04/05/2014

Obras Seletas de Rui Barbosa

 Obras Seletas de Rui Barbosa
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Rui Barbosa: Estratégias de atuação política


Rui Barbosa atuou como deputado geral, no Império, por apenas seis anos. A partir de 1884, perdeu todas as eleições que disputou. Apesar disso, em 1889, não somente foi cotado para ser ministro como, após a proclamação da República, era considerado um dos principais homens do novo regime. Como se explica a discrepância entre seu desempenho partidário declinante e sua crescente relevância política?

A explicação reside no fato de que a tribuna parlamentar não era o único espaço de debate político na sociedade brasileira das últimas décadas do Império. Havia a rua, os cafés, os teatros, as associações e, principalmente, a imprensa (MELLO, 2007). Embora dirigida aos letrados, que constituíam uma parcela reduzida da população, a imprensa conseguia atingir um público bem mais amplo do que o círculo dos conchavos partidários. Para esse público, especialmente para os que não vinham encontrando espaços para ascender no sistema imperial, quanto mais crítica a postura de Rui, quanto mais incisivos seus ataques, mais interessante e destacado ele se tornava. Sua palavra começou a ganhar, assim, um valor diferente. Ele já não era apenas mais um político tentando fazer carreira na Corte. Era Rui Barbosa, o mestre do verbo, manejando com destreza as armas cortantes da retórica e da erudição.

Foi através do jornalismo, portanto, que Rui conseguiu converter a marginalização relativa a que estava submetido em um trampolim para alcançar novos horizontes na política: arriscava, assim, seus primeiros volteios de “águia” em vôo solo.

Diferente, quase oposto, foi o caminho traçado por Seabra. Como Rui, ele era desprovido de recursos financeiros e não vinha de família tradicional. Precisava, igualmente, do apoio de chefes estabelecidos. Mas, sem dispor, como Rui, de uma porta aberta no Partido Liberal, Seabra tentou estabelecer relações com elementos prestigiosos do partido que detinha o poder. Sua estratégia de inserção, portanto, foi tentar encontrar espaços por dentro do sistema. Apesar de não ter conseguido sequer um mandato em todo o Império, não se pode dizer que ele tenha fracassado. Afinal, Seabra obteve a cátedra em Recife, posição de muito prestígio, além de um emprego de promotor. Com a instalação da República, soube ser flexível e ágil para conquistar um mandato em meio ao atordoamento que parece ter tomado conta de parte da elite baiana. Dava mostras, assim, de grande capacidade de compreender a dinâmica do jogo do poder, como jovem“raposa” política que era.

Essas diferentes estratégias repercutem no desenvolvimento político posterior dos dois baianos. No caso de Rui, o impacto de sua palavra jornalística, estendido mais tarde à tribuna do Senado e aos meios jurídicos, favoreceu o surgimento de uma relação especial com os dirigentes baianos na República: uma relação baseada no respeito, na reverência e, às vezes, no temor.

O marco inicial dessa relação foi a proclamação da República, que assinalou a ascensão definitiva de Rui ao primeiro patamar da política nacional. Além de ministro da Fazenda, ele era vice-chefe do governo provisório, com influência notória sobre o chefe, marechal Deodoro da Fonseca. Foi um dos principais formuladores da primeira Constituição republicana e até sugeriu o novo nome oficial do país: Estados Unidos do Brasil. Por influência de Rui, o governo da Bahia foi entregue a Manuel Vitorino, seu antigo colega de Partido Liberal, no lugar do republicano histórico Virgílio Damásio, que já havia assumido o cargo (SAMPAIO, 1998, p.59).

