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Stefan Zweig, Brasil e o Holocausto
Izabela Maria Furtado Kestler
izabela@alternex.com.br
"No mar, tanta tormenta e tanto dano,
tantas vezes a morte apercibida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano?
Onde terá segura a curta vida,
que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da-terra tão pequeno?"
Luís de Camões, Os
Lusiadas, Canto Primeiro, Estrofe 116
Stefan Zweig,
com certeza não ficou sabendo antes de sua morte por suicídio a 22 de fevereiro
de 1942 em Petrópolis, da dimensão do holocausto na Europa. Há registros, no
entanto, de que ele estava informado sobre a perseguição sofrida pelos judeus
e, sobretudo, sobre os pogroms ocorridos na Alemanha e na Áustria. Stefan
Zweig, todavia, não se manifestou publicamente sobre o assunto. Tal silêncio se
explica por duas razões principais.
A primeira
delas está ligada á sua biografia. Zweig sempre foi um escritor cosmopolita,
pacifista, um típico representante de uma mentalidade intelectual, cujas raízes
estavam solidamente fincadas no idealismo alemão de um Goethe e de um Schiller.
Mentalidade esta que, se por um lado era avessa ao debate político e á luta
partidária, se caracterizava por outro lado pela defesa dos valores
espirituais, não num sentido religioso, e sim num sentido humanístico de defesa
dos valores da pessoa humana, de sua liberdade, independentemente de
"raça" ou nação. Pode-se assim definir o idealismo alemão como o
pendant literário-filosófico da Revolução Francesa.
E não é á toa
que as aspirações humanistas do idealismo alemão tenham atraído tanto os
escritores e intelectuais de língua alemã de origem judia, tornando-se uma
espécie de Ersatz para a crença religiosa propriamente dita, ou seja, uma
espécie de religião dos judeus alemães assimilados. É importante assinalar aqui
que os ideais do idealismo alemão correspondiam ás aspirações de emancipação e,
sobretudo de assimilação á Alemanha por parte dos judeus. Um deles, por
exemplo, o banqueiro e mecenas Hugo Simon, conhecido de Stefan Zweig da
Alemanha, que também esteve exilado no Brasil, descreve em seu romance
autobiográfico seu entusiasmo pelo idealismo alemão já a partir da
adolescência:
"O
conceito de internacionalismo nos fascinava. Não estar mais limitado a um só
país, mesmo que este seja grande, mas sim ser cidadãos do mundo, assim como
havíamos lido em Goethe, em Schiller e nos outros clássicos da literatura, e
assim como procurávamos viver agora com o maior empenho, isto, sim é o que nos
parecia ser o maior ideal da humanidade".
O próprio
Stefan Zweig descreve de forma elegíaca e melancólica o mundo intelectual e
espiritual em que vivia na Europa e também a perda irreparável deste mundo em
sua obra autobiográfica O Mundo que eu vi. Este mundo intelectual de
valorização humanística, de pregação dos ideais de fraternidade e de paz, que
afinal de contas era tão ilusório quanto o paraíso vislumbrado por Zweig no
Brasil, morreu definitivamente em 1933.
A segunda
razão para o silêncio de Stefan Zweig está ligada ás condições políticas e
sociais do Brasil da época. A ditadura Vargas, que de um lado flertava com o
nazismo assim como com o fascismo italiano e de outro cedia ás pressões norte-
americanas no sentido de cortar relações com a Alemanha, com a Itália e com o
Japão, tinha uma política imigratória pautada pelo anti-semitismo, a qual
permitia exceções de um modo geral apenas para "imigrantes" judeus
"capitalistas" (ou seja, para aqueles que transferissem uma certa
quantia de dinheiro para o Brasil) ou para artistas e intelectuais de conceito internacional.
Enfim, tratava-se de uma política imigratória que ignorava a
tragédia dos judeus na Europa ocupada pelos nazistas, os quais na maior parte
dos casos não pretendiam imigrar para o Brasil no sentido corrente do verbo
imigrar e sim buscar refúgio seja lá onde fosse. Stefan Zweig só pôde se
radicar no Brasil, porque seu caso preenchia a cláusula de escritor de renome
internacional. Acostumado como era a viajar pelo mundo sem passaporte, sem ter
que preencher declarações nem requerer vistos de entrada e saída, a condição de
refugiado atormentava muito Stefan Zweig. Após a anexação da Áustria em 1938
ele se tomara um refugiado como outro qualquer.
Ainda ontem eu era um hóspede estrangeiro, um gentleman, que despende
aqui suas rendas auferidas no exterior e paga seus impostos. Agora me tornei um
emigrante, um 'refugee'!
Aliada a esta
situação humilhante, do ponto de vista de Zweig, reinava no Brasil uma forte
censura sobre todos os meios de comunicação e também uma grande apatia
política. Nos meios intelectuais de esquerda no Rio de Janeiro, cujos membros
em sua maioria ou simpatizavam com o comunismo ou pertenciam ao partido
comunista, então na clandestinidade, havia grande desconfiança em relação à
Stefan Zweig. A grande maioria destes intelectuais acreditava que seu livro
Brasil, o país do futuro fora escrito por encomenda do Departamento de Imprensa
e Propaganda da ditadura Vargas. Outros condenavam o livro por este não
assinalar o progresso e o desenvolvimento ocorridos no país.
Durante toda
a sua última estada no Rio de Janeiro, Zweig se viu cercado apenas por outros
refugiados como ele, como por exemplo, Emst Feder, Fortunat Strowski, Victor
Wittkowski, ou por pseudo-intelectuais brasileiros, como Cláudio de Souza,
presidente do PEN-Clube do Brasil na época. Uma das raras exceções, no caso dos
brasileiros, é o editor de Zweig no Brasil Abrahão Koogan. Os grandes
intelectuais brasileiros, como por exemplo, Carlos Drummond de Andrade,
Gilberto Freyre e Jorge Amado, não mantiveram contato com Zweig nem procuraram
conhecê-lo. Seu livro generoso e bem- intencionado para com o Brasil contribuiu
assim para isolá-lo ainda mais em seus últimos meses de vida.
O isolamento,
o ensimesmamento e o sentimento de perda irreparável de seu mundo acabaram por
levá-lo ao suicídio. Em sua tragédia pessoal ele acabou por seguir o exemplo do
protagonista de sua novela, escrita em 1922, Episode am Genfer See. Nesta
novela, o protagonista, um prisioneiro de guerra russo, não suporta o
isolamento e a saudade de sua pátria e termina por se suicidar afogando-se no
lago de Genebra.
Stefan Zweig
teve, no entanto, oportunidade de se manifestar publicamente contra o
extermínio e a perseguição sofrida pelos judeus alguns dias antes de seu
suicídio. Provavelmente por iniciativa de Hugo Simon, que na ocasião vivia em
Barbacena, Stefan Zweig esteve lá visitando o escritor francês católico, também
exilado, Georges Bernanos. Este lhe propôs que redigissem um manifesto para a
imprensa denunciando os crimes perpetrados pelos nazistas contra os judeus.
Bernanos, que tinha uma coluna semanal em O Jornal no Rio de Janeiro, era um
monarquista católico, cujas ideias políticas beiravam o anti-semitismo, mas
ele, no entanto, não queria se calar diante da tragédia que estava ocorrendo na
Europa. A proposta de Bernanos, todavia parece não ter sido aceita por Zweig.
Ele, um náufrago como todos os outros refugiados, preferiu afundar com seu
mundo de ideais humanísticos.
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