06/04/2014

Contos de Natal em Língua Portuguesa

 Contos de Natal - Autores do Brasil e Portugal
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Missa do Galo: impressão e equívoco x veleidade de desejos

“Missa do Galo”, outro conto machadiano recortado na nossa pesquisa, focaliza o insólito de uma situação, misto de conversa e insinuações. Narra o fato que marcou a lembrança do moço Nogueira. Trata-se do memorável encontro de uma senhora e um jovem de dezessete anos numa véspera de Natal, pouco tempo antes da missa do galo. A narrativa da conversação se faz sob o ponto de vista de Nogueira, que conta a história com certo distanciamento temporal que, no primeiro momento demonstra seu olhar de seduzido, comprometendo a narrativa: “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos [...]” (2008, p. 199). Nogueira narra um fato ocorrido quando era jovem, ainda na fase de descoberta da vida amorosa, narrado em primeira pessoa, muitos anos depois. A personagem que narra, implica-se por envolver-se no contexto sensual sob a convicção de sua imaginação interpretativa. Assim, a crítica de modo geral concorda que em se tratando de um narrador machadiano, o leitor deve precaver-se, pois este narrador pode não ser confiável.

“Missa do Galo” é um conto retrospectivo, de uma força erótica extrema que confere ao texto a tradução digna da imaginação de um personagem-narrador embebido de sensualidade. O narrador personagem conduz a narrativa de modo que direciona o leitor a tirar suas próprias conclusões. Nogueira, já adulto com mais experiência de vida, rememora um fato ocorrido na sua mocidade, por isso, um narrador que oscila entre o tempo passado, o ocorrido e o presente no qual narra. Daí as vozes de narradores diversos contribuindo para os paradoxos do texto. Mesmo assim, o conto em estudo tem como perspectiva estruturadora da narrativa um núcleo centralizador, isto é, os elementos informativos são transmitidos pelo eu narrante (narrador), que ao mesmo tempo, representa o eu narrado, um dos protagonistas.

Disto decorre que entre o sujeito e os eventos narrados se instalem, por um lado a distância produzida pela passagem do tempo e, por outro lado, a proximidade das emoções, neste caso, um misto de insinuações e desejos, os quais uma vez experimentados foram retomados pela memória.

Os registros narrados, com indícios de egocentrismo, demonstram que a experiência deflagrada pelos fatos revividos na subjetividade de quem conta, se sobrepõem, conforme o narrador, aos próprios acontecimentos, centrando-se no sujeito (Nogueira) como seduzido e, em seu objeto de desejo (D. Conceição) a sedutora. Porém, há um falseamento na constância do índice de verdade pré-estabelecida, constituindo uma relação quer de ruptura, quer de continuidade entre o narrador e o protagonista. A apreensão subjetiva dos fatos reproduz essa divisão ambígua de possíveis verdades ou apenas impressões. Paralelamente, variam a qualidade e a quantidade da informação narrada, desde o momento em que o eu enuncia suas experiências pessoais, transpondo as alheias enquanto adulto expectador-reflexivo e o jovem enredado pela paixão sob a sua ótica constituída em um testemunho, no mínimo, falacioso.

O fato se deu quando aos dezessete anos, estava o jovem Nogueira agregado na casa do escrivão Meneses, com o objetivo de fazer os estudos preparatórios (seria hoje, uma espécie de preparação para o vestibular). Meneses vivia com Conceição, uma meiga senhora que o narrador considera “uma santa”, esposa, traída pelo marido. Vale observar que Conceição tinha conhecimento da infidelidade do seu cônjuge. A linguagem figurada inaugura o texto; basta lembrar que na casa todos sabiam, tanto que ao dizer que ia ao teatro, Nogueira por sua ingenuidade propõe ao dono da casa que gostaria também de ir. A sogra e as escravas riram com desdém da inocência do rapaz. Era noite de Natal do ano de 1861 ou 1862 e Nogueira combinou com um amigo que iria assistir a missa do galo na Corte. Sendo assim, comprovamos a inexperiência do jovem Nogueira aos códigos sociais masculinos do século XIX, que individualiza ao sexo masculino a malícia, o status de apreço e prestígio social caso sustentasse uma relação extraconjugal.
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Fonte:
Edinaldo Flauzino de Matos: “A multiplicidade narrativa e o jogo da sedução nos contos “Uns braços” E “Missa do galo” de Machado de Assis”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários – PPGEL, da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT – como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários, na área de Letras sob a orientação Profª Drª Madalena Aparecida Machado). Tangará da Serra, 2011. Disponível em: http://ppgel.com.br/

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