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Arthur Azevedo e o teatro
ligeiro na nascente República.
Se a fase inicial de nossa República (de 1889 a 1930) foi uma das épocas mais agitadas
política e socialmente (não só no Brasil mas no mundo ocidental em geral), observamos
que ela foi também, concomitantemente, das mais desprezadas nas avaliações de sua produção cultural em
geral e dramatúrgica, em particular.
Década
de 1890. A
República cede lugar ao seu primeiro governo civil. A eleição de Prudente de Morais
marca o afastamento dos militares da cena política e a ascensão dos cafeicultores
paulistas. O governo passou-se em meio à mediação de conflitos. Por um lado, a pressão dos
opositores, com o risco de iminente perda do mandato; de outro, rebeliões como a
Revolta Federalista no Rio Grande do Sul entre 1893 e 1895, a revolta da Escola
Militar em 1895, a
Guerra de Canudos entre 1896 e 1897 e o atentado de 1897 que levou ao estado de
sítio no Distrito Federal. Na Capital Federal, então o Rio de Janeiro, circulavam desde 1892 os
bondes elétricos, enquanto em São Paulo mais da metade da população perecera em 1896
sob uma epidemia de febre amarela. A população vivia ainda sob os efeitos da crise
econômica gerada pelo encilhamento de Rui Barbosa. Em conseqüência disso iniciam-se as negociações, com os
banqueiros ingleses, do primeiro Funding Loan que será estabelecido na presidência de Campos Sales.
Eram tempos de muita agitação. O novo regime promoveu a
substituição do grupo
governante e trouxe consigo novos projetos e metas para o país. O arranjo federalista
visava favorecer a distribuição de poder facilitando um arranjo nacional frente
às disparidades político-econômicas entre as regiões. Mesmo assim, dois dos
três maiores estados da nação conseguiram dominar a cena política do país.
Capitalistas e voltados para os progressos técnicos europeus esses políticos associaram o atraso‘
brasileiro às heranças do Império
e a uma tradição política que remontava, em vários aspectos, aos tempos da
colônia. Entre as bases do novo regime está a agro-exportação do café que,
sendo o carro chefe da economia nacional, alavancaria o desenvolvimento dos
demais setores.
Nas
primeiras décadas que se seguiram à proclamação, aceleraram-se os passos rumo ao
progresso, o que significava a entrada definitiva na era capitalista. Seguindo
uma corrente de mudanças iniciadas com a chegada da Corte portuguesa, décadas
antes – ponto de torção fundamental da história
brasileira – o país passa, entre as últimas
décadas do século XIX e as primeiras do século XX, por um intenso processo de transformação.
Com a ascensão do novo regime e, com ele, a renovação da elite governante, novos
rumos são definidos. Assim, a intenção é alinhar o país às nações européias e suprir
as necessidades da oligarquia agro-exportadora, vinculada ao meio urbano e a um
padrão de consumo capitalista. Aliado a isso o novo regime, fruto de um golpe
orquestrado por setores da elite descontentes com os rumos tomados pelo Império,
carecia ainda de legitimação. A aceitação deveria passar pelos sentimentos e pelo
imaginário da população através da construção de símbolos que ligassem a
população ao regime que seguiu-se à proclamação. Dentre vários, com destaque para
as imagens e rituais pela facilidade de sua leitura, e que caíram ou não nas
graças da população, figurou a modernização da Capital Federal – vista então como o
espelho da Nação que se
queria moderna e progressista.
O Rio de Janeiro enquanto capital da nascente República sofria os efeitos das principais transformações
experimentadas pelo país e funcionava como ícone delas. A abertura dos portos e
o aumento da população urbana estimularam o crescimento do comércio e do consumo
de produtos manufaturados, vindos basicamente do exterior, proporcionando o surgimento
de um grupo social ligado a produção e distribuição de bens de consumo – um extrato mediano que se acomodava, ainda desajeitadamente, na parca,
porém crescente, população urbana. Esse processo ganhava força através dos contatos
crescentes entre o Brasil e as principais nações européias, principalmente
Inglaterra e França, quando o fim do tráfico negreiro possibilitou a realocação
do capital ocioso em outras atividades, com destaque para as financeiras e
industriais. Por outro lado, o crescimento da produção cafeeira ao longo do século XIX
viabilizou uma maior urbanização. Isso porque, primeiro, a cultura do café não exige a presença
constante do dono; e depois, uma parte significativa dos empresários que promoveram o
desenvolvimento
da produção açucareira e, a seguir, da cultura do café, nos estados do Rio
de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, tinham origem nas regiões de mineração
das províncias de Minas Gerais e de Mato Grosso, de onde traziam uma intensa tradição
de vida urbana e de participação no comércio e nas finanças. E eram basicamente desses
grupos que surgiam as iniciativas relacionadas à infra-estrutura urbana.
Outro aspecto importante, do final do século XIX, foi a substituição
da mão-de-obra escrava pelo imigrante europeu, fator que promoveu um crescimento
acelerado da população e a diversificação cultural. Segundo planejamento
governamental esses imigrantes destinar-se-iam ao povoamento dos estados do sul
com o propósito de lá desenvolverem atividades agrícolas e efetivamente estabelecer a posse da região
que já havia sido fruto de muitas disputas. Contudo, devido à estrutura montada
pelo governo brasileiro, grande parte desses imigrantes não prosseguiu até seu destino
final, permanecendo em áreas urbanas, mais especificamente, em São Paulo e no Rio
de Janeiro. Na Capital Federal, esses imigrantes, em grande parte de origem portuguesa,
juntaram-se a grande leva de imigrantes internos que chegava a cidade,
especialmente após a abolição da escravidão. Assim, a população da cidade passou de 522.651
habitantes em 1890, para 691.565 habitantes em 1900, e para 1.157.873 habitantes
em 1920; agravando uma crise habitacional que vinha desde, pelo menos, 1882.
É em meio
a essas mudanças que se estabelecem no Rio de Janeiro dois forasteiros: Arthur
Azevedo e o teatro ligeiro. Nascido em São Luiz
do Maranhão, Arthur Azevedo muda-se para o Rio de Janeiro em 1873 abandonando a carreira de literato e jornalista
na sua cidade natal após ser demitido da Secretaria do Governo por causa das
críticas por ele publicadas na imprensa local. Com seu espírito crítico,
popularesco e progressista, ele prosseguiu sua vida jornalística na Capital Federal
onde também trabalhou como
professor e funcionário público no Ministério da Viação. Mas foi, contudo, em meio
às letras que Azevedo se destacou. Escrevendo diversos gêneros literários, foi elogiado
e censurado pela crítica, ganhando destaque, sobretudo, pelos seus textos
teatrais.
Com
talento despertado desde cedo, escreveu sua primeira peça ainda menino, aos 8 anos
de idade – uma adaptação de um
texto de Joaquim Manuel de
Macedo. Entre dramas, farsas e comédias, ele dedicou-se especialmente a uma faceta
muito popular do teatro em sua época, porém muito denegrida pela crítica, o teatro ligeiro. Não se tratando, contudo, de um gênero teatral em si, o teatro ligeiro, é uma denominação dada ao conjunto de espetáculos que compunham as
comédias musicadas. São vaudevilles, cafés-cantantes, mágicas, cabarés, zarzuelas,
burletas e revistas-de-ano, que foram introduzidos no Rio de Janeiro pela opereta – uma derivação da Opéra Comique francesa – que teve seu
palco de maior destaque no Alcazar Lyrique. Eram todos integrantes do gênero da
comédia, dividido então em comédias musicadas, ou baixas comédias – extremamente populares – e comédias de
costumes, ou altas comédias – estas sim
apreciadas pela crítica da época. As comédias musicadas não se prendem ao texto como forma de arte, mas à arte enquanto forma de
entretenimento, valendo-se dos múltiplos contatos
possibilitados pela internacionalização da criação artística e pelas inovações tecnológicas para a
composição dos enredos e de sua encenação.
A relação
do teatro ligeiro com a crítica remonta à construção da
identidade nacional, processada desde a Independência e redirecionada com a ascensão
da República. Desde a proclamação do novo regime líderes políticos, eruditos e
literatos tomaram para si a criação de símbolos que provocassem a adesão da população
ao novo regime, além de discutirem a construção da identidade nacional.
Dividiam-se em diversos grupos republicanos com ideologias diferentes que se debatiam
diante da construção das bases ideológicas do regime. Esses grupos, compostos
por membros da elite e da classe média urbana buscavam a construção do nacionalismo
por vias europeizantes, renegando expressões de caráter popularesco ou que remetessem
a traços da época do Império e da Colônia. Julgavam ser a herança deste passado
a responsável pelo atraso do país, isso além da premente necessidade de
legitimação do regime republicano. Com isso, essa primeira leva de ideólogos da
República e a própria administração empreendeu o que de certa forma pode-se chamar
uma caçada aos costumes ou expressões que julgavam incompatíveis com o progresso
e a ordem que buscavam. Sobre isso afirma Margareth Rago; o pobre é o outro da
burguesia: ele simboliza tudo o que ela rejeita em seu universo.(...) Esta
representação imaginária do pobre justifica a aplicação de uma pedagogia
totalitária, que pretende ensinar-lhes hábitos “racionais “de comer, de
vestir-se, de morar ou de divertir-se.
Nessa onda, os primeiros a serem perseguidos foram os cortiços que
além de sujarem a imagem da cidade eram ainda um considerável problema de saúde
pública. Assim, foi simbólica a destruição do cortiço Cabeça de Porco na administração
de Barata Ribeiro em 1893. Nos anos seguintes, e, principalmente, após as reformas,
foram alvos de censura e proibição: o costume das serestas, o porte e uso do violão,
as festas e formas de religiosidade popular (como as que ocorriam em dias santos);
restrições e regras
impostas à comemoração do carnaval, a lei de obrigatoriedade do uso do paletó e
de sapatos; a caça aos quiosques, vendedores ambulantes, mendigos e cães vadios.
Os gêneros
que compunham o teatro ligeiro abasteciam-se de expressões da cultura popular para
a composição e renovação de seus espetáculos. Também por seu caráter de
entretenimento, se vinculando muito mais ao ganho de capital do que à educação
cultural do seu público, a comédia musicada foi execrada por parte da crítica
que àquela época não era especializada ficando a cargo, sobretudo, de literatos
que nem sempre tinham ligação direta com o teatro e que compunham e se dirigiam
a uma minoria letrada do Rio de Janeiro, então principal pólo de produção
literária do país.
Grande
parte desses literatos empregava-se nas redações dos jornais ou nas repartições
do governo, senão em ambos, uma vez que com o mercado editorial pouco
desenvolvido, era quase impossível viver apenas da publicação de livros. Os
jornais, assim, se tornaram o principal veículo impresso do Rio de Janeiro,
cabendo aos jornalistas a tentativa de modelar hábitos, costumes e opiniões da
população letrada da cidade, e mesmo dos não letrados através da disseminação oral
do que era publicado. Nicolau Sevcenko apresentou um panorama da situação da
época: As
transformações nas técnicas de comunicação, acompanhando e aprofundando as mudanças
do modo de vida em todo o mundo, nesse curto espaço de tempo, abalaram definitivamente
a posição até então ocupada pela literatura. (...) O novo ritmo na vida
cotidiana eliminou ou reduziu drasticamente o tempo livre necessário para a contemplação
literária. (...) [Ao mesmo tempo] a literatura se tornou um espaço cultural
facilmente identificável por um repertório limitado de clichês que só mudam na ordem e
no arranjo com que aparecem.
Para esses
críticos, o Estado deveria intervir nas artes dramáticas promovendo a reforma necessária
no gosto do público e fazendo frente à invasão estrangeira nos teatros locais,
através da construção de teatros, da subvenção e do controle das peças
encenadas. Por sua vez, os teatrólogos e empresários do teatro deveriam se inspirar
no realismo francês e nas altas comédias, levando aos teatros fórmulas que julgavam
elevar os espíritos e a cultura das platéias. Para tanto, se apegavam às peças do teatro realista francês, chegadas ao Brasil
na segunda metade do século XIX, que tiveram um curto período de sucesso,
firmando-se especialmente nas figuras do escritor José de Alencar e do ator João
Caetano. Compunham-se basicamente
de dramas densos e que
propunham a descrição e reflexão de fatos e costumes contemporâneos,
representaram o auge da estética burguesa no teatro e por aqui ficaram
conhecidas por dramas de
casacas. No Rio, quando não eram encenações de companhias estrangeiras em
turnê pela cidade, foram mormente traduções e adaptações de peças estrangeiras,
o que foi alvo de duras
críticas por parte de Machado de Assis que classificou o período como sem “teatro nem poeta dramático”. As altas comédias, também
vinculadas ao realismo, eram peças com temas supostamente elevados, que propunham
críticas à sociedade da época e tinham viés moralizante trabalhando a construção
psicológica dos personagens e a perda de valores morais e sociais.
Arthur
Azevedo, contudo, mantinha laços tanto com a produção literária e teatral erudita,
quanto com uma produção mais popularesca e comercial. Compartilhava com os
outros literatos o apreço por uma forma literária mais elevada e o desejo de vê-la
prosperar. Foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras,
inaugurada aos moldes da Academia Francesa em 1897. Defendia a civilização de modos
e costumes, e os avanços do progressismo, mas via na cultura popular o terreno
fértil para a construção de um
teatro verdadeiramente nacional. Para ele, “o teatro brasileiro deve[ria] buscar todos os seus elementos na vida
nacional e não vestir os seus personagens
nem desenhar os seus caracteres européia”. Isso, além do inegável apelo comercial necessário tanto para a manutenção
das empresas destinadas à montagem e encenação teatral, quanto para o sustento de
teatrólogos
e atores frente à concorrência das companhias estrangeiras – muito frequentes em solo nacional desde o desenvolvimento
técnico das viagens transoceânicas em meados do século XIX.
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Fonte:
Fonte:
Alga
Ferreira de Moura: “O Rio de Janeiro de Arthur Azevedo. Uma leitura do espaço
urbano nas peças A Capital Federal e Guanabarina
(1897-1906).” (Dissertação
de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, como parte dos
requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em História Cultural. Orientador: Prof. Dr. Jaime de
Almeida). Brasília, 2011.
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