Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o
site do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à
esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
---
Eusébio Macário e a Corja
Em Eusébio Macário e A corja, publicados respectivamente em 1879 e 1880, Camilo opta por estabelecer um diálogo com o
Realismo-Naturalismo. Essa intertextualidade se faz por meio da paródia. Posteriormente, analisaremos de modo mais detalhado
como os pressupostos dessa estética literária são recuperados; analisemos, por hora, a formulação do
enredo e a recepção crítica.
Como sabemos, o romance de 1879 relata a história do boticário Eusébio Macário,
pai de Fístula e Custódia. A moça é
descrita como uma mulher cheia
de desejos animais e gestos de
marafona que teria herdado da mãe. O rapaz, por sua vez, é um caçador e fadista de
tabernas sertanejas, amante da ociosidade e das bebedeiras. Ambos
fazem um casamento por conveniência, já que
o dinheiro dos cônjuges se sobrepõe
a qualquer amor ou respeito. Enquanto ela se casa com um brasileiro que é tão
rico quanto asqueroso, ele se une matrimonialmente à Felícia, irmã do mesmo
brasileiro e antiga amante de um clérigo. Enfim, ao término do romance,
encontramos um grande final feliz: a
antiga amante do padre torna-se uma mulher casada com respeitabilidade social; já o sacerdote abandonado continua exercendo as
mesmas funções religiosas e procura uma nova amante para suprir a
falta da primeira. Os dois irmãos devassos, ricamente casados, também
finalizam sua história no mais alto grau de satisfação.
Em A corja, romance em que se dá
continuidade à história dos Macários e seus
comparsas, os personagens também priorizam satisfações pessoais em detrimento da moral estabelecida. Daí que, mentiras,
traições e adultérios são válidos, desde que não afrontem diretamente a opinião
pública. Curiosamente, as personagens não são punidas em virtude do comportamento inadequado; além disso, o
narrador expõe esses fatos sem
expressar qualquer desaprovação.
A crítica não foi unânime no que diz respeito à análise dessas narrativas.
Enquanto alguns estudiosos
acreditaram que o escritor português, após consagrar-se
como autor romântico, intentou, de fato, compor um romance
realista-naturalista, outros entenderam
que as páginas de Eusébio
Macário e A corja eram uma sátira ao
estilo literário difundido por
Zola e seus contemporâneos. No
primeiro grupo insere-se Feliciano
Ramos. De acordo com o crítico
(1950, 497), “Eusébio Macário e A corja marcam as alturas a que o
romancista ascendeu como cultor do 'romance realista', em que foi um dos maiores da poca”. Tal ascensão seria fruto de sua instabilidade emocional
e da ancestralidade mórbida, que o teria levado a um comportamento indisciplinado e permeável.
O seu temperamento literário também teria sido permeável a tais práticas.
Nesse sentido, enquanto esteve exposto à atmosfera romântica, Camilo teria produzido enredos passionais; no entanto, quando entrou em contato com as tendências
realista-naturalistas, deixou-se influenciar por elas, compondo narrativas como
Eusébio Macário e A corja.
Por outro lado, Saraiva (1996),
como já observamos, afirma que esses romances nada mais são que um
reajustamento literário. Em virtude do florescimento da estética realista, o escritor de O bem e o mal), essencialmente romântico, teria sido obrigado a mudar
o processo de construção literária. Assim, o romancista teria optado por
reproduzir os pressupostos realista-naturalistas em forma de imitação burlesca.
Nesse contexto, Eusébio Macário e A corja seriam uma paródia aportuguesada e
Rougon-Macquart, obra de Émile Zola, cujo objetivo é descrever a história de uma família,
apropriando-se dos recursos da medicina experimental.
