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As Doutoras, de França Júnior
As Doutoras, última peça de sucesso de França
Júnior, foi escrita em 1889 e encenada em 1890. Contendo quatro atos, a trama
gira em torno de certas mudanças que estavam acontecendo nos lares brasileiros
do século XIX, como por exemplo o ingresso das mulheres nas universidades.
O impacto dessas transformações
sobre a família é abordado pelo viés cômico e uma criteriosa escolha de
elementos sígnicos.
Vinda de uma família burguesa do
Rio de Janeiro, filha de Maria e Manuel Praxedes, Luísa, em consonância com os
pensamentos revolucionários, forma-se em Medicina e alcança o bacharelado tão
sonhado pelo também revolucionário pai, Manuel.
MANUEL- A Doutora Luísa Praxedes.
A doutora, sim, senhora! A mim parece-me também um sonho; mas é o título a que
ela tem direito, que foi ganho à custa do seu trabalho e que é honra para a
família e para a sociedade. (Ato I, Cena II, pp. 213-214).
Contudo, não é só a formação
acadêmica de Luísa que deixa Manuel Praxedes eufórico – a união entre ela e o
colega Pereira (recém-formado) também é motivo de orgulho para o pai. Com seu
ímpeto “revolucionário”, Praxedes trata a união conjugal de ambos como exemplo
edificante da Ideia Nova de casamento de conveniência que, aliás, incomoda
muito a mãe da moça:
MANUEL- O casamento de
conveniência, sob o ponto de vista da evolução atual, não é o casamento de
dinheiro. O homem sem ofício nem benefício, que se liga a uma mulher de fortuna
para viver à custa do que ela tem, deveria ser expulso da comunhão civilizada.
O verdadeiro casamento de conveniência (...) consiste na união de dois seres,
tendo cada um o mesmo modo de vida, a mesma profissão. O marido trabalha, a
mulher trabalha. MARIA- É uma sociedade comercial.
MANUEL- Sim, mas vê o alcance
enorme desta sociedade. Não é só a formação do pecúlio do casal, mas muito
principalmente o desenvolvimento das classes, a seleção delas. O marido médico,
a mulher médica... todos os filhos médicos...O marido advogado, a mulher advogada...
(Ato I, Cena II, pp. 220-221).
Em razão disso, essa união é
posta em questão por Maria Praxedes, que questiona a relação sentimental entre
Luísa e Pereira, pois eles discutem o tempo todo suas teorias médicas, o que interfere
na vida do casal. Contudo, o casamento acontece, o empenho profissional do
Doutor e da Doutora Pereira é árduo e as discussões entre o casal continuam,
agora também porque disputam pacientes. Luísa possui tantos pacientes quanto o
Dr. Pereira e, por vezes, sente-se indisposta, causando preocupação à mãe e à
criada portuguesa Eulália.
O grande problema ocorre quando
Luísa, especialista em moléstias de senhoras e crianças, atende em seu
consultório o doente Gregório. A Doutora prontamente o recebe e dá-lhe uma consulta.
O Dr. Pereira descobre e mais uma discussão acontece, porém agora com tom de
divórcio:
DR. PEREIRA- Minha senhora,
chegamos a um estado em que a nossa vida juntos vai-se tornar impossível. Ou eu
hei de abdicar à minha autonomia profissional, ou, o que é mais triste ainda, à
minha posição de chefe na família, ou a senhora conserve-se no lugar que lhe compete.
(Ato II, Cena X, pp. 261-262).
Luísa, com o orgulho ferido, diz
que também deseja o divórcio. Então, pede auxílio ao advogado Martins que,
assustado com o rumo dos acontecimentos, não encontra solução para o caso, visto que na época não havia divórcio
que não fosse por adultério ou sevícias. Como também era amigo da família,
propõe a ela uma reconciliação. Mas a médica, decidida, está segura da decisão
tomada O clímax acontece quando Dr. Pereira pede conselhos profissionais à
segunda doutora da peça, a advogada Carlota de Aguiar. Mulher pública,
portadora de grande domínio da linguagem, desempenha seu cargo com eficácia nos
tribunais da cidade e goza de prestígio nos jornais.
Carlota, ao contrário de Martins,
encontra uma saída para o divórcio e trama uma nova interpretação da lei para
conseguir a separação; ainda propõe ao Dr. Pereira que, estando livre, poderá
ele se casar novamente e com uma mulher de profissão diferente da que exerce,
como uma advogada, por exemplo. Carlota, então, combina um novo encontro para
falarem melhor sobre a situação e as implicações legais do caso.
Luísa, escondida atrás da cortina da porta,
escuta tudo e espera a saída da advogada para iniciar com Pereira outra
discussão, tendo um ataque de ciúmes:
LUÍSA- Ah! ela queria vê-lo livre
e desembaraçado... Para isto bastavam duas coisas apenas, duas coisas
insignificantes, na opinião daquela miserável, torcer a lei e renegar as crenças!
(Ato III, Cena XII, p. 309).
A mãe aplaude a crise de ciúmes da filha e
renova a esperança de que o casamento de
Luísa e Dr. Pereira seja salvo. O
que se confirma quando Pereira percebe que as tonturas e enjoos que a Doutora
vem sentindo são decorrentes da gravidez da esposa, a quem ele acolhe carinhosamente.
O desfecho segue, assim, para o
curso natural do papel social das mulheres naquela época:
Luísa para de clinicar e se
dedica a Luisinho, filho do casal.
Por volta de um ano depois, a
família Pereira recebe a visita de Carlota e Martins, agora
casados e com uma criança no
colo, Luisinha. Mesmo indignado com a atitude da filha de deixar tantos anos de
estudo para a dedicação materna, Manuel finaliza a obra depositando em
Luisinho, filho de Luísa e Pereira, sua esperança revolucionária:
MARIA- (a Praxedes) – Olha, meu
amigo, em que deu o teu programa filosófico, político, moral e social, a tua evolução do futuro.
MANUEL- Sim, mas não perdi de
todo o meu latim. (tomando a criança e mostrando-a a todos) Aqui está um médico
de raça! (dá-lhe muitos beijos). (Ato IV, Cena XV, p. 348).
[...]
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Fonte:
Fonte:
Emerson Calil Rossetti e Juliana
de Oliveira Gonçalves Brandão: “Elementos de teatralidade e comicidade em as
Doutoras de França Júnior”. Revista Eletrônica de Educação e Ciência – REEC Volume
02 Número 01 Março/2012 Páginas 10-29. Disponível em: http://www.fira.edu.br/
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