Desde esses primeiros momentos, firmou-se uma espécie de entendimento tácito entre Rui e os governantes da Bahia republicana – um entendimento que teve seus momentos de tensão, mas que era geralmente respeitado, ao menos até a ascensão de Seabra. Baseava-se, por um lado, no reconhecimento da autoridade de Rui no plano nacional e na renovação de seu mandato no Senado, sua principal tribuna. Em troca, o senador não interferia na política estadual de forma ostensiva, deixando espaço para os governadores conduzirem seus arranjos. Os dirigentes baianos reconheciam seu brilho do conterrâneo e louvavam suas qualidades, o que também era uma forma de mantê-lo distante, longe da Bahia. Seus poucos afilhados políticos eram incluídos nos partidos governistas, não configurando uma corrente à parte. Rui não tinha nem jornal próprio na Bahia, pré-requisito para todo agrupamento político do período. Apesar disso, sua ascendência era grande.

A influência de Rui na política baiana ocorria, basicamente, de duas formas. A primeira era a forma comum: o aproveitamento de sua inserção no primeiro escalão da política nacional, com tudo que isso significava em termos de influência, benefícios, cargos e vantagens. Como político baiano de destaque nacional, era esperado que ele, não só defendesse projetos de interesse da Bahia, ou dos seus aliados na Bahia, como tivesse condições de beneficiar “amigos” baianos na obtenção de vantagens. Era o mundo da “pequena política”, que se explorará com mais detalhes no segundo capítulo. Por ora, basta assinalar que Rui era o único baiano com prestígio comparável ao da “constelação de estadistas” baianos do Império. Como estrela solitária no céu da República, ele se tornou um interlocutor fundamental da elite baiana junto ao poder central.

Não por acaso, partiram da Bahia mais de 30% do total de pedidos enviados a Rui, quando ministro da Fazenda (CARVALHO, 2000).

A segunda forma de influência de Rui na política baiana era bem menos comum – na verdade, era única. Derivava do peso atribuído nacionalmente à sua palavra, que inibia os dirigentes da política baiana de tomarem qualquer atitude que o contrariasse. A questão é que, mesmo em seus longos períodos de oposição ao governo federal, ele atuava no espaço público com grande visibilidade, nos jornais, no Senado e nos tribunais. Para os políticos dominantes na Bahia, era importante ter Rui como aliado, pois ele era um adversário a temer. O governador Luís Viana expressou claramente esse sentimento, em 1896, ao então correligionário Severino Vieira, que tentava convencê-lo a não renovar o mandato de Rui no Senado, visando agradar ao governo federal. Escreveu Luís Viana:

O Rui é um baiano, um brasileiro, tão eminente que, sem grave responsabilidade, não poderíamos assumir o compromisso de excluí-lo da representação do país (...). Receiam o Rui? Ele nos faria mais mal fora do Parlamento. Não se lembra do que se deu por ocasião da exclusão acintosa dele do Ministério Ouro Preto? (VIANA FILHO, 2008, p. 382-383).

Luís Viana lembrava que, em 1889, contrariado em seus planos pelo visconde de Ouro Preto, Rui assentou suas baterias contra o Império, em campanha jornalística memorável, que contribuiu para criar o clima favorável à derrubada do regime. Qual poderia ser o efeito de seu verbo enfurecido contra o grupo que controlava o governo da Bahia? O governador sabia que, mesmo sem estar no auge da popularidade e da força naquele momento, Rui ainda podia contar com a imediata repercussão de suas palavras em todo o país.

Em 1896, com efeito, a situação política de Rui não estava tão lisonjeira como nos primeiros anos da República. Pesava contra ele amemória de sua atuação como ministro da Fazenda, que resultou em forte descontrole inflacionário. Não se discutirá aqui a política econômica que deu origem ao famoso “encilhamento”. Basta registrar que, ao sair do ministério, em janeiro de 1891, em meio à demissão coletiva dos ministros de Deodoro, Rui carregava uma marca que jamais o deixaria: a do ministro que provocou o maior surto especulativo vivido no país até então. Além disso, os adversários lançavam suspeitas sobre seu enriquecimento, apontando como evidência de sua “vida de nababo” até o brilho dos vestidos de Maria Augusta, sua esposa (GONÇALVES, 2000, p. 78-79; OCRB, v.XX, 1893, t.I, p.43).

Após a saída do ministério, as relações de Rui com o poder central ficaram tensas. Em 3 de novembro de 1891, ele criticou o marechal Deodoro pelo fechamento do Congresso e, vinte dias depois, apoiou o contragolpe dado pelo vice-presidente Floriano Peixoto. Mas o novo presidente decidiu derrubar todos os governadores deodoristas, inclusive José Gonçalves, da Bahia, aliado de Rui. O senador baiano não podia aceitar essa interferência. Inicialmente, ele pediu a Floriano quemantivesse seu aliado. Não sendo atendido, partiu para uma feroz oposição. Mostrava-se aí, claramente, a importância da política baiana na atuação nacional de Rui Barbosa. Ninguém podia interferir nos negócios da Bahia sem esperar uma reação sua (GONÇALVES, 2000, p.80).

O Brasil vivia um período de turbulência política. Em abril de 1892, Floriano Peixoto recebeu o “manifesto dos 13 generais”, contra sua permanência no cargo. Em represália, os generais foram reformados e foi decretado o estado de sítio. O governo também mandou prender e desterrar manifestantes civis, incluindo alguns parlamentares que participaram de uma manifestação pró-Deodoro. O senador Rui entrou com habeas corpus em favor dos desterrados. Ao descrever o infortúnio dos presos, na peça jurídica, narrou a seguinte cena:

Outro desterrado, senhores juízes, membro do Congresso, lente de uma faculdade jurídica, passou por convícios de tal ordem, que as lágrimas lhe arrasavam os olhos, e a mão, que não podia levantar-se contra os baldoadores seguros da superioridade material, mostrava, como a mais irrefragável das respostas ao insulto, uma cédula de vinte mil réis, soma total da riqueza com que ele partia para o desterro indefinido (OCRB, v.XIX, 1892, t.III).

O homem que partia para o desterro em lágrimas, brandindo uma nota de dinheiro no ar, era o deputado federal J. J. Seabra, que também vinha se batendo contra o florianismo. Nessa época, os dois baianos combatiam lado a lado, e tinham uma relação amistosa, embora não de igual para igual. Era marcante a diferença de importância política entre os dois, que transparece no tom subserviente das cartas de Seabra do período, guardadas no arquivo de Rui (ARB). Diante do prestígio do seu “eminente mestre”, Seabra era apenas um iniciante. Mas, um iniciante que não perdia oportunidades de chamar atenção no cenário nacional.

De fato, Seabra estreou na política com todo o ímpeto que o caracterizava. Na sessão solene de instalação da primeira Assembléia Constituinte republicana, foi o primeiro deputado a solicitar a palavra. Manifestou-se para pedir a nomeação de uma comissão para cumprimentar o marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório. A proposta foi aprovada por unanimidade, pois votar contra seria uma desconsideração ostensiva ao generalíssimo, embora já existisse uma oposição articulada em torno do vice, Floriano Peixoto. O episódio é indicativo da estratégia que Seabra adotaria repetidamente na República: assumir posições destacadas, através dos seus recursos de oratória e da disposição de se expor sem restrições, firmar alianças nacionais e, através disso, fortalecer sua posição na Bahia. Era uma atuação por dentro do poder nacional e, simultaneamente, a partir de fora, em relação à política baiana.

Sua aproximação do marechal Deodoro foi logo recompensada. Ainda em 1891, aos 36 anos de idade, Seabra foi nomeado diretor da faculdade de Direito de Recife. Chegou a tomar posse, mas ficou pouco tempo no cargo. Suas aspirações acadêmicas já haviam passado definitivamente ao segundo plano, em relação à política.

