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Breve análise de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”
Publicado em 1881, este será o
primeiro romance da chamada fase “realista” de Machado de Assis. O foco
narrativo é de primeira pessoa. Brás Cubas, o narrador, não é apenas um personagem
que rememora o passado; é também um narrador que escreve suas memórias., a
despeito de estar morto... Temos, pois, algo da história fantástica. Por estar
morto e, portanto, disponível e sem a pressa que caracteriza aos vivos, Brás
Cubas faz de sua vida passada uma narração descontínua, embora as linhas
principais daquilo que ele julga mais importante sejam respeitadas. Assim, há
um fio principal que liga os eventos mais importantes de sua passagem na terra,
e outro fio, de baixo relevo, mas não menos interessante, que liga um amontoado
de circunstâncias menores às quais todavia o narrador empresta uma vitalidade
muito maior, porque são essas pequeninas notações corriqueiras que o narrador
aproveita para fazer digressões finas e inteligentes sobre todo um conjunto de
mitos da cultura (filosóficos, morais, religiosos, etc). De maneira que de um
lado — teremos a aparição inicial do narrador (que se diz morto); a narração
das circunstâncias que o levariam a morte, bem como o “delírio”; volta imediata
para a infância; o primeiro amor (Marcela, que o enganaria); a ida forçada a
Portugal (viagem de estudos); a morte de sua mãe e a volta ao Brasil; o projeto
paterno de torná-lo deputado através de um futuroso matrimônio com Virgília; o
casamento de Virgília com Lobo Neves (desiludindo o amor do filho e as
esperanças do pai); o reencontro com Quincas Borba, amigo de infância, “livre
pensador”, fundador de uma nova filosofia, o humanitismo; as relações
adulterinas com Virgília; a morte de Quincas Borba, e finalmente a morte do
próprio Brás Cubas, fechando o livro. Estes seriam os acontecimentos do que
chamamos “fio principal”. O outro fio, das circunstâncias menores da vida, é
uma espécie de costura transversal no vasto tecido das ocorrências principais.
Não se pense que se trata de pormenores sem vinculação direta com a narrativa
maior. Pelo contrário, é a análise, a digressão sobre tais circunstâncias
menores que nos dá o caráter de Brás Cubas num plano mais amplo, mais
abrangente. A esse respeito, leiam-se os capítulos XVI (“Uma reflexão imoral”),
XIX (“A bordo”, uma das peças mais patéticas de toda nossa literatura) ou ainda
o XXVI (“O autor hesita”, belo exercício de maneirismo paródico); ou então leia-se
“A borboleta preta” (cap. XXXI, admirável por tudo, especialmente pela
“antecipação” freudiana). Enfim, há mais de duas dezenas de capítulos com essa
função.
Vemos assim que o narrador vai
combinando vários tipos e temas, às vezes por simples justaposição ou veleidade
associativa. É que a condição de morto e de certa forma um morto não redimido
moralmente — abre possibilidades digamos infinitas de conversa, uma vez que não
é essencialmente do passado que ele fala, mas do significado do tempo e da vida.
Brás Cubas, contudo, não faz uma reflexão democrática, nem se interroga sobre o
significado do tempo e da vida. Ele tem certeza do que fala, uma vez que esta
morto e nada de maravilhoso aconteceu. Simplesmente nada aconteceu além da
própria morte. Não há nenhum apocalipse. Não há os anjos. Não há nada depois da
morte. Isto significa niilismo, negatividade absoluta. Por isso mesmo ele não
tem de se arrepender de nada. Só nos arrependemos quando reconhecemos o erro,
quando apontam nossa fuga ou nossa ofensa a um certo modelo “ideal” ou
religioso. Mas para Brás Cubas não há nenhum modelo fora de seu próprio desejo.
Enfim, temos impressão de que se ele voltasse a viver, faria tudo que já tinha
feito. Brás Cubas faz pensar naquela velha verdade de que há modos e modos de
se dizer as coisas. Cínico, cruel, sádico, pessimista, prevaricador, todos
esses caracteres se contrabalançam com a distinção e polidez de sua escrita.
Antes de tudo, Brás Cubas é o tipo de homem “educado”, tem a misteriosa tática
de dizer o escabroso sem parecer escabroso. Noutros termos, o leitor se enreda
na teia mirífica de Brás Cubas, na polidez e engenho do narrador.
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Fonte:
A. Medina Rodrigues, Dácio A. de Castro e Ivan P. Teixeira: “Antologia da Literatura Brasileira: do Classicismo a Pré-modernismo” – Volume I. Marco Editorial. São Paulo, 1979.
Fonte:
A. Medina Rodrigues, Dácio A. de Castro e Ivan P. Teixeira: “Antologia da Literatura Brasileira: do Classicismo a Pré-modernismo” – Volume I. Marco Editorial. São Paulo, 1979.
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