do seu público, a comédia musicada
foi execrada por parte da crítica que àquela época não era especializada
ficando a cargo, sobretudo, de literatos que nem sempre tinham ligação direta com
o teatro e que compunham e se dirigiam a uma minoria letrada do Rio de Janeiro,
então principal pólo de produção literária do país. Grande parte desses
literatos empregava-se nas redações dos jornais ou nas repartições do governo,
senão em ambos, uma vez que com o mercado editorial pouco desenvolvido, era
quase impossível viver apenas da publicação de livros. Os jornais, assim, se
tornaram o principal veículo impresso do Rio de Janeiro, cabendo aos
jornalistas a tentativa de modelar hábitos, costumes e opiniões da população
letrada da cidade, e mesmo dos não letrados através da disseminação oral do que
era publicado. Nicolau Sevcenko apresentou um panorama da situação da época: As transformações nas técnicas de
comunicação, acompanhando e aprofundando as mudanças do
modo de vida em todo o mundo, nesse curto espaço de tempo, abalaram definitivamente
a posição até então ocupada pela literatura. (...) O novo ritmo na vida
cotidiana eliminou ou reduziu drasticamente o tempo livre necessário para a contemplação
literária. (...) [Ao mesmo tempo] a literatura se
tornou um espaço cultural facilmente identificável por um repertório limitado de clichês que só mudam na ordem e no arranjo com que
aparecem.
Para esses críticos, o Estado deveria intervir nas artes
dramáticas promovendo a reforma necessária no gosto do público e fazendo frente
à invasão estrangeira nos teatros locais, através da construção de teatros, da subvenção
e do controle das peças encenadas. Por sua vez, os teatrólogos e empresários do
teatro deveriam se inspirar no realismo francês e nas altas comédias, levando aos
teatros fórmulas que julgavam elevar os espíritos e a cultura das platéias. Para tanto, se apegavam às peças do teatro realista francês, chegadas ao Brasil na segunda metade do século XIX, que tiveram
um curto período de sucesso, firmando-se especialmente nas figuras do escritor José
de Alencar e do ator João Caetano. Compunham-se basicamente de dramas
densos e que propunham a descrição e reflexão de fatos e costumes contemporâneos,
representaram o auge da estética burguesa no teatro e por aqui ficaram conhecidas por dramas de casacas. No Rio,
quando não eram encenações de companhias estrangeiras em turnê pela cidade,
foram mormente traduções e adaptações de peças estrangeiras, o que foi alvo de duras
críticas por parte de Machado de Assis que classificou o período como sem “teatro nem poeta dramático”. As
altas comédias, também vinculadas ao realismo, eram peças com temas
supostamente elevados, que propunham críticas à sociedade da época e tinham viés
moralizante trabalhando a construção psicológica dos personagens e a perda de valores
morais e sociais.
Arthur Azevedo, contudo, mantinha laços tanto com a
produção literária e teatral erudita, quanto com uma produção mais popularesca e
comercial. Compartilhava com os outros literatos o apreço por uma forma literária
mais elevada e o desejo de vê-la prosperar. Foi um dos membros fundadores da Academia
Brasileira de Letras, inaugurada aos moldes da Academia Francesa em 1897.
Defendia a civilização de modos e costumes, e os avanços do progressismo, mas
via na cultura popular o terreno fértil para a construção de um teatro verdadeiramente nacional. Para ele,
“o teatro brasileiro deve[ria] buscar todos os seus elementos na vida
nacional e não vestir os seus personagens
nem desenhar os seus caracteres européia”. Isso, além do inegável apelo comercial
necessário tanto para a manutenção das empresas destinadas à montagem e encenação
teatral, quanto para o sustento de teatrólogos e
atores frente à concorrência das companhias estrangeiras – muito frequentes em solo nacional desde o desenvolvimento técnico
das viagens transoceânicas em meados do século XIX.