Como deputado federal, Seabra apoiou os atos do governo provisório, inclusive a gestão de Rui no ministério da Fazenda e o plano do encilhamento. Aplaudiu também outra medida polêmica proposta pelo ministro Rui: a queima de documentos ligados à escravidão, sob o argumento de evitar pedidos de indenização pelos senhores – exatamente o contrário do que Seabra pregou em sua atividade como “abolicionista”. O deputado não somente votou a favor da queima, como propôs ao Congresso uma moção de congratulação com o “patriótico Governo Provisório, que acabou de uma vez para sempre com aquilo que era nossa vergonha, a página negra da historia do Brasil”. A moção foi aprovada, com 83 assinaturas (ACC 1890/1891, p.193).

Como deodorista entusiasmado, Seabra se engajou na oposição a Floriano Peixoto, quando este assumiu o poder. Em 1892, participou da manifestação já mencionada, foi preso e desterrado numa região inóspita da Amazônia. Não se tratará aqui das aventuras de Seabra no desterro, contadas por seus biógrafos: suas narrativas incluem conspirações de fuga, taperas perdidas na selva, sonhos premonitórios e um episódio de malária que quase matou o deputado baiano. Ao retornar ao Rio de Janeiro, ele continuou na oposição a Floriano Peixoto na Câmara. Naquele momento, portanto, Rui e Seabra atuavam do mesmo lado no cenário nacional. Os dois sofriam as conseqüências de ser oposição, em um período de grande tensão política.

Após a defesa que fez dos envolvidos na Revolta da Armada, em setembro de 1893, Rui Barbosa foi perseguido pelo florianismo e teve que deixar o país. Depois de algumas idas e vindas, acabou se exilando na Inglaterra. Seabra também se envolveu com o movimento, chegando a embarcar no navio Aquidabã com os rebeldes. Com o fracasso da revolta, refugiou-se no Uruguai. Ao regressarem do exílio, tanto Rui como Seabra teriam que se esforçar para recuperar seu espaço no jogo de poder baiano e nacional.

Esse foi, provavelmente, o momento politicamente mais difícil para Rui na República. Quando seu mandato no Senado expirou, em 1896, alguns dirigentes da Bahia pensaram em não renoválo, para agradar a Prudente de Morais, sucessor de Floriano. Os aliados do presidente desejavam eliminar Rui do Senado, para evitar que ele se tornasse, mais uma vez, um opositor incômodo. Foram essas as circunstâncias da carta de Severino Vieira a Luís Viana, já citada. Mas, o medo de desagradar Rui foi mais forte do que a vontade de agradar ao presidente. Luís Viana assegurou a eleição de Rui para o Senado, para um novo mandato de oito anos.

No caso de Seabra, a situação era mais difícil. Sua expressão política era infinitamente menor. Ao regressar do exílio, seu primeiro mandato de deputado federal já havia acabado, e ele teve que reassumir a cátedra em Recife. Nas eleições de 1896, buscou apoios para retornar ao Congresso. Mas, ao contrário de Rui, ele não contava com a boa vontade de Luís Viana. Conforme Dunshee de Abranches (1973, apud SANTOS, E., 1990, p.27-28), o governador teria dito que a candidatura de Seabra era repelida pelos baianos e que, “só em caso de desespero”, o partido dominante adotaria o nome “desse fazedor de conspirações e de revoltas”. Como se vê, tanto Rui como Seabra haviam ficado estigmatizados pela atuação na oposição. A exclusão de Seabra também atendia a pedidos do governo federal, especialmente do deputado paulista Francisco Glicério, que era muito influente junto ao novo presidente, Prudente de Morais.

Para furar essa barreira, Seabra recorreu ao tio, almirante Manuel Alves Barbosa, que havia sido designado ministro da Marinha, ao próprio senador Rui Barbosa e a Manuel Vitorino, que havia sido eleito vice-presidente da República. O apoio deste último parece ter sido decisivo. Segundo um relato do juiz Paulo Martins Fontes, em carta ao barão de Jeremoabo (SAMPAIO, 1999, p. 126-127), Vitorino praticamente impôs o nome de Seabra na chapa governista para a Câmara, ao mesmo tempo em que tentava remover Rui do Senado. No tocante a Rui, essa versão contradiz as informações de Luís Viana Filho (2008, p.380), que informa que Manuel Vitorino defendeu essa candidatura ao lado de seu pai, Luís Viana. Os dois teriam resistido às pressões anti-Rui de Severino Vieira, Prudente de Morais e Francisco Glicério.

É difícil saber que interesse tinha Manuel Vitorino na eleição de Seabra. Pode-se imaginar que os dois tenham firmado algum acordo sobre a atuação do deputado na defesa do governo. Quanto a Rui, tanto o apoio quanto a rejeição de Vitorino são verossímeis. O vice-presidente era amigo de Rui desde o Partido Liberal monárquico. Em 1893, em uma conferência na Bahia, os dois se saudaram como “irmãos” (OCRB, v.XX, 1893, t.I, p.23). Por outro lado, como membro destacado do novo governo, Manuel Vitorino pode ter buscado contribuir discretamente para a eliminação de um opositor, atendendo ao que desejavam o presidente e seus aliados.

Eleitos, como se viu, com grandes dificuldades, Rui e Seabra seguiram em suas atividades políticas. Rui, como esperado, partiu para a oposição a Prudente de Morais, não somente no Senado, mas também na imprensa e nos tribunais, advogando em causas contra os interesses do governo (GONÇALVES, 2000, p.96-97). Manteve essa postura também em relação ao presidente seguinte, Campos Sales. Em 1898, fundou um jornal, A Imprensa, que se tornou sua tribuna preferencial para atacar o governo, mas o veículo teve dificuldades financeiras e fechou. Apesar do sucesso como jornalista, da repercussão das suas críticas, a vida na oposição era muito difícil. Na Bahia, a situação de Rui ainda permanecia a mesma, embora sua influência provavelmente tenha diminuído com a ascensão de Severino Vieira ao governo, em 1900.

Quanto a Seabra, o retorno ao Congresso, em 1896, foi a oportunidade de voltar a se agarrar às engrenagens do poder, apoiando-se nos elementos certos para subir. Eleito contra a vontade do presidente, ele conseguiu retomar a estratégia de se destacar como governista, articulando-se ao grupo que pretendia reduzir a influência de Francisco Glicério no governo. Em maio de 1897, propôs ao Congresso uma moção de congratulações a Prudente pela repressão da revolta da Escola Militar, ocorrida naquele mês. A chamada “moção Seabra” – que teve grande repercussão e ajudou a projetar o nome do deputado baiano – foi uma manobra para revelar as conexões de Glicério com os rebeldes. Sem poder subscrever a moção, pois estava realmente ligado aos jacobinos da Escola Militar, Francisco Glicério teve que deixar a liderança do governo. Foi uma vitória do grupo de Seabra, que ampliou seu espaço na base governista.

As relações de Seabra com Prudente de Morais se estreitaram quando o deputado baiano atuou como advogado da família do marechal Bittencourt, ministro da Guerra, morto ao defender o presidente no atentado de novembro de 1897. Seabra acusou os supostos mandantes do crime, inclusive o vice-presidente Manuel Vitorino, que teria se envolvido com os conspiradores para permanecer na Presidência (ele havia assumido o cargo entre novembro de 1896 e março de 1897, quando Prudente se afastara por problemas de saúde). Articulado ao grupo prudentista, Seabra não hesitou em acusar Manuel Vitorino, a quem devia sua eleição para o Congresso. Sob o pseudônimo Caneca (herança da vivência pernambucana), mandou publicar artigos na Gazeta de Notícias (RJ), atacando o vice-presidente e o juiz Afonso de Miranda, responsável pelo caso, que excluiu Vitorino do rol de acusados. O tom dos artigos era de confrontação direta:

Que consciência reta não se achará alarmada e sobressaltada diante do desplante com que o Sr. Afonso de Miranda teve a coragem de vir, lampeiro, afirmar ao Brasil e ao mundo que não encontrou no processo, inquérito e formação de culpa, indícios veementes da criminalidade do homem [Manuel Vitorino] para quem seus amigos já cogitaram de requerer um habeas corpus preventivo, de um homem apontado pela opinião pública como conspirador e co-autor do indigno e infame atentado de 5 de novembro?! (...)

