18/05/2014

O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco

 O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco
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A mocidade heróica de Joaquim Nabuco
(Conferência realizada em 22 de Abril de 1915)

Por: Graça Aranha

No espelho da minha Saudade se refletem de Joaquim Nabuco três imagens: a imagem da beleza, a da inteligência e a da Bondade. A fusão misteriosa dessas três representações distintas em uma só e irredutível imagem faz de Nabuco a mais feliz expressão da nossa raça. E essa beleza é a da nossa maravilhosa terra exuberante, e nesse pensamento e nessa alma sentimos a essência da nossa sensibilidade. Por mais que o seu espírito recebesse e reproduzisse a influencia européia, ele não é um acidente em nossa vida; pelo seu brilho e magia ele é nosso, sai do nosso chãos, como a flor de toda a nossa floresta sentimental.

A IMAGEM DA BELEZA
A flor humana é o supremo resultado do esforço da raça e da civilização. Essa flor será o gênio ou a beleza e um povo se deve orgulhar tanto do seu maior poeta, dos seus santos, como da mais perfeita forma humana. O milagre grego não foi mais sublime se revelando no gênio de Platão do que na beleza de Frinéia. Há no inconsciente das espécies uma inexorável vontade, que vem vindo imperiosamente na urdidura secreta da forma, corrigindo, vencendo cada imperfeição, desenvolvendo cada feliz indicação, adelgaçando, esbatendo, dando sombra e luz para chegar afinal á triunfante harmonia das linhas e ao divino esplendor da expressão. Assim a criação da beleza traduz o labor incessante da cultura na matéria universal e o grande artista é o Tempo, subtil e infatigável. A beleza em Joaquim Nabuco exprime o entusiasmo dessa vitória. No primeiro instante ele tem da nossa vegetação e do nosso sol a força e a radiação, formando-se assim a unidade integral com a natureza de que foi uma admirável manifestação. Mais tarde ele atingirá aquela serenidade que é na grande e avassaladora desordem tropical o indiferente e longínquo ideal a que aspiramos.

Da própria violência da nossa natureza, da sua alucinadora ascensão, nasce o misterioso desejo da liberdade do nosso espírito e essa anciã por uma sossegada contemplação estética, porque persiste em nós uma alma antiga que se perde nas forças deste mundo, que lhe será eternamente estranho. E nesta deliciosa angustia está talvez o encanto brasileiro, esse encanto que deu á beleza de Nabuco a doçura na exuberância, a meiga fascinação no ardor, e que nos leva a sonhar com a outra remota raiz da sua beleza, essa de helênica progênie e que se transfigurou na fusão com as raças extasiadas das outras margens do Mediterrâneo sagrado. E nesse encontro da raça antiga e da natureza tropical está o segredo da beleza brasileira que vindo do passado aqui recebe a onda de luz, que lhe dá a irradiação e a magia. Joaquim Nabuco teve na sua beleza uma suprema iniciação para a vitória. É possível que numa clara fonte das águas cristalinas onde nasceram os alegres córregos de Massangana, o engenho de Pernambuco, paraíso da sua primeira existência, ele mirasse a sua divina imagem de adolescente. Foi a revelação. Mas seguramente o grande infortúnio da solidão estética não o acabrunhou, e nem a perdida admiração que não encontra mais consolo em outra forma rara o tornou desgraçado... Nabuco se vendo belo e perfeito adquiriu essa força indispensável ao triunfo, a segurança em si mesmo e assim a beleza lhe deu a encantada chave para a dominação e a supremacia. Na mocidade essa beleza se tornou soberana e uma admiração universal a prestigiou no enlevo votado a uma gloria nacional.

A IMAGEM DA BONDADE
Essa suprema alegria da beleza dá desde logo a Nabuco todo o heroísmo tropical em que o espírito e o coração cheios de seiva e aspirando ao infinito não tardam a atingir a altitude luminosa e serena da abnegação. No principio a conquista do mundo o atrai, e ele exerce a sua magnífica atividade no conhecimento. A vida se lhe oferece na sua maravilha estética. Nabuco teve o deslumbramento do universo e a sua alma se eleva na admiração. Foi o traço inicial da grandeza espiritual que jamais foi diminuído pelo cepticismo. Na fé está a fonte sublime da bondade de Nabuco. Se o subtil veneno da duvida o tivesse tocado, ele não teria tido a abnegação que foi como o esplendor do seu caráter. Esse absoluto desinteresse ele o praticou quando fez o ato da grande renuncia para se votar ao serviço da libertação dos escravos. ele venceu-se a si mesmo para realizar a vitória sobre os outros.

