Para baixar o livro, clique na imagem e selecione-o em:
↓
http://www.projetolivrolivre.com/
---
Disponível também em "Minhateca", no link abaixo:
↓
---
Thomas Mann: A gênese do doutor Fausto
(Editora
Mandarim - 2001)
Quincas.
Quantas vezes já se comentou e se ouviu dizer sobre a técnica que o escritor
usa para desenterrar suas criações do limbo da memória – sabendo-se que elas
chegam ali de alguma maneira, real ou surreal. Tirando fora as bobagens de
sempre, que são as cenas que o autor representa diante de um entrevistador, ou
assinando autógrafo a admiradores tomados de espanto, ou, ainda, nas notas de
jornais – verdade é que cada qual inventa o próprio sistema.
Cá comigo,
agora mesmo ouço minha coleção de Stabat Mater – que somam uns oito – quando
teclo estas notas que te mandarei. Outros preferem o silêncio absoluto, ao
ponto de colocar uma luz vermelha à porta da sala de trabalho quando escreve.
Há os que fingem que é trabalhoso – mas na maior das vezes é prazer mesmo –
contando a história da inspiração e da transpiração. E uma grande exceção são
aqueles espíritos românticos que confessam descaradamente ser apenas o ‘cavalo,
o intérprete, o psicografo, enfim, da sublime inspiração.
Daí do teu
reduto na Ilha do Maranhão, não terei a mínima ideia de cogitar quantos pores
de sol serão capazes de acordar a divina musa que te inspira, quando botas no
jornal essa coleção de bonitas crônicas que um dia irá desencasular e se
borboletar em crisálida-livro. Imagino, porém, que há de ter
uma cachacinha boazinha para bicar enquanto o dedo descansa e retornará ao
taque-taque apressado com que articula a ruma de letras, transformada em
minhocas legíveis, para depois futucar o solo fértil das cabeças dos leitores.
Tenho aqui
comigo esse livrinho danado de bom que é “A gênese do Doutor Fausto”, que nada
mais é o diário em que Thomas Mann anotou o dia a dia da criação do seu famoso
romance. Entre outras coisas, dá para saber que Thomas Mann foi beber em muitas
fontes pra construir o seu Fausto: Sigmund Freud, Bíblia, contemporâneos e
amigos. Volta e meia ele acaba por reconhecer em obras alheias alguma
similaridade com o que está escrevendo.
Mário de
Andrade chama isso de ‘sequestro’, isto é, um tema lido e guardado no
subconsciente reaparece transfigurado, imitação ou semelhança, em obra nossa.
Na prática o que Thomas Mann fazia era usar argumentos, temas, buscar
conhecimento pras coisas que não sabia a fundo. Mas o livrote chama mesmo a
atenção para a grande e decisiva mãozinha dada por Theodor Adorno, confessada
como imprescindível. E agora? Como o Fausto é tema recorrente nas artes (tu não
tens o teu?), fica difícil aceitar a teoria dele, Theodor Adorno, de que a arte
representa um protesto social.
Uma coisa que
me deixou encasquetado e não consegui resolver foi a transformação da música em
texto de prosa, como diz-que Thomas Mann conseguiu – o Diabo no romance é
compositor ou musicólogo (aliás, como não li o Dr. Fausto, não estou seguro
disso). Com a poesia se sabe do vínculo estreito: não só a música, mas todos os
elementos musicais estão presentes e são importantes. Mas como fazer que o
texto de prosa represente uma obra musical? Isso é possível ou interpreto mal a
proposição? Para conseguir o seu intento Thomas Mann consulta não só Theodor
Adorno – também musicólogo – como vários compositores de sua relação (Arnold
Schoenberg principalmente), e diz que conseguiu o que queria, ora, pois o
romance saiu, não foi?
Música –
Prosa... Você sabe de alguma coisa parecida? Pode me dar alguma luz, ainda que
teórica? Ou será que vou ter que ler o Dr. Fausto pra entender
isso? Acho que sim. Recordo-me que certa ocasião Thomas Mann – também com
dificuldade – de repente anota no diário:
– Agora sim,
vejo bem claro, a música (acho que se refere ao Trio em Si Bemol de Franz
Schubert), está todinha lá! Rapaz pareceu-me que ele conseguiu ouvir/ler a
representação da música dentro do texto! Tudo se infere que, sendo o capítulo
final do Dr. Fausto a exibição de um oratório, era esse o objetivo de Thomas
Mann. Para mostrar a composição, não só em teoria, mas também na técnica, ele
recorreu a tudo, desde Bach a toda escola de Arnold Schoenberg (música
serial)...
É isso aí,
primo, esses são alguns dos mistérios da Arte... “Eis o mistério da Arte” – se
poderia dizer como no ritual da missa: “Eis o mistério da Fé!” Arte e Fé são
misteriosas, por isso disse lá atrás que o artista tanto pode nascer em
Alagoinha quanto em Viena, tanto faz...
Mas não sou
ingênuo a ponto de duvidar se esse meu desconhecimento, a minha dificuldade em
perceber certas nuances da Arte (como esta, talvez inútil, digressão sobre
música/prosa) ocorre devido à informalidade com que aprendi minhas pequenas
artes. Não disse autodidatismo porque, para mim, isso é coisa que não existe.
Se pensarmos bem a história do conhecimento, vamos ver que tudo que se aprende,
tudo que é transmitido, é de alguém para alguém. Portanto, o autodidatismo não
existe – essa é uma palavra inútil.
Esse livrinho
de memória do Thomas Mann veio bem a calhar porque – como sabes – estou
encasquetado nos entremeios de criação da novela Chiara, tomei decisão (para
acabar de vez com a ‘novela’ termina não termina): vou completar o capítulo que
falta, vou botar o que tenho aqui tirado de um conto, e assim dou por
finalizado.
Tem outro
texto que queria incluir, te conto. Foi uma crônica que escrevi quando mãe
Mizica morreu. Chamei ‘Tudo que mamãe me ensinou’ e saiu numa revista
eletrônica chamada Confraria. Pois bem, a tal revista acabou e – como um dia
profetizei – o texto foi pro espaço sidéreo do mundo digital (o espaço
cibernético está mais cheio de almas penadas do que o
purgatório de Dante). E nos meus arquivos não encontro mais nada. É uma pena,
porque o texto se encaixaria perfeitamente...
Um último
trabalho que essa novela me dará é encontrar um nome. Chiara não dá, já te
expliquei o porquê. Não quero botar Clara, nem Klara, nem algo similar porque
quero tirar da cabeça que não se trata de coisa biográfica – e não é mesmo! Fui
fazendo ficção das lembranças que me vinham, misturando tudo e vendo o
resultado da composição. Aliás, veja só como são as coisas, acabei de discutir
isso quando falei de Thomas Mann. Puxa!
Assim,
conversa puxa conversa, foi dessa maneira que o fantasma de Thomas Mann baixou
em Cachambi, Rio de Janeiro, para trazer luz ao quarto escuro da criação que
carrego comigo.
Rio de Janeiro, Cachambi, 07 de abril de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário