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O sério em Coração,
Cabeça e Estômago
A forma como Coração,
Cabeça e Estômago (1862) foi construída é matéria de interesse por si só, e rendeu uma
interessante análise feita por Paulo Franchetti (2003), além de também ter sido
objeto de estudo para Maria de Lourdes Ferraz (1985). Trata-se de uma pretensa autobiografia,
na qual Silvestre da Silva – um narrador autodiegético – escreve a história de
sua vida, por ele dividida nas três fases que compõem o título da obra. Depois
de sua morte, seus escritos são compilados pelo narrador heterodiegético que se
denomina “Editor”, e que insere comentários em diversas passagens do relato de
Silvestre. Na primeira parte (“Coração”), temos a história dos sete amores
desastrosos do protagonista, e o contraste entre “a mulher que o mundo respeita”
e “a mulher que o mundo despreza”. Já na segunda parte (“Cabeça”), temos o
relato das suas desventuras no meio intelectual e jornalístico. Por fim, na
terceira parte (“Estômago”), Silvestre vai viver no campo, alça-se à carreira
política, casa-se com Tomásia, uma morgada rica e rústica, e, depois de tanto
comer, acaba morrendo de caquexia.
Maria de
Lourdes Ferraz afirma que, “se há intermitências de riso [...] nas novelas de lágrimas,
intermitências que são da competência dos ‘à parte’ do autor/narrador que ‘entabula’
com o hipotético leitor comentários ao sucedido, nas novelas onde a facécia domina,
as lágrimas são cautelosamente poupadas” (1991, p. 73). Apesar de “cautelosamente
poupadas”, em Coração, Cabeça e Estômago
as lágrimas, ou melhor, o tom sério também está presente, em meio à comicidade
dominante, como procuraremos mostrar a seguir.
Comecemos pelo
episódio em que Silvestre é comicamente humilhado pela segunda mulher que amou –
depois de ter-lhe entregue uma poesia intitulada “Ela!”, a moça lhe manda um
recado: “Gosto muito do seu estilo. Continue, que me entretém. Ontem não lhe apareci porque fui a Oeiras, e li a sua carta na presença de
Netuno. Escreva muito, que escreve muito bem” (CCE16, p. 20). Depois desse relato,
Silvestre nos conta a triste história dessa senhora, “que eu desculpo e até respeito”
(CCE, p. 21), que depois viera a tomar conhecimento: apaixonada, fugira com um conde, “cuidando
que a ignomínia lhe viria a dar um marido” (CCE, p. 21). Enganada, acaba
virando sua amante, após o conde se casar “para desempenhar o vínculo
deteriorado. Do patrimônio da esposa alargou a mesada à amante, que bebia, Deus sabe com que lágrimas, este segundo cálice de
vilipendiosa dependência” (CCE, p. 21). Tentara pedir “perdão e asilo” ao pai, mas “nunca teve resposta”
(CCE, p. 21). Silvestre conclui afirmando que “quando me deram estes
esclarecimentos (1854), continuava ela a viver a expensas do conde e tinha um
filho de cinco anos. Não sei mais nada” (CCE, p. 21). Com isso, o Editor insere uma nota de rodapé:
Chamava-se
Margarida a dama. Viveu ainda até 1857 e morreu da febre amarela, e o filho também. Conta-se que o conde, receoso do
contágio, não ousara vir a Lisboa, das Caldas da Rainha, onde estava, quando
Margarida o mandou chamar para
despedir-se. Morreu contemplando os paroxismos do filho. Os criados abandonaram-na
no último dia. Estava sozinha quando expirou. O conde está ótimo de saúde e transferiu
a mobília de Margarida para os aposentos de
uma criada, que a condessa expulsou de casa... (CCE, p. 21).
Através dessa
intrusão do narrador heterodiegético, temos um reforço do tom sério de crítica
social, contra um tipo de homem, nesse caso, representante de uma nobreza decadente
– notemos que tanto Silvestre como o Editor chamam-no apenas de “conde” –, que faz
das mulheres puro objeto de seu prazer – ou da manutenção de sua condição social,
a partir do casamento por um rico dote –, não tendo o menor respeito por elas ou
mesmo o menor sentimento de humanidade. A irônica sentença final desse trecho
demonstra um ponto de vista realista da
sociedade, pois o conde acaba a história com uma nova amante e, ainda por cima,
“ótimo de saúde”. Não há punição pela justiça dos homens, nem providência
divina.