E toda a sua vida se passa nesta disciplina que o leva da dedicação á causa publica ao ascetismo intelectual e á santidade dos últimos anos. Ao chegar neste passo definitivo da existência ele não busca mais a expansão externa, ele almeja a perfeição interior. A finalidade religiosa de Nabuco dimana da inspiração secreta da sua alma. Ele é um místico, mesmo na política, pois não é outra a expressão do seu idealismo, a ilusão das entidades, toda a sua arquitetura do edifício social e a do próprio universo, e por isso a sua religião não é política e nem exclusivamente dogmática, antes é uma doce conversação com Deus em cuja misericordiosa confiança ele repousa. Para Nabuco o “mistério” foi sempre uma grande atração. Ele esteve diante dos enigmas da vida na postura da indagação, pronto a receber a luz da revelação como esta lhe chegasse. Ele deixou por longo tempo que as forças inconscientes do espírito procedessem livremente, ora o levando muito longe no vôo da arte mística até esse maravilhoso instante em que o ideal se mistura e se confunde á realidade, em que as criações da imaginação são tão vivas, tão intensas na luz rara e diáfana do sonho que parecem a imagem, a essência da realidade, e em que as formas reais se esvaem e se extinguem em sonhos... Ora afastando da inteligência tudo que lhe vinha como inspiração estranha, como disciplina de outros pensamentos para permanecer no estado de simplicidade, em que a fé prepara a explicação definitiva do mistério que nos guia nos caminhos da vida. Tudo é uma grande abdicação no poder de Deus e o mundo é o reflexo da vontade divina e a nossa existência uma descuidada viagem sob a luz das estreitas, uma peregrinação na terra com a volta ao céu... É a existência profunda com a esperança no futuro. O mundo é a alma! e essa alma é o sopro divino na matéria contingente e que tornará a Deus sem se recordar do duro cativeiro, em que padeceu as saudades da Essência de onde emanou. Tal foi a alma religiosa de Nabuco e delia nos ficou para sempre como reflexo sublime a imagem da bondade.

A IMAGEM DA INTELIGÊNCIA
A outra imagem é a da inteligência. E se nesta há um traço predominante é o da imaginação, que em Joaquim Nabuco ainda é uma expressão da sensibilidade, pois, se ele foi um dos que mais teve a faculdade de idealizar, as suas idéias não foram puras abstrações. Eram a veste vaporosa de sentimentos. Desde a mocidade o que absorve a atenção de Joaquim Nabuco é o Estado, a construção social, e ele permanecerá até o fim como um grande pensador político. E ninguém pensou com maior desassombro, e se manifestou com mais profundo desinteresse correndo todos os riscos físicos por uma aventura intelectual. Mas nesta mesma audácia ele tinha o respeito. O seu temperamento não se alimentava do absoluto, e não se satisfazia na irremediável destruição. Joaquim Nabuco compreendeu a sociedade como uma organização hierárquica, e mesmo quando foi representante de um sentimento revolucionário, como o da abolição, invoca para completar a eliminação da instituição condenada o concurso das forças supremas da Sociedade — do Monarca e do Papa. É a relatividade do político que pratica a ação limitada pela ordem e pelo respeito. A limitação é uma forma de disciplina e a disciplina na nossa raça é um sinal de heroísmo.

A formação intelectual de Joaquim Nabuco foi anterior ao predomínio das ciências naturais na cultura, e assim ele será, apesar da profunda intuição que teve das leis da natureza, um espírito criado ao influxo do humanismo e a sua sensibilidade é a do Romantismo no instante em que este apenas se desprende do classicismo, no principio do século dezenove. Mas nesta sensibilidade ele trouxe para o Brasil o gosto europeu, a alta distinção intelectual, e uma expressão nova que nos liberta do velho estilo lusitano agora incapaz de reproduzir todas as cores do arco-íris da nossa poesia. Que importa que ele não possuísse essa intimidade com a língua portuguesa como ele mesmo reconhece numa dessas admiráveis confissões de relatividade que o engrandecem? No Brasil a perfeição clássica portuguesa não se pôde mais atingir. Quem escreve na língua de Camões e de Vieira ou mesmo na de Herculano e Camilo, escreve uma língua afetada e postiça. A língua exprime aqui a grande desordem tropical. É um tumultuoso rio em que varias correntes se despejam e as águas são turvas, porém, violentas e bravias, e ás vezes de uma livre e grandiosa beleza. A vida se desenvolve expansivamente na natureza como nos espíritos. Cada instante é uma nova afirmação do gênio humano sobre a infinita matéria e as relações entre estas forças se manifestam na fantasia das expressões felizes, novas, alegres de nascer.

De toda a parte chegam numerosas palavras que se impõem pela violência ou se afeiçoam jeitosas ás forças da atmosfera. Tudo é uma grande aluvião. A terra é movediça e o espírito sopra livre e fecundo... Há uma liberdade suprema para o gênio criador se revelar. É o delicioso momento de uma literatura, o maravilhoso instante da criação, em que se luta em fabricar de tanta matéria bela e informe a obra prima... Joaquim Nabuco nos dando o encanto novo do seu estilo foi um maravilhoso escritor da nossa moderna sensibilidade... Nesse pensador político há um magnífico artista porque se sente que as artes plásticas, e principalmente a escultura, dão fôrma ao seu pensamento e a musica o ritmo á sua frase. Se na beleza física de Joaquim Nabuco há o misterioso encanto da transplantação da raça européia á natureza tropical, a sua sensibilidade intelectual, ao contrario, é que transmitirá a essência da alma brasileira á cultura européia de que ele se embebeu... Por isso ele será sempre um grande imaginativo, um homem de fé e de entusiasmo, e a sua fidelidade á civilização latina ainda é um testemunho da sua imortal alma brasileira. A mais decisiva afinidade do seu espírito é com a França. Delia nos trouxe o gosto e o estilo e a paixão das idéias gerais. A Inglaterra o deslumbrou na mocidade, mas o que o impressiona na civilização inglesa não é a essência do gênio saxônio que se exprime no individualismo político, no protestantismo religioso, e no vago estético. O que o fascina é o imperialismo latino, a grandeza humana da Inglaterra, é o Estado, a Construção política, que é o sinal da latinidade na civilização inglesa. O que ainda o encanta é o estilo cicerônico dos escritores, o humanismo inglês que faz da Inglaterra a outra face da imagem de Roma.

Da alma brasileira ele terá sempre a força entusiástica, o dinamismo que exalta a vida universal, e do qual não lhe apartou a fascinação que lhe causou o maravilhoso espírito hesitante de Renan. A influencia de Renan sobre Nabuco foi apenas externa, a da tentadora graça literária e a da aristocracia espiritual. E se recebeu de Renan essa suave influencia, ele ficará estranho ao renanismo. Como acontece muitas vezes, os grandes criadores de sistemas não são os verdadeiros e mais legítimos representantes das escolas ou das simples atmosferas sentimentais que inspiraram e a que deram o seu nome. O renanismo não tem talvez em Renan a sua mais genuína expressão. O que constitui a essência do renanismo é a duvida, a não afirmação, e essa extrema indulgência vinda da compreensão absoluta e ilimitada do universo e de toda a vida fenomenal. No entanto Renan acreditava na ciência e algumas vezes foi afirmativo e implacável na sua negação de todo o misticismo. Sob este aspecto Renan não foi renanista, como Nabuco, que da escola só teve a elegância do diletantismo intelectual, mas ficando sempre homem de fé e de afirmação. Ele afirmou o direito absoluto da liberdade, afirmou o destino político do Brasil na coexistência internacional e a sua ação intelectual teve o heroísmo que faltou a Renan, enleado no perpetuo compromisso da ironia. Esse espírito vacilante não o teve Nabuco, e nunca a duvida foi um pretexto para se libertar do esforço da atividade. Não seria ele que, diante da trágica transformação ou da irremediável dissolução do nosso país, diria desdenhosamente: "O Brasil morre; não perturbemos a sua agonia"...

Ele guardaria em sua alma a grande dor e tentaria o supremo esforço da nossa salvação. Ah! se ele existisse nesta hora terrível! A sua fé faria um grande milagre, porque só a confiança em nosso destino imortal e a dedicação suprema de toda a nossa vida a esse destino nos darão a redenção. Para nos salvar o seu coração e o seu gênio nos indicariam a sublime ação do amor a este país a que pertencemos pelo sangue, pela carne e pelo pensamento.

Não é somente a guerra que estremecendo as nações faz surgir a maravilha da união e a ressurreição do ideal! Outras misérias podem fazer igual prodígio, e assim diante da Pátria combalida já é tempo de entrarmos numa grande reconciliação nacional, como a base da nossa renovação. Seria o milagre do Amor e da Fé, que Renan não compreendeu em França mas que a fatalidade veio cumprir...

A AÇÃO
A atração que a Europa podia ter exercido sobre Joaquim Nabuco não foi tão preponderante que o Brasil não viesse afinal se apoderar do seu espírito e do seu destino, e foi aqui que ele exerceu a sua gloriosa ação política e literária.

Neste país em que a natureza é uma prodigiosa magia que entretém nas almas um perpetuo estado de deslumbramento, e em que o espírito do homem se exalta e a imaginação enche de fantasmas, de lendas, de mitos o espaço da separação entre eles e o universo, é singular que a literatura não seja o espelho dessa imaginação alucinada e que ela se apresente em geral modelada na fôrma clássica da cultura européia. Será para iludir aquele terror inicial que é a origem e o criador da nossa metafísica ? Será uma reminiscência imperiosa da nossa formação lusitana?