Esse processo de trocas culturais e maior circulação transoceânica
se filiam à aceleração do desenvolvimento capitalista no século XIX. Os
produtos culturais que antes permaneciam restritos a pequenos grupos sociais ou
que tinham uma difusão mais lenta no tempo também sofreram influência das transformações
técnicas que facilitaram a produção e encurtaram o tempo e as distâncias. Um exemplo
é a maior circulação de impressos saídos da Europa para regiões antes
longínquas da América e Ásia. Por outro lado, o crescimento da concentração populacional
nas áreas urbanas e a difusão da cultura e do ritmo
de trabalho – especialmente entre os operários que chegavam
a ter uma jornada de trabalho de 18 horas diárias em alguns lugares – geraram a necessidade de atividades de escape e distração. Assim,
o capitalismo estende seus braços a uma área antes reservada à fruição
do espírito e difusão de tradições, promovendo a mercantilização da cultura.
Esse processo, estudado por Theodor Adorno e Max Horkheimer, e por eles denominado indústria
cultural, promoveu, segundo eles, a junção de
elementos pré-existentes, mas que até então haviam se mantido em esferas
separadas.
Isso, graças tanto aos meios atuais
da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa. A indústria
cultural é a integração deliberada, a partir do alto,
de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. (...)
Toda a práxis da indústria cultural transfere, sem
mais, a motivação do lucro às criações espirituais. A
partir do momento em que essas mercadorias asseguram a vida de seus produtores no mercado, elas já estão contaminadas por
essa motivação. (...) O que é novo na indústria cultural é o primado
imediato e confesso do efeito, que por sua vez é precisamente calculado em seus
produtos mais típicos.
Adotamos essa linha de pensamento, que estende o processo
de mecanização e mercantilização típicos dessa fase do
capitalismo à esfera das artes, mas sem entender como negativa a aproximação
entre cultura erudita e cultura popular e, relativizando a desumanização e
submissão do consumidor, ambos os processos apresentados com a face negativa da
indústria cultural por Adorno
e Horkheimer. Primeiramente, não se pode entrar na questão da aproximação entre
cultura erudita e cultura popular sem que se lembre que os debates acerca deste
binômio ainda não reconheciam, quando o conceito foi proposto em 1947, a multiplicidade de expressões
culturais abrangidas por esses conceitos e os processos de resistência e
auto-afirmação presentes na dita cultura popular. Ou seja, hoje se sabe que ambas
são heterogêneas e que a cultura popular, tida então como subjugada, possui autonomia
de criação, além de se valer de processos de apropriação e de jogos de poder em
sua composição. Outro ponto sensível é a questão da aproximação
entre esferas culturais. Estudos da área da micro-história têm demonstrado a existência
de contatos e trocas ao longo dos séculos entre esferas culturais tidas anteriormente como estanques, no processo citado anteriormente
e denominado por Carlo Ginzburg circularidade cultural. Alguns
exemplos da circulação de aparato cultural entre esferas diferentes
são os estudos de Bakhtin sobre Rabelais, de Ginzburg sobre o moleiro Menocchio
e de Plínio Freire Gomes sobre um ex-colono condenado pela Inquisição.
Desde a chegada da Corte Portuguesa em 1808, houve grandes
transformações na vida noturna do Rio de Janeiro. Primeiro,
para a distração dos nobres para cá transferidos e, depois, devido ao Império
e ao cosmopolitismo de Dom Pedro II. Os teatros, os serões e os bailes nos salões
nobres eram os entretenimentos mais comuns entre a boa sociedade. Em 1813 foi
inaugurado, no Largo do Rocio, com 1.020 lugares na platéia, o Real Theatro de São
João. Foi o principal teatro da época e em sua noite de inauguração foi apresentada
a ópera O Juramento dos Numes de Bernardo
José de Souza e Queirós e Gastão Fausto da Câmara Coutinho. Após acontecimentos
funestos, reinaugurações e mudanças de nome, o hoje Teatro João Caetano continua
presente na cena carioca. Henrique Marinho nos dá uma descrição da época:
Nos dias de gala comparecia toda a
família real ao teatro, que se mostrava ornado de sedas, de flores e iluminado
com arandelas e lustres. Logo que se abriam as cortinas
encarnadas com franjas de ouro, que fechavam a tribuna,
aparecia o príncipe regente acompanhado de toda a sua família.
Os camarotes, principalmente os de
segunda ordem, eram ocupados pelos fidalgos, que se apresentavam com fardas
encarnadas bordadas de ouro e cobertas de condecorações, e as damas com altos toucados,
onde resplandeciam pérolas e pedras preciosas. Cortinas de seda,
ramos, grinaldas de flores enfeitavam os camarotes (...) Havia
dois panos, um talar e outro de boca: aquele
representava a entrada da família real na barra do Rio de Janeiro, as embarcações e fortalezas a salvarem e grande quantidade
de botes, canoas e faluas.
Entre os nomes importantes que marcaram a história do
teatro no século XIX, seja fazendo frente ao destaque dado às companhias e aos
artistas estrangeiros, ou construído as bases da dramaturgia nacional,
destacamos as figuras do teatrólogo Martins Pena e do ator João Caetano.
Martins Pena, adido do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Londres, crítico
teatral do Jornal do Commércio e teatrólogo,
foi o responsável pelo sucesso e popularização da comédia de
costumes, numa produção vasta para os poucos anos de vida, empreendeu críticas
sociais através de tipos caricatos. Já o ator João Caetano, além de seu grande destaque
pessoal enquanto ator, se destacou também na criação de uma companhia composta de
atores brasileiros, a Companhia Nacional João Caetano, e na fundação de uma
escola de Arte Dramática. Com eles abriu-se caminho para a grande popularização
das comédias que se dá nas décadas posteriores e a maior profissionalização dos
atores nacionais com a multiplicação das companhias e das empresas responsáveis
pela montagem das peças.
O gosto pelas comédias aumentava, bem como a população
do Rio de Janeiro e, seguindo o ritmo de outras grandes capitais, vai se
distanciando da crítica e do escárnio refinados das altas comédias para se orientar
pela estandardização capitalista. Uma nova casa surge, então, dedicando-se aos gêneros
ditos ligeiros. Conforme citado anteriormente, em 1859, na rua da Vala – atual rua Uruguaiana –, foi inaugurado o Alcazar Lyrique,
idealizado pelo francês Joseph Arnaud, que seguia as feições dos cabarés
franceses tendo em seu programa as operetas, precursoras do teatro musicado na cidade.
Esta casa é tida como a principal responsável pela disseminação dos espetáculos
do teatro ligeiro no Rio de Janeiro, remodelando
os hábitos da nascente burguesia carioca. Assim, com o crescente fluxo de viagens
a vapor entre os continentes e o crescimento do interesse pelas artes enquanto forma
de entretenimento, aumentavam as trocas e desembarcam desse lado do Atlântico,
além das já citadas operetas de origem francesa, os vaudevilles originados nos
Estados Unidos, zarzuelas espanholas, o cabaré e os cafés- cantantes também franceses, as mágicas, a burleta – uma mistura abrasileirada
de gêneros cômicos –, e as
revistas de ano, surgidas na França e trazida para o Brasil via Portugal.
Dentre todas essas expressões das comédias musicadas, a de
maior destaque e vida longa nos palcos brasileiros foram as revistas-de-ano. Surgidas nas feiras francesas a partir de
adaptações da Commedia Dell‘Arte, chegaram a Portugal na metade do
século XIX e de lá vieram rapidamente para o Brasil. Contudo, só ganharam maior
destaque, após algumas tentativas frustradas, com a apresentação de O Mandarim, escrita por Arthur Azevedo e Moreira
Sampaio e estreada em 1884. Segundo Neyde Veneziano, Esta paisagem de contradições, da escravidão e da nobreza, das
doenças e da festa, dos entrudos e do requinte, da dívida externa e do falso aparato, das corrupções e do moralismo, não escapou aos revistógrafos,
que extraíam dos acontecimentos os aspectos risíveis, próprios à sátira.
As revistas de ano tinham por base literalmente passar
em revista o ano que acabava de findar. Para tanto, valiam-se de uma estrutura
composta pelo compère e/ou
pela comère,
responsáveis por apresentar e comentar os fatos; por um fio condutor que ligava os fatos apresentados,
e apoteoses ao
final de cada ato que exaltavam temas relacionados ao país; e por personagens tipo e caricaturas que eram quase sempre de políticos. Em 1892, o sucesso de Tintim por tintim, do empresário português Sousa Bastos,
introduz a malícia nas revistas de ano, ditando um rumo muito criticado até por
um dos maiores revistógrafos do país, Arthur Azevedo.
Nada impede, realmente, que nas revistas
haja gramática, bom senso, crítica, observação, prosa limpa e versos bem
feitos, nem me parece que ao homem de letras mais
reputado fique mal o escrevê-las. O gênero desmoralizou-se no Rio de Janeiro
porque uns tantos indivíduos entenderam que, para fazer
uma revista, não era necessário mais que papel, pena e
tinta. Os empresários aceitaram e o público aplaudiu as produções informes desses indivíduos, confundindo-as injustamente com
aquelas em que havia um pouco de arte compensadora; mas de agora em diante conto que haja um pouco mais de justiça, e comece o
publico, em se tratando de revistas, a separar
o trigo do joio.
Nesse caminho, alguns anos mais
tarde, as coristas foram substituídas por dançarinas semi-desnudas que ficaram
conhecidas como vedetes e o luxo tomou conta dos palcos dando início a uma fase
mais comercial e picante que a primeira. Assim, para os críticos as comédias
musicadas se apresentavam apenas como uma forma de entretenimento, sem maiores
aprofundamentos intelectuais, nem conteúdo que se aproveite. Nas palavras de
Sevcenko, A impressão que os críticos da cultura
transmitem pela imprensa, a respeito do período, era de
se estar atravessando uma profunda crise intelectual e
moral, marcada pela mais atroz decadência cultural. (...) Eram referências vitória do
novo espírito, “agitado e trêfego”, que tomou conta da cidade, arrebatada pelo novo cenário que a Regeneração lhe descortinara. [grifo meu]
Se por um lado, os literatos não
cediam na diminuição do mérito artístico das comédias musicadas, o retorno
financeiro atraía empresários, teatrólogos e atores. Na tentativa de cooptação
da imprensa os empresários, segundo William Martins, agiam de forma mais
subjetiva ao distribuir entradas para as peças nas redações de jornais, ou de
forma mais direta ao comprar críticas e comentários positivos para assim instigar
a curiosidade do público. Geralmente, havia nos
jornais dois espaços para o que acontecia nos teatros.
O primeiro era destinado às crônicas que eram escritas
por jornalistas não especializados que eram, algumas vezes, também literatos. O
segundo era a sessão de anúncios, semelhante ao que hoje denominamos
Classificados que tinham função comercial e não citavam
os nomes de seus organizadores. Exemplo de crônica e anúncio,
respectivamente, publicados no jornal O
Paiz de
08 e 09 de fevereiro de 1897:
Realiza-se hoje a 1ª reapresentação
da revista de Arthur Azevedo – A Capital
Federal, estreando na peça a atriz brasileira Olympia Amoedo. Não adiantemos,
porém, juízos a respeito dessa composição. Vá o público ao Recreio e depois
veremos se estamos de acordo na opinião sobre o mérito da revista. (...)
Associação Empresária do Apol o. Grande
Companhia de Opereta e Comédia. 10ª reapresentação da linda e espetaculosa ópera-cômica.
Tradução de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio (P. Ferrier e J. Prevel). Peça: FANFAN
O Tulipa. Quem ainda não foi ouvir a deliciosa peça que trate de comprar
bilhete muito cedo.
É nesse cenário que se descortina o Rio de Janeiro que aqui
é estudado. República, revistas, reformas... vejamos o que acontece.
---
Fonte:
Fonte:
Alga Ferreira de Moura: “O Rio de Janeiro de Arthur
Azevedo. Uma leitura do espaço urbano nas peças A Capital Federal e Guanabarina: 1897-1906. (Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre
em História Cultural. Orientador: Prof. Dr. Jaime de Almeida). Brasília, 2011.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível digitalmente no site: repositorio.unb.br
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A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível digitalmente no site: repositorio.unb.br
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