O episódio
sobre Marcolina, “a mulher que o mundo despreza”, é ainda mais melancólico do
que o de Margarida. Nessa longa passagem, ela conta a história de sua vida para
Silvestre, que a encontra tísica e se apaixona por ela, constituindo uma outra
narração autodiegética, inserida dentro da narração autodiegética de Silvestre.
Marcolina inicia o seu relato contando como, ainda criança, ficou na miséria:
apesar de seu pai ter sido “empregado na tesouraria, onde ganhava para levar a vida
com abundância” (CCE, p. 86), gastava tudo para sustentar um luxo que não
podiam ter – “Ouvi dizer que a casa estava trastejada com luxo, em que meu pai
se esmerava, por ter sido criado no paço, onde meu avô era cirurgião” (CCE,
p. 86). Quando ele morrera, apesar de quase sem recursos, sua mãe – “não tanto
por ser bela como por correr fama que tinha
dinheiro” (CCE, p. 86) – casara-se com um empregado público, “mais novo
e mais pobre que ela” (CCE, p. 86), e continuara gastando abusivamente, somando-se às dívidas os vícios de seu
marido: “O que me lembra muito bem é a indigência, e a fome, e a nudez de minhas irmãs” (CCE, p. 87).
Quando o
padrasto desaparecera, sua mãe começara a mendigar, e “outras vezes fechava-nos
todas na única alcova da casa, e ela ficava na saleta: creio que este fato era
mais horrível que pedir esmola” (CCE, p. 87). Aos quatorze anos,
Marcolina foi “vendida” por sua mãe a um barão, que assim que a viu “a tremer e
a chorar”, “teve piedade” dela. Ela conta que o
homem, que “teria cinqüenta anos”,
[...]
lançou-me ao regaço dinheiro em ouro e disse: “Quando sua mãe vier, diga-lhe
que está pura, peça-lhe que não a venda, e obrigue-se a sustentá-la com a
condição de não a vender. Esse dinheiro é o necessário para um mês; no princípio do mês que vem receberá igual
quantia.” E saiu, beijando-me na testa e murmurando, quando me viu estremecer ao
contato da sua boca: “Pobre menina!” (CCE,
p. 88).
A mãe de Marcolina, no
entanto, insistira em fazê-la amante do barão, com “um plano vergonhoso que devia enriquecer-me em
poucos anos” (CCE, p. 90). A moça, indignada, acaba pedindo ao barão
para que este “me tirasse da companhia de minha mãe e se compadecesse do meu
infortúnio” (CCE, p. 91). Apesar de toda a sua opulência – “passados quinze
dias, a minha guarda-roupa estava cheia de cetins e veludos. Tinha brilhantes que
faziam invejável a minha desonra” (CCE, p. 91) –, Marcolina vivia
infeliz, devido à tirania do barão, que não permitia que ela mantivesse contato
com as suas irmãs, e também devido à vergonha de sua condição, que, para ela, “não
era mais honesta” que a daquela que virara prostituta. Através da voz da narradora,
temos uma triste, mas realista, conclusão sobre a vida: “A minha grande
desgraça, senhor, era eu não poder destruir os sentimentos da dignidade [...]. As
mulheres na minha posição começam a ser felizes quando se enterram de todo no
charco das torpezas” (CCE, p. 93).
Ao perceber que Augusto, o
guarda-livros do barão, “novo como [ela]” (CCE, p. 94), tinha-lhe estima, Marcolina afirma que
“conheci então o amor, à força de pensar que sentimento seria o que ele me causava”
(CCE, p. 94). Quando o barão descobre que sua amante amava o caixeiro,
começa a ter vários acessos de ciúme: “cobriu-me de injúrias; das injúrias passou
às lágrimas; das lágrimas tornou aos insultos; e, quando eu menos podia esperar uma vilania sem nome, deu-me uma bofetada” (CCE,
p. 96). Pouco depois, ameaça matar-lhe;
mais tarde manda-lhe devolver todos os vestidos e jóias, e ir embora; porém, quando ela estava prestes a sair, lançou-se-me aos pés o barão,
abraçou-me pela cintura abafado pelos soluços; disse-me até, no seu desvario,
que iríamos para França, e lá casaria comigo. Causou-me riso e compaixão este desatino!... Cedi, deixei-me
ir quase nos braços dele até ao meu quarto.
Parecia louco de alegria o pobre homem! Trouxe-me as jóias, tirou do dedo um grande brilhante, que ele
chamou anel de casamento, e quis à força que eu o pusesse entre outros, posto
que podia abranger três dos meus dedos. (CCE, p. 99).
Quando o barão morre, sua esposa
volta do Brasil para herdar a fortuna, e Marcolina fica apenas com as suas jóias. Ao reencontrar Augusto, é
pedida por este em casamento; ela, porém, não teve “um mês de contentamento”, uma
vez que “Augusto transfigurou-se, se não era hipócrita [...]. Era libertino,
dissipador, jogador e até embriagado o vi muitas vezes” (CCE, p. 107).
Após o marido ter gastado o que lhe restava do dinheiro das jóias, “recebi dele
uma carta em que me dizia adeus para sempre” (CCE, p. 108). Com isso, a personagem
é deixada na miséria, obrigando-se a se prostituir para sustentar as suas
irmãs, até encontrar Silvestre, que se dispõe a ajudá-la, ao que ela comenta: “Que
generosa alma a sua! Não sabe em que mundo está!...” (CCE, p. 110). Em pouco
tempo, Marcolina recebe uma carta de suas irmãs avisando que o padrasto voltara
rico da África: ela, no entanto, já estava à beira da morte. Silvestre, por sua
vez, encerra o capítulo afirmando: “amei-a porque era mais pura, mais virgem e mais santa que a outra respeitada do mundo17; e porque, em ódio à sociedade, que a desprezava, não posso
vingá-la senão amando-a com eterna saudade” (CCE, p. 112).
Como vimos,
esse episódio constitui uma forte crítica à sociedade que faz das mulheres
mercadoria. Apesar de criticar o materialismo que compõe a sociedade burguesa,
o romance, através da voz da personagem, traz um retrato do barão – representante
de uma burguesia composta pelos brasileiros
de torna-viagem, que enriquecem no Brasil e quando voltam a Portugal compram um título e uma
amante –, distinto do de um antagonista: “era um coração como poucos. As ameaças
das pistolas, os insultos, a requisição das jóias e dos vestidos, tudo isto,
que parece vilania, era nele uma sublime maneira de exprimir o seu muito ciúme e paixão” (CCE, p. 100). Tal afirmação de
Marcolina não nos parece ser irônica, uma vez que, pelos atos do barão – a começar pela piedade que teve por
ela quando criança –, é possível ver que ele pelo menos demonstrava ter sentimentos,
ainda que estes por vezes se 17 Discutiremos a condição das mulheres “que
o mundo respeita” no capítulo 3.2. mostrassem
violentos e possessivos. Ao contrário de Augusto, este sim, responsável pela
sua desgraça, uma vez que, se
não fosse por ele, a moça teria conseguido se sustentar com o dinheiro das jóias que o barão lhe deixara.
Com isso, temos
uma amostra da ambigüidade com que são construídas as personagens camilianas, que não se dividem facilmente em “heróis”,
“vítimas”18 ou “vilões”. A estética da ambigüidade, aludida por Carlos Reis e Maria
da Natividade Pires (1999), é aqui aplicada por Eunice Cabral, que aponta “a ‘eterna
saudade’ da amada morta” como um “tema obrigatório das novelas passionais de Camilo”,
que “poderia não surgir numa novela humorística, como é Coração, Cabeça e Estômago” (2008, p. 14). Segundo a ensaísta, “os
efeitos da estética da ambigüidade fazem-se sentir em todos os domínios e,
nessa medida, o leitor tanto reconhece traços da novela passional, num registro
de dramaticidade muito marcado, como ‘tropeça’ em trechos do mais puro gozo e
chacota à personalidade romântica da época [...]” (2008, p. 14). Tais trechos
serão trabalhados por nós no próximo capítulo; por ora, interessa-nos somente mostrar a presença do tom sério
num romance cômico.
Devemos
citar mais uma passagem séria, presente na segunda parte do romance (“Cabeça”),
na qual Silvestre denuncia, segundo Jacinto do Prado Coelho, “o materialismo corruptor
do meio portuense” (2001, p. 204), criticando a roubalheira da alta burguesia, o
livre comércio de escravos, a opinião pública que respeita (apenas) quem tem
dinheiro – não importa de onde ele venha –, e a “subserviência do jornalismo
portuense à gente de dinheiro” (COELHO, 2001,
p. 204):
Cansei-me
de ouvir dizer que a segunda cidade de Portugal é um enxame de moedeiros falsos,
de contrabandistas, de mercadores de negros, de exportadores de escravos e de
magistrados de alquilaria. Venalidade, crueza e latrocínio são os três eixos
capitais sobre que roda, no entender da crítica mordente, o maquinismo social
de cem mil almas. A minha análise aprofunda mais o espírito vital do Porto.
Ali, o
viver íntimo tem faces desconhecidas ao olho da polícia e da economia social. Conhecem-se as librés dos chatins de
negros; discrimina-se pelo brasão o fabricante de notas falsas do outro seu
colega heráldico, opulentado em roubos ao fisco; ignora-se, todavia, o mais observável
e ponderoso da biografia desses vultos, que a fortuna estúpida colocou à frente
dos destinos e da civilização
do Porto.
[...] O jornalismo do Porto está acorrentado às
ucharias dos ricos. O jornalista por via de regra é um pobre homem, que vive do
estipêndio cobrado com franciscana humildade à porta do assinante. Para os
festins do fidalgo de raça era chamado o versista com as consoantes prévias do
soneto na algibeira, onde não havia outra coisa. Nos tumulentos jantares do
fidalgo de indústria há
talher para o gazeteiro, que já deixou na estante dos caixotins a local sumarenta, inspirada pelo antegosto
das viandas, que lhe arrastam na torrente a alma para o estômago. (CCE, p. 138-139).
Assim
sendo, temos uma forte crítica à transformação da arte – e do jornalismo – em
mercadoria, a partir da qual o narrador iguala a condição de dependência do
artista para com o mecenas, com a situação atual, em que o escritor/jornalista
depende da aprovação dessa elite corrupta para vender a sua obra. Tal obra, por
sua vez, fica comprometida pelo “antegosto das viandas, que lhe arrastam a alma
para o estômago”, fazendo com que o artista troque seus princípios pelo dinheiro.
Nessa denúncia, podemos depreender também uma autocrítica, uma vez que Camilo
era um escritor comercial e, como vivia de sua pena, também dependia do seu editor
e do seu leitor, precisando se preocupar em escrever aquilo que iria agradá-los.
Há, porém, certas formas de “cavar” essa liberdade em meio à dependência, e é isso
que Camilo fazia: escrevia romances ao gosto do público, mas não deixava de registrar
a sua visão de mundo, uma visão, por sinal,
bastante crítica e realista.
Essa visão realista também está
presente na última parte do romance, na qual Silvestre se casa com uma herdeira
rica e rústica, e passa a levar uma vida voltada ao estômago, “[...] de maneira
que todas as minhas faculdades de ora em diante em volta do estômago se movem,
o estômago as rege, e não há-de alguma idéia preocupar-me sem sair elaborada
nas mesmas cinco horas que os fisiologistas assinam às funções digestivas” (CCE,
p. 175). Nesse momento, Silvestre finalmente é reconhecido pela opinião pública,
conseguindo eleger-se regedor por meios escusos: ele mandara seu criado roubar
o cavalo do vigário, principal cabo eleitoral de seu adversário, fazendo com que
ele desistisse de participar das eleições: “O vigário, azoado com a perda, e
tolhido de arengar aos paroquianos das aldeias vizinhas, sentiu-se baldo de entusiasmo
e patriotismo e deixou o seu correligionário em campo. Venci as eleições por
espantosa maioria” (CCE, p. 179).