O fato é que a nossa expressão literária é singularmente clássica, e que ela procura dominar, contrariar aquela fascinação da miragem, que algumas vezes se manifesta em nossos escritores e lhes dá a triste expressão de desvairados. Seguramente a essa influencia clássica se pôde atribuir também a grande lentidão do movimento literário brasileiro. Durante o século dezenove ficamos á margem das correntes que moveram a literatura européia, nesse período de grandes revoluções espirituais. O mesmo fenômeno de retraimento se deu em Portugal que permaneceu fiel á disciplina latina. O romantismo só veio a se produzir ali e no Brasil quando em França ele definhava e começava a ser substituído pelo realismo. Somente em 1856 Chateaubriand inspira os nossos grandes escritores nacionais. E a poesia romântica em Gonçalves Dias e Magalhães é paralela á poesia clássica, onde se compraz tradicionalmente a inspiração desses poetas. O realismo aparece entre nós com a mesma distancia de tempo.

Esse vagar só se pôde explicar pela muralha do classicismo que manteve o espírito estranho ás agitações, ás angustias em busca de novas expressões para essa terrível anciã de infinito que é toda a essência da arte, até que elas subam tanto e tanto que, como o mar impetuoso do sentimento e do desejo insofrido, se avolumem e desmoronem a muralha.

Como a literatura, assim foi a oratória. Oriunda dos seminários, dos colégios de padres, dos liceus, ela ostenta o molde em que se formou, e esse molde foi o da retórica latina. E em uma eloquência brilhante, clássica e formal de oradores humanistas, padres e parlamentares, seguimos o velho ritmo dos grandes modelos da antiguidade romana. O parlamento se tornou uma escola de oradores inspirados no mesmo espírito e seguindo o mesmo processo de que alguns se tornaram mestres e foram modelares. Os discursos elegantes, de fino e apurado dizer, eram compostos como exercícios de escola, e se distinguiram pelo lavor da retórica, pelos exórdios, pelas perorações, e muitos, como nas arcádias, eram celebrados por um arranjo escolástico, ou por uma frase como o do “sorites”, o da “ponte de ouro”, o da “pirataria em torno do berço”. Era um encanto! O parlamento, e sobretudo o velho Senado, pela eloquência desses mestres da palavra, pela medida, pelo esmero do gosto, pela moderação do espírito, pela elegância da expressão, era com mais propriedade aquilo que ainda não foi a Academia.

Nabuco aí entra quando começava a decadência do gênero. A grande era havia passado. Apenas restavam em muito poucos as exterioridades da forma acadêmica sem a magnitude do espírito criador. E se por acaso alguns anos antes, um tribuno se apresentara na Câmara trazendo o ímpeto, o movimento, a grande voz do povo, era como um bárbaro naquela assembléia de clássicos, a agitava, a adormentava, mas não a seduzia, nem a vencia... Nabuco trouxe para triunfar dos velhos moldes e renovar a eloquência que definhava o encanto supremo da sensibilidade do seu tempo e uma qualidade nova no Parlamento, a graça 1 De todas as formas da sedução ele possuía a mais rara, a sedução angélica! Uma pureza imaculada de espírito o isolava, o engrandecia e o envolvia em eterna luz diáfana. E dentro dessa luz ele caminhou do berço ao túmulo para remontar depois da morte ás origens estéreas da sua natureza. E nessa peregrinação na terra ninguém cumpriu um mais belo e claro destino, ninguém como ele, sendo o anunciador da liberdade, o demolidor de instituições, o redentor de outros homens, na sanha da peleja, pensou e proferiu mais doces palavras repassadas de resignação, de tolerância e de beleza, ninguém, como ele, viveu tanto da idéia pura, da sensibilidade estética e da emoção religiosa.

Ora, quando Nabuco entrou no Parlamento, os seus primeiros gestos foram de combater, e ele pode tudo ousar no seu apostolado, proclamar o direito absoluto de que era o paladino diante de uma assembléia atônita, expressão de uma sociedade firmada na mesma instituição que ele atacava. Ela lhe perdoou a temeridade desses arremessos feitos na sedução da graça intelectual e viu no sorriso que iluminava o semblante do orador transparecer o fogo de uma paixão imortal. Essa paixão era a da liberdade! A sua eloquência foi a dessa paixão. Pela primeira vez se ouviu no Parlamento um orador cuja sensibilidade tanto comovesse. Alguns podiam ter inflamado o auditório, lhe arrancado a fácil admiração pelo brilho da imagem, outros foram frios, clássicos. Nabuco foi o orador de um sentimento, nascido de uma idéia absoluta e que se veio enraizar no coração e na piedade de todo um povo, transformação maravilhosa para que ele concorreu com a emoção da sua eloquência.

Esse sentimento da abolição dos escravos se infiltrou no espírito de Joaquim Nabuco no instante do inconsciente infantil e levou longos anos até á sua magnífica revelação. Há nesse prodigioso acontecimento todo o verdadeiro mistério da vocação.

Imaginai Joaquim Nabuco na sua adolescência, aspirando o conhecimento do mundo, recebendo todas as impressões da beleza do universo, vivendo livre como uma força da natureza, imaginai- o na mocidade, submetendo ao seu espírito todas as expressões da existência, mas afastado de tudo que não fosse prazer intelectual ou sensação estética, imaginai essa gloria da flor humana, suntuária e distante, num indiferente jardim de delicias... e a um sinal do destino ei-lo de volta do paraíso do esquecimento e entrando no inferno da escravidão, sofrendo no seu coração transfigurado as dores de uma raça oprimida, Cavaleiro de peregrina forma, descendo á terra para combater por um ideal remoto, multiplicando-se numa atividade milagrosa, amando e fazendo amar pela paixão da sua alma os miseráveis de que é o redentor! Oh! magia posta no berço da criança pela resignação e doçura dos escravos ! O menino de Massangana, amamentado pelo leite da escravidão, adorado como um pequeno deus pelos negros da fazenda, surgia como o libertador do cativeiro, em cuja atmosfera se prepara a sensibilidade que o faria imortal. Foi o mais belo milagre da escravidão, o de haver formado o herói da sua própria redenção. E no espírito infantil a hora da iniciação do sentimento foi marcada por uma dessas impressões que ficam nas placas secretas da memória, esperando a revelação que o destino dará um dia... Assim foi que a sensação ainda vaga do grande infortúnio da escravidão se insinuou no espírito de Joaquim Nabuco num quadro inesquecível da sua infância. “Eu estava uma tarde sentado no patamar externo da casa, diz ele, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual se abraça aos meus pés suplicando-me pelo amor de Deus que o fizesse comprar por minha madrinha para me servir. Ele vinha da vizinhança, procurando mudar de senhor, porque o dele o castigava e ele tinha fugido com o risco da vida... Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava...”.

Depois dessa imperecível impressão vieram os difíceis anos de aprendizagem, os maravilhosos anos de viagem, mas se numa estância ou noutra da sua existência, Nabuco torna a essa fazenda de Massangana ele terá de haurir de novo, como num santuário da sua própria alma secreta, a força misteriosa do seu destino. Agora, na mocidade, já não são vivos os humildes formadores da sua infância, aqueles que lhe alimentaram a fantasia e a imaginação, e lhe contaram ingênuas e peregrinas historias... Tudo é morto em torno... É a infinita melancolia da desolação da tapera... E se Nabuco aí penetra, apenas dos velhos canaviais, soltos aos ventos, um murmúrio lhe chega como se fossem as lamentações dos escravos que gemeram no cativeiro e saúdam naquelas vozes longínquas e estranhas a predestinação do libertador... O solo sagrado da morte, o futuro herói calca-o aos pés... Ele caminha sobre as covas dos escravos e os vai chamando pelos seus nomes num carinho de outras eras...

Ninguém responde... Tudo é silencio debaixo da terra... Mas a resignação daquela mísera raça, a sua imolação ao nosso bem coletivo, o seu inaudito sacrifício se ostentam na sua força sublime a Nabuco, que no fulgor dos vinte anos ali mesmo sobre o túmulo dos desgraçados jurou votar a sua vida ao serviço da raça generosa "que por sua doçura no sofrimento emprestara até mesmo á opressão de que era vítima um reflexo de bondade!"

Dez anos se passam, são dez anos em que Nabuco faz a descoberta do mundo, é o ciclo das viagens em que ele se impregna das sensações da cultura e se deslumbra nas miragens da civilização. É a Europa e a América do Norte. São dez anos da sua formação estética em que ele reduz o universo a um maravilhoso espetáculo e tudo, homens e coisas, sociedade e terras são o alimento da sua curiosidade artística. É Londres com a sua impressão babilônica que o atrai e subjuga, é Paris na sua doce graça que o seduz, é Fontainebleau dando a imagem da ordem, da harmonia e da perfeição na natureza, e lhe corrige no espírito a notação violenta da paisagem tropical, é Ouchi com o seu lago que é uma encantada madrepérola, onde a miragem tudo transforma e onde parece ser a misteriosa morada da saudade e onde por horas mortas adejam as sombras dos ascendentes do seu gênio, as sombras de Rousseau, Chateaubriand, Benjamim Constant, Byron ! É depois a América do Norte que o arranca do êxtases estético e lhe mostra a sociedade em movimento... São os grandes espíritos que lhe explicam o mistério, os Renan, Thiers, George Sand, Scherer, e tudo é um delicioso olvido do seu próprio ser consumido na combustão do desejo de absorver as sensações supremas do mundo, que se refletem na luz, na fôrma, na cor, em que se fragmenta o universo, e nos espíritos que exprimem essa ilusão universal... Nestes dez anos Nabuco fez a volta das coisas e tornou ao ponto inicial da sua viagem sentimental, aquele sentimento profundo e dominante que a piedade pela desgraça dos escravos lhe havia inspirado na infância e na adolescência. São dez anos depois da sua visita aos mortos de Massangana. Nabuco entra na Câmara em 1879 e dá-se o pronunciamento abolicionista... É chegada a hora da revelação.

A ABOLIÇÃO E NABUCO
A Abolição foi uma idéia política que se fez todo o sentimento violento de um povo. Apoderando- se da emoção do país se tornou invencível, e na celeridade do seu movimento ela tudo arrebatou, tudo desmoronou e exigiu a contribuição de todos para o seu triunfo. O que fizeram a monarquia e os estadistas não foi mais do que satisfazer, como pacificadores, as imperiosas exigências da sensibilidade popular. E neste sentido a abolição foi um ato revolucionário, e ao mesmo tempo esse delírio de abnegação coletiva marcou na vida brasileira o mais belo instante da nossa emoção nacional. Cada um procurou exceder-se a si próprio e aos outros no desinteresse pela causa da redenção.

A principio a idéia apontou ao longe no espírito de alguns inspiradores. Pouco a pouco foi ganhando outras almas e mais tarde numa grande preamar se espraia pelo país inteiro. Há um repentino fervor de piedade, e que se deve chamai — a loucura da abolição! E são povoações que eliminam do seu recinto a escravidão, são províncias que se redimem, são senhores que se empobrecem alforriando massas de trabalhadores, são fazendas que numa vertigem de abnegação se imolam e se tornam em taperas desertas e livres, é o próprio trono imperial que, no esplendor da exaltação coletiva, se sacrificai... Nabuco foi um dos criadores desse imenso movimento de piedade em que também se expressou a instintiva previdência de um povo. E sob certos aspectos foi o seu maior herói. A Abolição, como se verificou, no seu curso irresistível, foi principalmente a manifestação da sensibilidade da raça negra, ou daqueles que provinham do sangue dessa raça, que deu na resignada tristeza da escravidão a energia para vencer a natureza hostil e infinita. Durante séculos nós fomos uma nação de senhores e de escravos. Joaquim Nabuco era a mais feliz e admirável expressão da aristocracia do Brasil, o seu interesse, a formação do espírito e mesmo as suas prisões ao preconceito da nobreza e da educação, tudo o levaria a desejar a perpetuidade da organização social da qual ele seria a flor e em que ele dominaria como representante da casta dos senhores. Mas tal foi a predestinação que a fatalidade sublime lhe reservara, talvez desde aquela divina iniciação da infância entre os escravos, e tal o secreto poder do pranto dos oprimidos em sua alma, que ele a tudo renuncia, ao domínio, á posição, ao repouso, e, indiferente á sua própria classe, se fez o apóstolo da liberdade, desceu á fonte das lagrimas, bebeu-lhes o amargor, sofreu sem uma queixa, sempre ardente, dando todo o seu ser, num magnífico dom de amor!

É a mais bela historia da mocidade no Brasil, essa em que tudo, sonho, aspiração, poesia, desejo da adolescência se transfiguram na aspiração suprema do sacrifício, na implacável e augusta chama da abnegação. É na alma a cristalização do ideal! E assim foi a divina ascensão desse espírito que renuncia ao que é vão e ocioso e no ascetismo, que é o sinal de uma paixão exclusiva e imortal, retempera as forças com que combaterá toda a sua vida. A sensibilidade de Nabuco se torna a sensibilidade de um povo de que foi o inspirador e o maravilhoso interprete, e a sua maior gloria será a de ter sido o orador da Abolição. É a imagem lendária que permanecerá em nossa lembrança e que se transmitirá para diante, e que será a da glória da eloquência brasileira.

Quando Joaquim Nabuco aparecia na tribuna era como um Cruzado, revestido da refulgente armadura da eloquência, a sua clara, alta e vibrante voz, soando como um clarim, tinha-se a impressão física de se verem os muros da escravidão se irem derrocando... No meio da peleja ele era o paladino que se procurava derribar. Então o assaltavam, o visavam pessoalmente, e não havia doestos, calúnias, arma pérfida ou daninha, com que os ânimos irados não o agredissem. Apenas um golpe o tocava ele, ardego, impetuoso, se arremessava sobre os adversários. Não era o salto da onça, que é tanto da gente das nossas selvas, pois nada havia de felino em sua natureza angélica, era antes o ata que do cavaleiro, a resposta da espada certeira e vingadora, o invencível gládio forjado no aço imortal da justiça e ele, combatendo, sorria e logo desprezando os ataques se voltava para aquele incessante coro das súplicas dos escravos e recolhia as queixas e amarguras do cativeiro, cantadas na soturna melopéia do inferno. Então a sua eloqüência derramava as torrentes de simpatia e compaixão que nos alimentava a piedade, e ele remontava ao céu da poesia, subindo (subindo numa ascensão de Arcanjo, num vôo de ave, como a cotovia que "quanto mais sobe mais canta e quanto mais canta mais alto sobe!..."

Ah ! quem o viu então! Alto, esbelto e gracioso, dominante a opulenta cabeça, nos rasgados e sombrios olhos o fogo das pupilas, gestos da elevação elegante das grandes aves, a audácia na inteligência e na voz musical um perpetuo hino, nos lábios misturando ao sorriso da vitória a onda da eloquência vibrando no ar e indo espraiar-se largamente num infinito de imagens...