Desde o dia em que o sr. Manuel Vitorino tomou posse do cargo de presidente da República, no impedimento, por moléstia, do dr. Prudente de Morais, que conspira contra o presidente a fim de empolgar o poder, não escolhendo os meios, de modo a concordar com a eliminação dele pela garrucha de Marcelino Bispo (CANECA, 1898, p.VI-VII).

Seabra prosseguiu na linha entusiasmadamente governista durante o governo de Campos Sales. O presidente, no início do mandato, não simpatizava com o deputado baiano, considerando-o “turbulento, agitador e ignorantão” (SANTOS, E., 1990, p.30-32). Pouco depois, ele já assumia o importante cargo de líder do governo na Câmara, destacando-se na defesa do empréstimo do tipo funding loan. Foi reeleito em 1899, sem dificuldades. Com apoio de Campos Sales, Seabra conseguiu ser nomeado ministro da Justiça e Negócios Interiores, no mandato do novo presidente Rodrigues Alves, que se iniciou em 1902. O ministério foi a porta de entrada para Seabra ingressar no primeiro escalão da política brasileira, e o impulsionador de sua primeira tentativa de estabelecer um projeto de domínio político da Bahia.

Coincidentemente, a gestão de Rodrigues Alves também assinalou uma importante inflexão na trajetória de Rui Barbosa. Desde a saída do ministério de Deodoro, ele havia feito oposição a todos os presidentes republicanos. O próprio nome de Rui já estava simbolicamente vinculado à idéia de oposição, de crítica, como assinala Gonçalves (2000, p.107). Porém, a continuação dessa atitude vinha colocando em risco sua sobrevivência política. Até mesmo o mandato de senador pela Bahia já havia sido ameaçado, e Rui não pretendia resumir a ele sua atividade. Suas ações indicam que ele desejava atingir a presidência da República, onde poderia colocar suas idéias em prática. A atitude de eterno opositor tornaria esse projeto inviável. Por tudo isso, em 1902, Rui decidiu apoiar a presidência de Rodrigues Alves, seu antigo colega de faculdade. A adesão foi formalizada em um “verdadeiro ritual de passagem”, descrito por João Felipe Gonçalves:

O ritual se deu em 22 de abril de 1903, quando Rui presidiu um banquete oferecido a Pinheiro Machado, vice-presidente do Senado e agente fundamental do poder oligárquico. Também tocou a Rui fazer o brinde de honra a Rodrigues Alves, instituindo ritualmente sua adesão ao governo. Seu discurso reforçava a nova posição: afirmou que os mesmos “princípios de liberdade e justiça, de legalidade e democracia” que tinham sustentado sua oposição levavam-no agora a apoiar o novo presidente. Rui dizia ver nele as promessas da “recomposição moral do regime”. Por isso, assegurava: “O meu apoio é como minha oposição: sem rodeios” (GONÇALVES, 2000, p. 107-108).

Ao lado de Pinheiro Machado, o senador baiano agora iria atuar também por dentro do regime, articulando as forças estaduais que sustentavam a República. Dentre essas forças, estava a de sua terra natal, então governada por Severino Vieira e prestes a sofrer as investidas do ministro Seabra. Esses dois elementos políticos ameaçavam atrapalhar a relação consagrada de Rui com o situacionismo baiano, justamente quando o senador precisava de aliados fiéis para seu projeto presidencial. Mas, para compreender como essas forças se conjugavam, será preciso olhar mais de perto como se processava a dinâmica política da Bahia republicana, o que também ajudará a entender outras características da atuação de Rui e Seabra.”


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Fonte:
Silvia Noronha Sarmento: “A Raposa e a Águia J. J. Seabra e Rui Barbosa na Política Baiana da Primeira República”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Antônio Fernando Guerreiro Moreira de Freitas). Salvador, 2009.

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