Uma vez eleito presidente
da Câmara, Silvestre mostra-se oportunista e corrupto: “Estreou-se nas funções
municipais mandando construir uma porca nova para o sino da igreja e compor uma
estrada descalçada que lhe passava à porta; depois propôs em sessão que se pedisse
ao governo uma estrada do Porto a Chaves, com um ramal por Soutelo [onde morava]”
(CCE, p. 206). Ao descobrirem que o político, depois de ter se endividado
no Porto, tinha feito um casamento rico, os credores quiseram cobrá-lo,
remetendo “deprecadas para ele ser citado com sua mulher” (CCE, p. 207).
No entanto, “se saiu Silvestre com uma escritura nupcial, em que os bens
havidos e por haver de sua mulher ficavam isentos de pagar as dívidas do
marido, contraídas até a data do casamento” (CCE, p. 207). O seu sogro,
por sua vez, elogiou-lhe o estratagema: “O sargento-mor, conquanto fosse caráter
dos bons tempos, transigiu com as velhacadas do genro e admirou-lhe a esperteza”
(CCE, p. 208).
Como Jacinto do Prado Coelho
afirma, temos uma “conclusão pessimista cinicamente exposta: neste mundo são os velhacos que triunfam”
(1996, p. 142), uma vez que só a partir de trapaças Silvestre consegue ser bem-sucedido.
Contudo, explica-nos Eunice Cabral, “não irá ser o materialismo do ‘estômago’ que
proporcionará a felicidade ao protagonista” (2008, p. 19). Óscar Lopes, por sua
vez, defende que “a felicidade gastronômica e rural do protagonista [...] não se
pode acolher sem ironia; trata-se de uma ‘felicidade estúpida’” (1994, p. 53).
Podemos depreender essa idéia a partir do comentário do Editor, que enfatiza a gordura
de Silvestre – que “embargava-lhe a ação e abafava-lhe o espírito nas enxúndias” (CCE, p. 208) – como símbolo de uma vida
bruta e vazia:
Mais de uma
vez tentei espertar o entorpecido engenho do meu amigo, recordando as nossas
palestras literárias nos cafés e citando passagens mais conhecidas dos seus folhetins.
Silvestre acordava por instantes, ouvia-me com aspecto melancólico de saudade; mas
logo retomava o ar alarve e motejador de quem
se bandeia com os mofadores das letras [...]. Mal posso perdoar ao mundo que o exilou da pátria luminosa do espírito para
as trevas estúpidas de uma vida cuja felicidade eu desejaria, como vingança, a quem
ma aconselhasse. (CCE, p. 210-211, grifo nosso).
É devido a essa constatação
que a morte de Silvestre, provocada pelo excesso de comida – numa crítica à acumulação promovida
pelo capitalismo –, possui um tom melancólico, ainda que permeado de comentários
cômicos. Como forma de síntese de sua vida,
temos o poema derradeiro de Silvestre, que termina com as seguintes palavras:
Cabeça e
coração senti sem vida,
No estômago busquei uma
alma nova
E
encontrá-la pensei... Crença perdida!
Mulher aos
pés o coração me sova;
Foge ao mundo a razão
espavorida;
E por
muito comer eu desço à cova! (CCE, p. 222).
Se o idealismo
amoroso do coração e o idealismo intelectual da cabeça não lhe trouxeram felicidade, o materialismo do estômago também não. Como vimos a partir
desses trechos, Coração, Cabeça e Estômago também pode ser lido, segundo
Maria de Lourdes Ferraz, como
“uma busca desatinada de um sentido para vida. Nestas circunstâncias o destino da
busca é ocasião de risos e lágrimas, de tragédias e de ridículos onde bons e maus
sentimentos [...] ladeiam os seus anversos ou os seus reversos” (1997, p. 84).
Silvestre tentara encontrar um sentido para a
sua vida, mas falhara na missão.
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Fonte:
Luciene Marie Pavanelo: “Entre o coração e o estômago: o olhar distanciado de Camilo Castelo Branco”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Motta Oliveira). São Paulo, 2008
Fonte:
Luciene Marie Pavanelo: “Entre o coração e o estômago: o olhar distanciado de Camilo Castelo Branco”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Motta Oliveira). São Paulo, 2008
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