Alexandre Cabral, em Subsídio
para uma interpretação da novelística camiliana, no capítulo em que se dedica a
analisar os romances publicados em 1879 e 1880, discorre acerca de como a relação de Camilo com o Realismo-Naturalismo culminou
na história dos Macários. Dentre as afirmações que integram esse estudo, existem algumas com as
quais gostaríamos de dialogar. São elas:
A anunciada cole ão da intermin vel s rie dos “romances facetos”,
que viria finalmente a ser constituída
apenas por Eusébio Macário (1879) e A corja (1880), introduziu um elemento
novo no universo novelístico camiliano profundamente destruidor da “harmonia” até então reinante, sobretudo na ordenação rígida dos princípios imobilistas, refratários a
transigências inovadoras. Com efeito, num passe de mágica, desaparecem
do palco onde evoluíram os protagonistas de várias épocas, os
elementos dominantes e inspiradores das vivências
romanceadas nos 50 títulos anteriores produzidos pelo espírito criador de
Camilo Castelo Branco. Para trás ficaram a paz dos campos em confronto com a
dissolução pernóstica das cidades; a austeridade de vida, ainda que por vezes violenta; a honestidade dos comportamentos, onde afloram também a astúcia e
a perfídia de uns quantos degenerados; a pureza dos sentimentos afetivos de
tantos heróis e heroínas que comoveram ou indignaram o expectador-leitor; o orgulho, em suma, de proceder da
boa cepa lusitana, manifestado pelos abencerragens da tradição. (CABRAL, 1985, p.140)
Entram na intriga romanesca os velhos ingredientes da novela camiliana: recolhas em
convento; figuras de brasileiros, a formarem desta vez uma confraria, uma classe, uma corporação;
referências diretas a acontecimentos políticos e sociais da época,
amores às cataduras (ilícitos todos, ou pouco menos) – mas tudo isto sordidamente
degenerado. (CABRAL, 1985, p. 145)
De fato, com o advento do
realismo, a estrutura narrativa de Camilo Castelo Branco passa por alterações. Como observa Cândido Martins (Cf. 1997, p.45-47), o discurso, que antes era direto, cede espaço ao
indireto livre, as narrativas concisas
se prolongam em virtude das descrições fastidiosas; a isso, acrescenta-se a
atração pelo baixo material e corporal. Mas, curiosamente, como percebemos
no excerto precedente, conserva-se os elementos que avivavam os enredos
anteriores. Embora concordemos, em parte, com as afirmações de Alexandre Cabral, pensamos que ainda
precisam ser problematizadas, pois, apesar de haver mudanças na técnica narrativa, existem, em Eusébio
Macário e A corja, alguns aspectos que permanecem desde as primeiras obras, e
não estamos nos referindo apenas aos “velhos ingredientes da novela camiliana”, mencionamos, nesse caso, a constituição dos
personagens, o narrador, a crítica social e a função atribuída à literatura.
Em romances tais como Onde está a felicidade? ou Amor de
Perdição, Camilo já promovia algumas
discussões que só seriam intensificadas nas paródias de 79-80. O que dizer das personagens femininas?
Em geral, elas burlam com astúcia as regras
de uma sociedade que lhes nega o direito de comandar a própria vida. Nessas obras, o narrador, normalmente, é o
portador da crítica social, que, por sua vez, não tem a função de moralizar.
Mesmo a hipótese da suposta paz campestre, que de acordo com Cabral predominava
numa fase inicial da novelística camiliana, parece não se sustentar em Coração,
cabeça e estômago ou Amor de salvação. Em
Eusébio Macário e A corja, devido à intertextualidade paródica que se estabelece com o Realismo-Naturalismo,
essas críticas sociais ficam ainda mais patentes. Somam-se a elas as
críticas que Camilo dirige às
tendências literárias moralizantes que predominavam entre os escritores seus coevos.
Nesse sentido, a escolha de Eusébio Macário e
A corja como parte integrante
do corpus dessa dissertação, justifica-se na medida em que agregam, em si, muito
dos elementos comuns na narrativa camiliana. Além disso, a forma
como se conduz a narração e o enredo
transforma esses romances em um excelente material para o estudo da moral na obra de Camilo Castelo Branco, já que nos
permitem questionar por que ele
comporia a história de uma corja
degenerada sem, ao menos, puni-los no final.
Para responder a
essa e a outras eventuais questões, levaremos em consideração o fato de que, provavelmente, a descrença na
função morigeradora da literatura é
fruto do pessimismo de um romancista que não vê em sua obra um instrumento regulador da
sociedade; por isso, não transmite ensinamentos, nem tampouco propõe
soluções para os problemas sociais.
---
Fonte:
Tatiana De Fátima Alves Moysés: “Camilo
Castelo Branco: a moral a serviço das conveniências”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Literatura Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre
em Letras. Orientador: Prof. Dr.
Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2011.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade. Disponível em: www.teses.usp.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário