27/04/2014

O Barão de Pituaçu, de Artur Azevedo

 O Barão de Pituaçu, de Artur Azevedo
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Arthur Azevedo e o teatro ligeiro na nascente República.


Se a fase inicial de nossa República (de 1889 a 1930) foi uma das épocas mais agitadas política e socialmente (não só no Brasil mas no mundo ocidental em geral), observamos que ela foi também, concomitantemente, das mais desprezadas nas avaliações de sua produção cultural em geral e dramatúrgica, em particular.

Década de 1890. A República cede lugar ao seu primeiro governo civil. A eleição de Prudente de Morais marca o afastamento dos militares da cena política e a ascensão dos cafeicultores paulistas. O governo passou-se em meio à mediação de conflitos. Por um lado, a pressão dos opositores, com o risco de iminente perda do mandato; de outro, rebeliões como a Revolta Federalista no Rio Grande do Sul entre 1893 e 1895, a revolta da Escola Militar em 1895, a Guerra de Canudos entre 1896 e 1897 e o atentado de 1897 que levou ao estado de sítio no Distrito Federal. Na Capital Federal, então o Rio de Janeiro, circulavam desde 1892 os bondes elétricos, enquanto em São Paulo mais da metade da população perecera em 1896 sob uma epidemia de febre amarela. A população vivia ainda sob os efeitos da crise econômica gerada pelo encilhamento de Rui Barbosa. Em conseqüência disso iniciam-se as negociações, com os banqueiros ingleses, do primeiro Funding Loan que será estabelecido na presidência de Campos Sales.

Eram tempos de muita agitação. O novo regime promoveu a substituição do grupo governante e trouxe consigo novos projetos e metas para o país. O arranjo federalista visava favorecer a distribuição de poder facilitando um arranjo nacional frente às disparidades político-econômicas entre as regiões. Mesmo assim, dois dos três maiores estados da nação conseguiram dominar a cena política do país. Capitalistas e voltados para os progressos técnicos europeus esses políticos associaram o atraso‘ brasileiro às heranças do Império e a uma tradição política que remontava, em vários aspectos, aos tempos da colônia. Entre as bases do novo regime está a agro-exportação do café que, sendo o carro chefe da economia nacional, alavancaria o desenvolvimento dos demais setores.

Nas primeiras décadas que se seguiram à proclamação, aceleraram-se os passos rumo ao progresso, o que significava a entrada definitiva na era capitalista. Seguindo uma corrente de mudanças iniciadas com a chegada da Corte portuguesa, décadas antes – ponto de torção fundamental da história brasileira – o país passa, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, por um intenso processo de transformação. Com a ascensão do novo regime e, com ele, a renovação da elite governante, novos rumos são definidos. Assim, a intenção é alinhar o país às nações européias e suprir as necessidades da oligarquia agro-exportadora, vinculada ao meio urbano e a um padrão de consumo capitalista. Aliado a isso o novo regime, fruto de um golpe orquestrado por setores da elite descontentes com os rumos tomados pelo Império, carecia ainda de legitimação. A aceitação deveria passar pelos sentimentos e pelo imaginário da população através da construção de símbolos que ligassem a população ao regime que seguiu-se à proclamação. Dentre vários, com destaque para as imagens e rituais pela facilidade de sua leitura, e que caíram ou não nas graças da população, figurou a modernização da Capital Federal – vista então como o espelho da Nação que se queria moderna e progressista.

O Rio de Janeiro enquanto capital da nascente República sofria os efeitos das principais transformações experimentadas pelo país e funcionava como ícone delas. A abertura dos portos e o aumento da população urbana estimularam o crescimento do comércio e do consumo de produtos manufaturados, vindos basicamente do exterior, proporcionando o surgimento de um grupo social ligado a produção e distribuição de bens de consumo – um extrato mediano que se acomodava, ainda desajeitadamente, na parca, porém crescente, população urbana. Esse processo ganhava força através dos contatos crescentes entre o Brasil e as principais nações européias, principalmente Inglaterra e França, quando o fim do tráfico negreiro possibilitou a realocação do capital ocioso em outras atividades, com destaque para as financeiras e industriais. Por outro lado, o crescimento da produção cafeeira ao longo do século XIX viabilizou uma maior urbanização. Isso porque, primeiro, a cultura do café não exige a presença constante do dono; e depois, uma parte significativa dos empresários que promoveram o desenvolvimento da produção açucareira e, a seguir, da cultura do café, nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, tinham origem nas regiões de mineração das províncias de Minas Gerais e de Mato Grosso, de onde traziam uma intensa tradição de vida urbana e de participação no comércio e nas finanças. E eram basicamente desses grupos que surgiam as iniciativas relacionadas à infra-estrutura urbana.

Outro aspecto importante, do final do século XIX, foi a substituição da mão-de-obra escrava pelo imigrante europeu, fator que promoveu um crescimento acelerado da população e a diversificação cultural. Segundo planejamento governamental esses imigrantes destinar-se-iam ao povoamento dos estados do sul com o propósito de lá desenvolverem atividades agrícolas e efetivamente estabelecer a posse da região que já havia sido fruto de muitas disputas. Contudo, devido à estrutura montada pelo governo brasileiro, grande parte desses imigrantes não prosseguiu até seu destino final, permanecendo em áreas urbanas, mais especificamente, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na Capital Federal, esses imigrantes, em grande parte de origem portuguesa, juntaram-se a grande leva de imigrantes internos que chegava a cidade, especialmente após a abolição da escravidão. Assim, a população da cidade passou de 522.651 habitantes em 1890, para 691.565 habitantes em 1900, e para 1.157.873 habitantes em 1920; agravando uma crise habitacional que vinha desde, pelo menos, 1882.

É em meio a essas mudanças que se estabelecem no Rio de Janeiro dois forasteiros: Arthur Azevedo e o teatro ligeiro. Nascido em São Luiz do Maranhão, Arthur Azevedo muda-se para o Rio de Janeiro em 1873 abandonando a carreira de literato e jornalista na sua cidade natal após ser demitido da Secretaria do Governo por causa das críticas por ele publicadas na imprensa local. Com seu espírito crítico, popularesco e progressista, ele prosseguiu sua vida jornalística na Capital Federal onde também trabalhou como professor e funcionário público no Ministério da Viação. Mas foi, contudo, em meio às letras que Azevedo se destacou. Escrevendo diversos gêneros literários, foi elogiado e censurado pela crítica, ganhando destaque, sobretudo, pelos seus textos teatrais.

Com talento despertado desde cedo, escreveu sua primeira peça ainda menino, aos 8 anos de idade – uma adaptação de um texto de Joaquim Manuel de Macedo. Entre dramas, farsas e comédias, ele dedicou-se especialmente a uma faceta muito popular do teatro em sua época, porém muito denegrida pela crítica, o teatro ligeiro. Não se tratando, contudo, de um gênero teatral em si, o teatro ligeiro, é uma denominação dada ao conjunto de espetáculos que compunham as comédias musicadas. São vaudevilles, cafés-cantantes, mágicas, cabarés, zarzuelas, burletas e revistas-de-ano, que foram introduzidos no Rio de Janeiro pela opereta – uma derivação da Opéra Comique francesa     – que teve seu palco de maior destaque no Alcazar Lyrique. Eram todos integrantes do gênero da comédia, dividido então em comédias musicadas, ou baixas comédias  – extremamente populares           – e comédias de costumes, ou altas comédias        – estas sim apreciadas pela crítica da época. As comédias musicadas não se prendem ao texto como forma de arte, mas à arte enquanto forma de entretenimento, valendo-se dos múltiplos contatos possibilitados pela internacionalização da criação artística e pelas inovações tecnológicas para a composição dos enredos e de sua encenação.

A relação do teatro ligeiro com a crítica remonta à construção da identidade nacional, processada desde a Independência e redirecionada com a ascensão da República. Desde a proclamação do novo regime líderes políticos, eruditos e literatos tomaram para si a criação de símbolos que provocassem a adesão da população ao novo regime, além de discutirem a construção da identidade nacional. Dividiam-se em diversos grupos republicanos com ideologias diferentes que se debatiam diante da construção das bases ideológicas do regime. Esses grupos, compostos por membros da elite e da classe média urbana buscavam a construção do nacionalismo por vias europeizantes, renegando expressões de caráter popularesco ou que remetessem a traços da época do Império e da Colônia. Julgavam ser a herança deste passado a responsável pelo atraso do país, isso além da premente necessidade de legitimação do regime republicano. Com isso, essa primeira leva de ideólogos da República e a própria administração empreendeu o que de certa forma pode-se chamar uma caçada aos costumes ou expressões que julgavam incompatíveis com o progresso e a ordem que buscavam. Sobre isso afirma Margareth Rago; o pobre é o outro da burguesia: ele simboliza tudo o que ela rejeita em seu universo.(...) Esta representação imaginária do pobre justifica a aplicação de uma pedagogia totalitária, que pretende ensinar-lhes hábitos “racionais “de comer, de vestir-se, de morar ou de divertir-se.

Nessa onda, os primeiros a serem perseguidos foram os cortiços que além de sujarem a imagem da cidade eram ainda um considerável problema de saúde pública. Assim, foi simbólica a destruição do cortiço Cabeça de Porco na administração de Barata Ribeiro em 1893. Nos anos seguintes, e, principalmente, após as reformas, foram alvos de censura e proibição: o costume das serestas, o porte e uso do violão, as festas e formas de religiosidade popular (como as que ocorriam em dias santos); restrições e regras impostas à comemoração do carnaval, a lei de obrigatoriedade do uso do paletó e de sapatos; a caça aos quiosques, vendedores ambulantes, mendigos e cães vadios.

Os gêneros que compunham o teatro ligeiro abasteciam-se de expressões da cultura popular para a composição e renovação de seus espetáculos. Também por seu caráter de entretenimento, se vinculando muito mais ao ganho de capital do que à educação cultural do seu público, a comédia musicada foi execrada por parte da crítica que àquela época não era especializada ficando a cargo, sobretudo, de literatos que nem sempre tinham ligação direta com o teatro e que compunham e se dirigiam a uma minoria letrada do Rio de Janeiro, então principal pólo de produção literária do país.

Grande parte desses literatos empregava-se nas redações dos jornais ou nas repartições do governo, senão em ambos, uma vez que com o mercado editorial pouco desenvolvido, era quase impossível viver apenas da publicação de livros. Os jornais, assim, se tornaram o principal veículo impresso do Rio de Janeiro, cabendo aos jornalistas a tentativa de modelar hábitos, costumes e opiniões da população letrada da cidade, e mesmo dos não letrados através da disseminação oral do que era publicado. Nicolau Sevcenko apresentou um panorama da situação da época: As transformações nas técnicas de comunicação, acompanhando e aprofundando as mudanças do modo de vida em todo o mundo, nesse curto espaço de tempo, abalaram definitivamente a posição até então ocupada pela literatura. (...) O novo ritmo na vida cotidiana eliminou ou reduziu drasticamente o tempo livre necessário para a contemplação literária. (...) [Ao mesmo tempo] a literatura se tornou um espaço cultural facilmente identificável por um repertório limitado de clichês que só mudam na ordem e no arranjo com que aparecem.

Para esses críticos, o Estado deveria intervir nas artes dramáticas promovendo a reforma necessária no gosto do público e fazendo frente à invasão estrangeira nos teatros locais, através da construção de teatros, da subvenção e do controle das peças encenadas. Por sua vez, os teatrólogos e empresários do teatro deveriam se inspirar no realismo francês e nas altas comédias, levando aos teatros fórmulas que julgavam elevar os espíritos e a cultura das platéias. Para tanto, se apegavam às peças do teatro realista francês, chegadas ao Brasil na segunda metade do século XIX, que tiveram um curto período de sucesso, firmando-se especialmente nas figuras do escritor José de Alencar e do ator João Caetano. Compunham-se basicamente de dramas densos e que propunham a descrição e reflexão de fatos e costumes contemporâneos, representaram o auge da estética burguesa no teatro e por aqui ficaram conhecidas por dramas de casacas. No Rio, quando não eram encenações de companhias estrangeiras em turnê pela cidade, foram mormente traduções e adaptações de peças estrangeiras, o que foi alvo de duras críticas por parte de Machado de Assis que classificou o período como sem “teatro nem poeta dramático”. As altas comédias, também vinculadas ao realismo, eram peças com temas supostamente elevados, que propunham críticas à sociedade da época e tinham viés moralizante trabalhando a construção psicológica dos personagens e a perda de valores morais e sociais.

Arthur Azevedo, contudo, mantinha laços tanto com a produção literária e teatral erudita, quanto com uma produção mais popularesca e comercial. Compartilhava com os outros literatos o apreço por uma forma literária mais elevada e o desejo de vê-la prosperar. Foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras, inaugurada aos moldes da Academia Francesa em 1897. Defendia a civilização de modos e costumes, e os avanços do progressismo, mas via na cultura popular o terreno fértil para a construção de um teatro verdadeiramente nacional. Para ele, “o teatro brasileiro deve[ria] buscar todos os seus elementos na vida nacional e não vestir os seus personagens nem desenhar os seus caracteres européia”. Isso, além do inegável apelo comercial necessário tanto para a manutenção das empresas destinadas à montagem e encenação teatral, quanto para o sustento de teatrólogos e atores frente à concorrência das companhias estrangeiras – muito frequentes em solo nacional desde o desenvolvimento técnico das viagens transoceânicas em meados do século XIX.


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Fonte:

Alga Ferreira de Moura: “O Rio de Janeiro de Arthur Azevedo. Uma leitura do espaço urbano nas peças A Capital Federal e Guanabarina (1897-1906).” (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Cultural. Orientador: Prof. Dr. Jaime de Almeida). Brasília, 2011.

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