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Sobre
as obras do comediógrafo Antônio José: convites ao riso, à paródia e aos mitos
Antônio José foi o criador de oito peças encenadas no teatro do
Bairro Alto, em Lisboa,
entre 1733 e 1738. Primeiramente editado no volume Teatro Cómico Português, em
1744, por Francisco Luís Ameno, listavam os seguintes títulos publicadospostumamente: A Vida
do Grande Dom Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança (1733); Esopaiada
ou a Vida de Esopo (1734); Os Encantos de Medeia (1735); Anfitrião
ou Júpiter e Alcmena (1736); Labirinto de Creta
(1736); Guerras de Alecrim e Mangerona(1737); Precípicio de Faetonte (1737)
e As Variedades de Proteu (1738) A maioria das produções artísticas de o
Judeu nos remete a fontes mitológicas ou literárias, com exceção de Guerras
do Alecrim e Mangerona. Além disso, outro elemento de extrema importância em
sua dramaturgia é o constante emprego dos mais variados recursos cênicos, como a
utilização dos bonecos ou bonifrates e, também, a utilização da música, as óperas com influências
italianas.
É nesse meio de intertextualidade que o Judeu criou suas
histórias, sendo também um traço da modernidade, a renovação do antigo, seu
resgate e transformação. Para Silva (2006), “... a fun ão do conceito de
intertextualidade provar que a originalidade artística é fruto de uma
experiência individual e, ao mesmo tempo, coletiva, do autor e do leitor, ou do
indivíduo fruidor da obra de arte. Seus limites são os limites do texto
infinito” (SILVA, 2006,
p.58).
São elementos recorrentes na dramaturgia do Judeu, o emprego da
prosa ao em vez do verso, a utilização da música como complemento da totalidade
do teatro, o recurso aos bonecos como disfarce amortecedor do exercício da
sátira. Essa dramaturgia reflete a longa crise cultural que os intelectuais enfrentaram no século XVIII.
Dessa
forma, Antônio José conseguiu dar uma contribuição significativa para o teatro
da época que se dividia entre um teatro popular e burguês, originário das
influências vicentinas, e um teatro pomposo encenado em latim pelas companhias
jesuíticas, com ares do barroquismo. Assim, o Judeu soube dosar as influências
espanholas e francesas, colocando Lisboa como pano de fundo.
Usando da chacota para criticar a cobiça, os relacionamentos e os
excessos de poder da sociedade portuguesa em que vivia, Antônio José soube usar
bem o poder da palavra. Através
da comédia, o autor conseguiu fazer críticas que mal foram perseguidas pela censura,
visto suas peças não terem sido impedidas de ser encenadas, mas que, com certeza,
chegavam aos nobres da época, contribuindo, de certa forma, para a sua perseguição.
Certamente,
Antônio José usou de sua própria experiência em mascarar-se de cristão para,
também, usar do disfarce em suas peças. As máscaras, disfarces, fingimentos, são
os principais ingredientes que seus personagens utilizam. Basta remeter às
confusões e trapaças de seus personagens graciosos para conquistarem seus
objetivos em meio aos conflitos das peças.
O riso é empregado
nas peças, principalmente, através da plurissignificação da língua, com o uso
de neologismos, trocadilhos, expressões em latim macarrônico, quiproquós,
misturas de tempo e espaço, além da presença e intervenção de deuses mitológicos.
Para Pereira (2007):
O absurdo
cômico é como o sonho, é uma ilusão em que a lógica dos devaneios favorece o risível.
Sendo o riso um juízo positivo ou nativo, pode-se por ele romper as limitações
impostas pela sociedade. Essa é a lição do cômico na obra de Antônio José:
rindo dos poderosos, ele rompe com as limitações e o acanhamento de seu
universo cultural e se torna uma
ponte para a chegada do Iluminismo em Portugal. (PEREIRA, 2007, p.38)
Antônio
José descobrira que o riso poderia ser uma forma de sanidade perante tantas
loucuras e excessos daquele século. O riso é, por exemplo, realizado através
dos personagens subsidiários, os graciosos, que são, nas peças, críticos
de seus senhores e estão sempre em busca de benefícios, representando bem uma
grande fatia da sociedade. Há, também, as peças baseadas em obras clássicas,
mitológicas, por exemplo, que se constroem a partir de enredos que satirizam o
casamento e possuem como personagens principais a aristocracia e os servos.
Contudo, “o desenrolar da ação principal, que era para ser conduzida pelos
senhores (reis, fidalgos, filósofos, militares), e a secundária, pelos servos,
assim não se d ” (PEREIRA, 2007, p.42). Os personagens subsidiários que acabam
desenvolvendo a trama.
Somente através
de um mundo do avesso, proporcionado pela comédia, é que os servos poderiam
tornar-se ora juízes ora os senhores, pois se baseando numa sociedade que na época não apoiava a mobilidade social
tal movimentação nunca aconteceria. Assim, o gracioso torna-se o condutor da
história e consegue, durante vários momentos colocar em situações ridículas os
seus senhores.
Em geral, o fator preponderante nas obras de Antônio José, além do
aspecto cômico, são as importantes e perceptíveis influências dos clássicos e, também,
como constata Barni (2008)
da Commedia dell‟Arte, que foi a primeira companhia surgida na Europa com
comediantes profissionais, como ofício. Era um estilo de espetáculo improvisado,
com o uso de máscaras e a realização de turnês. Barni (2008) afirma que:
A Commedia
dell‟arte nasceu na It lia, em seguida disseminou-se Europa afora: França,
Inglaterra, Espanha, Alemanha e Polônia, Áustria, Bohêmia e até a distante Rússia sentiram
sua passagem. Era um teatro primordial fundamentado no gesto, na máscara e na
improvisação. (BARNI, 2008, p.44)
A hibridez cênica do teatro de Antônio José, também, se mostra
nessa integração de itens
que enriquecem o palco, fato comum nas caracterizações da Commedia dell‟Arte
surgida
na Itália, com a presença da música (a ópera), dos instrumentos musicais, o
canto, o riso e os bonecos.
Além disso, as peças da Commedia dell‟Arte, assim como as óperas do Judeu, faziam críticas à
linguagem e aos estratos sociais da época, como ainda nos mostra Barni (2008):
As máscaras e as personagens da Commedia dell'arte representam
e satirizam
as principais companhias da sociedade italiana da época e os diversos dialetos
ou falas com expressões dialetais refletem essa 'atualidade' que há de ter sido central para o efeito cômico
junto ao público.
As máscaras reproduziam as características que os italianos atribuíam a cada região do país: o
mercador da República de Veneza, o carregador de Bérgamo, o pedante de Bolonha, o
apaixonado toscano, o capitão espanhol ou italiano, ou napolitano. Desse modo, a
representação Da Commedia dell'Arte fornece um quadro das classes e das regiões
italianas. (BARNI, 2008,
p.58).
Além
desses elementos cênicos, a obra dramática de Antônio José é composta por recriações, ou seja,
diálogos intertextuais com obras clássicas construídas a partir de paráfrases,
estilizações e paródias. Corradin (2008), explica que a paródia pode ser identificada pelo seu caráter denegatório,
em relação ao texto que lhe deu origem. Os elementos paródicos são, facilmente,
identificáveis nas peças do Judeu, que transformou clássicos trágicos em comédias, fazendo esse movimento
de negação do segundo texto em relação ao primeiro.
Verificamos,
portanto, algumas características da vida e da obra de Antônio José, ficando perceptível a
riqueza cultural desse comediógrafo lisboeta do século XVIII. O que nos mostra o quanto são pertinentes e contínuos
os interesses pela sua obra ainda na atualidade, tanto na pesquisa acadêmica
quanto para o conhecimento de sua comediografia. No próximo capítulo faremos
uma análise do contexto sócio-cultural de Eurípides e dos elementos de sua peça
Medeia, verificando alguns dos mitos que estão presentes em sua constituição.
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Fonte:
Fonte:
Lucas Gilnei Pereira de Melo:
"Antônio José da Silva, o Judeu: um leitor de Eurípides".
(Dissertação de mestrado apresentada no Programa de Pós-graduação em Letras – Curso
de Mestrado em Teoria Literária, no Instituto de Letras e Linguística, Universidade
Federal de Uberlândia, para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora:
Prof. Dra. Kenia Maria de Almeida Pereira). Uberlândia, 2012
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