Dir-se-ia a nossa grandeza tropical em toda a sua pujança, em todo o esplendor, se corporificando na natureza humana, se fazendo eloquência! Ah! quem o viu assim e indo da Câmara para a tribuna popular, fascinando as multidões, arrastando- as no seu entusiasmo e espalhando a centelha da redenção que lastrando pelo país inteiro se fez o raio que decepou a velha arvore da escravidão... Ah! quem o viu assim, que saudades !... E tal é a força do sentimento de que Nabuco foi o orador, que por ela um puro intelectual magnetiza e domina as multidões grosseiras. Por quê? Onde o segredo que tornou o movimento abolicionista tão impetuoso e triunfante? No sentimento da liberdade que é uma alavanca social invencível na piedade pelo escravo que é a expansão da nossa ternura, no orgulho patriótico a que repugnava a mancha negra, a mancha nacional.

E o heroísmo supremo de Nabuco está em ter sido a magnífica voz desse sentimento de liberdade, o poeta dessa compaixão, o vingador dessa vergonha coletiva. E para a sua missão nesta terra tudo deixou e a própria emoção estética que seria a preferida do seu espírito em outros instantes. Homem de coração e de inteligência aguda, nesse combate de todos os momentos, Nabuco não conheceu a medida do sacrifício na sua abnegação suprema, nem deixou de lado um instrumento que pudesse demolir a escravidão. Ele foi a atividade na sua gloriosa significação. Também para ele no principio è a ação. Exerceu-a no Parlamento, na praça publica, nos comícios, nos conselhos, na imprensa, nos congressos europeus, junto de um papa e por toda a parte, de onde pudesse partir um átomo da energia que viesse em nossa terra libertar escravos... Neste esforço sobre-humano, completado em plena força jovem, Nabuco transmite a tudo o fluido da perpetua renovação da vida que é o sinal da eternidade e em nossa memória, em nossa evocação, ele viverá como o símbolo da mocidade heróica em nossa raça.

O NACIONALISMO DE NABUCO
Nesse episódio da Abolição tudo é expressivamente brasileiro. Não só a maravilhosa ilusão exaltada e absoluta da piedade, tão nossa, come também o instinto político que o moveu no sei profundo e imperioso inconsciente, e se cumpriu eliminando a escravidão como um ato de finalidade nacional.

A escravidão tinha de ser suprimida, quando não fosse pela alavanca do sentimento, seria pele interesse político que obedecia a uma fatalidade histórica. No fim do século dezenove tal instituição era o impedimento ao surto de uma nação americana. Nesse século o fenômeno social mais expressivo foi a imigração dos povos. E a América foi o esplendido resultado desse fato novo. A imigração, por sua expansão, reclama novas terras, onde ela se alargue. Ela não poderia coexistir com a escravidão que seria o oposto da sua liberdade de movimento e da sua expansão. Os homens que, á margem da corrente sentimental, resolveram livremente sacrificar a escravidão à imigração dos brancos, prepararam a profunda transformação social do país. E assim Joaquim Nabuco também foi um iluminado político quando, um dos primeiros, combate a escravidão para servir ao supremo destino do Brasil. Desde então a fidelidade nacional do seu espírito é singularmente bela e toda a sua ação política é nacionalista.

Toda essa gloriosa formação do seu espírito na subtil atmosfera européia, as aquisições que ele fez do imortal patrimônio da civilização, tudo que o separava e o elevava, ele veio consumir magnificamente neste ardente anseio do seu país por uma maior grandeza moral entre os outros povos.

O sentimento nacional foi o pêndulo da existência de Joaquim Nabuco. Ele marcou no quadrante da sua vida política o mesmo e perpetuo ritmo: na mocidade Nabuco renuncia a todas as seduções do “lazzaronismo” intelectual, desprende-se do encanto mágico, que o retém longos tempos nessa floresta adormecida da arte, e vem se misturar ás dores e angustias da sua terra, e faz resolutamente o seu dever completo...

Na madureza ele mudou de campo de combate A principio lutou dentro da sociedade política foi parte principal do drama da formação nacional do novo Brasil, depois se retirou da ação meditando sobre os nossos destinos escreveu elaboração histórica deles e nos explicou a finalidade brasileira e a consciência nacional. Nesse momento augusto da meditação ele aumentou: sensibilidade das cordas do nosso poder de expressão literária e nos deu outras e mais raras vozes... Mais tarde, Joaquim Nabuco pela sua ação diplomática, concorre poderosamente para integração do Brasil na política do continente Ainda nesse ponto o seu sentimento nacional guiou e lhe deu esse maravilhoso instinto politico que jamais o abandonou.

A grandeza internacional do Brasil será tanto maior quanto mais preponderante for a sua posição na política americana.

Diante da Europa se firmará fatalmente a unidade política da América determinada pele finalismo continental e por ela nós participaremos dessa «elite» política que exprimirá os profundos desígnios da civilização. Foi o ultimo traço de gênio de Joaquim Nabuco e do seu nacionalismo E ainda nesse derradeiro instante ele medita sobre o mesmo tema do inicio da sua existência espiritual. É Camões que o inspira de novo e assim se fecha, com a perpetua e simples volta ao ponto de inicio, o ciclo da sua vida sentimental.

INVOCAÇÃO A NABUCO
Na angustia em que nós hoje interrogamos o destino é para o seu espírito que nos voltamos... Que ação seria a sua se ele tivesse a renovação do prodígio da mocidade e tivesse mais uma vez de nos dar o seu heroísmo? que combates combateria ? que novas esferas ele sonharia e para que alto firmamento ideal ele nos arrebataria na sua eloquência?...

Mestre! mestre ! Para onde vamos ? aonde esta frágil barca que se decompõe no temporal vai ser arremessada? onde o seu naufrágio ou a sua salvação ? quem responderá ?...

Tudo é um grande e infinito tumulto na antiga terra brasileira. Aquele doce remanso da velha sociedade em que se harmonizaram a vontade e a supremacia de uns e a obediência e humildade de outros, teve de findar. Uma imensa confusão fervilha; da terra surgem cobiçosos sonhos de gozo e volúpia expressos nos ardores de uma língua bárbara e no sangue de uma raça formada na fornalha dos desejos e revoltas.

Nesta confusão a consciência nacional se esvai; nós não seremos mais os mesmos no futuro, tudo o que vem do passado se desmorona e sem as correntes da tradição nós flutuamos ao capricho do destino nebuloso e incerto.

Onde a força que nos organize de novo e aos embates funestos do cosmopolitismo ofereça a formidável armadura nacional? quando se formará a "elite" social que seja a expressão da nossa consciência coletiva e nos conduza e nos mantenha firmes e grandes?

Por mais que a filosofia tudo considere, homens e povos, apenas como um acidente na grande inconsciência das forças universais, no terrível silencio do infinito, não podemos nos imaginar fora da sociedade que é a categoria da vida humana, como o espaço é a categoria dos corpos. É uma fatalidade a que o nosso profundo realismo impõe resignação. Cada um de nós é necessariamente o homem de uma raça, de uma nação. Não há liberdade tão poderosa que nos emancipe desse circulo fatal, e se o espírito pela força da abstração despedaçar todas as restrições acidentais, as secretas correntes da nossa personalidade nos prendem aquele mágico inferno que é a associação já longínqua, já inalterável, onipotente e misteriosa, dos outros homens dos mesmos desejos e que formam na fuga do tempo a singular afinidade do inconsciente de tantas gentes. É nessas categorias sociais que se produz a maravilhosa atividade humana. Ora desses círculos que são o quadro e o campo da ação do espírito nós subimos desde os mais restritos e limitados até ás nações e aí exatamente é que se produz em toda a sua extensão o fenômeno da civilização. O alvo dessa cultura individual e coletiva, a sua razão de ser é a criação de individualidades superiores que assegurem a mais profunda harmonia á coexistência social e faça criar a maior soma possível de ideal que se exprimirá na filosofia e na arte.

Para essa aristocracia espiritual, a vida seria a epopéia da aspiração. Eu penso em Dante, em Santa Tereza; em Pascal, em Spinoza, em Goethe, e eu imagino o vôo soberbo de tais espíritos e os espaços sem horizontes que descortinaram. Oh! abismos insondáveis! Oh ! magnífica vertigem! E eu sinto que eles são os redentores, os libertadores de toda a servidão imemorial de tantas inumeráveis almas humildes que também aspiram... É a divina tentação do infinito!... A cultura se caracteriza nessa atração sublime. Em cada povo ela deve criar um pensamento nacional, uma consciência nacional, isto é, uma civilização nacional. E tudo o que se trama nas lutas econômicas, todo o triunfo sobre a natureza, o ganho, a fortuna, a expansão vivaz, tudo isto é o caminho do inconsciente da conectividade para chegar ao máximo da sua expressão moral. Muitas vezes não se chega até lá e se desaparece numa volta da historia, não se deixando um traço, um sulco no grande espaço em vão percorrido...

Para nos salvarmos desse irremediável desastre e escaparmos do triste silencio em que nos extinguiremos, precisamos executar dentro de nós mesmos uma série de esforçados trabalhos para chegarmos a uma vitória completa e sermos uma força dentre as forças espirituais da terra... Seria a apuração da nossa alma. Seria a redenção nacional de que uma vez o heroísmo de Joaquim Nabuco nos deu a maravilhosa aurora... Mas, sem tardar, as sombras desceram... E nesta longa noite em que entramos, que astro nascido no céu da nossa espiritualidade, que astro, mesmo de luz baça e tremula, nos guiará ?


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Fonte:
Conferencias: 1914-1915. Sociedade de Cultura Artística, disponível digitalmente no site da biblioteca: Brasiliana - USP

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