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Retrato de Ricardina, de Camilo
Castelo Branco
Outra manifestação desse lugar comum surge no prólogo (“A QUEM LER”)
de O
Retrato de Ricardina. Entre o verdadeiro inverosímil e o verosímil inventado, o autor decidiu-se,
como sempre, pelo primeiro caminho, a despeito de poder cair em descrédito perante
o leitor:
Esta
novela parece querer demonstrar que sucedem casos incríveis. O autor conheceu
alguns personagens e soube como passaram as cousas aqui referidas.
Pois,
assim mesmo, tão incongruentes lhe pareceram que ficou longo tempo indeciso se
lhe seria melhor inventá-las para saírem mais verosímeis do que as verdadeiras.
A
consciência gritou-lhe quando o romance estava já urdido e enredado com outro
feitio.
Venceu
a verdade, onde, já agora, e tão-somente, lhe é permitido vencer: — nas novelas.
(OC VII, p. 701).
[...]
O capítulo XXVIII de O Retrato de Ricardina, o último,
sintomaticamente intitulado “Enfim…”, representa o reencontro entre Ricardina,
Bernardo Moniz e Norberto Calvo, constituindo o culminar de um processo de
reaproximação dos protagonistas, depois da separação que parecia irremediável.
É um capítulo dominado pela cena dialogal, entrecortada com segmentos
descritivos como este, depois de Norberto Calvo se dar a
reconhecer: «Ricardina levantou-se, caminhando vacilante para ele,
com os braços abertos em cruz, pedindo com este gesto que lhe dessem amparo.»
(OC VI, p. 864). A partir daí, o diálogo vai progredindo num crescendo até ao
clímax do reconhecimento de Bernardo:
—
É melhor que o senhor Bernardo venha cá — disse o sargento. — Olhe… — e apontou
para a porta. — Olhe, fidalga, ele aí está!
Ricardina
olhou.
………………………………………………………………………………………….....
Não me afoito a descrever o lance.
O
espectáculo era dois seios que se apertavam com um transporte, só comparável ao
trance da agonia com que vinte e quatro anos antes se tinham apartado.
(OC VI, p. 868).
[...]
N’ O Retrato de Ricardina, o desenvolvimento da intriga passional é
determinado pelo ataque dos estudantes de Coimbra aos lentes que integravam a
deputação destinada a felicitar D. Miguel, de tal maneira que este episódio
histórico constitui uma função cardinal, provocando a disjunção entre os
protagonistas, Bernardo Moniz e Ricardina. Ao estabelecer essa articulação,
fazendo de Bernardo Moniz um dos acadêmicos alistados no grupo dos conjurados,
o narrador procura conciliar o interesse romanesco com a necessidade de
informação histórica contextualizante fornecida numa digressão que qualifica
metadiscursivamente como “intermitência enfadosa”:
Delongue-se
o menos que ser possa uma intermitência enfadosa nesta narrativa. Duas linhas
sobre política.
Em
1827 referviam as paixões de escravos voluntários contra a ansiedade irreprimível
dos devotos da liberdade. (OC VI, p. 723).
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Fonte:
João Paulo Braga Correia da Silva: “Retórica da ficção: a construção da narrativa camiliana”. (Tese apresentada à Universidade Católica Portuguesa para a obtenção do grau de Doutor em Literatura Portuguesa,sob a orientação de Prof. Doutor Aníbal Pinto de Castro). Universidade Católica Portuguesa, 2011.
Fonte:
João Paulo Braga Correia da Silva: “Retórica da ficção: a construção da narrativa camiliana”. (Tese apresentada à Universidade Católica Portuguesa para a obtenção do grau de Doutor em Literatura Portuguesa,sob a orientação de Prof. Doutor Aníbal Pinto de Castro). Universidade Católica Portuguesa, 2011.
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