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Os romances de Enrique Pérez Escrich
Enrique Perez Escrich nasceu em
Valencia, em 1829, e morreu em Madri, em 1897. Indo ainda jovem para a capital
espanhola, começou publicando dramas, para os quais usava o pseudônimo de
Carlos Peña-Rubia y Tello. Leonardo Romero Tovar, num verbete sobre esse autor,
considera-o um “aplaudido autor de piezas teatrales, como La Pasión y muerte de
Jesús (1856), que se llegó a representar como espectáculo edificante los
Viernes de Cuaresmas” . Sobre o sucesso do seu teatro, temos o próprio autor
falando, numa introdução, do prestígio que sua peça O Cura de Aldeia, de 1858,
conquistou nas suas primeiras e seguintes encenações. Fato este que deixava os
senhores Manini, editores e amigos do escritor, interessados em dar outras
formas de circulação a essa história, propondo uma versão em romance desse
drama . Em 1861 já podíamos encontrar essa peça adaptada a essa forma
literária. Segundo Gullon, colaborou também com publicações moralizantes como
El amigo de la Família, La Ilustración Católica e o El Mundo de los Niños,
encontrando-se em seus trabalhos uma ideologia católica conservadora . Ele
mesmo reconheceria, numa introdução a um de seus romances, a influência que os
valores cristãos tiveram na sua formação
moral e na sua literatura:
Quando creança, meus Paes fizeram-me comprehender as bellezas da
religião christã. Quando homem, os Evangelhos, esse livro rei dos livros, essa
obra que brotou dos lábios de Deus e que os apóstolos transmitiram aos homens
para consolação da humanidade, veio com a sua divina leitura arraigar ainda
mais o christianismo no meu coração... Mas se as ideias de um author se revelam
pela essencia que se encerra nas suas obras, leiam-se as minhas, e ver-se-há
que, como escriptor, procurei prégar as ideias d’esse grande livro ( os
Evangelhos ) ; e como homem procurei, e isto sabem-no quantos me conhecem,
pratical-as na minha vida particular.
Entre 1863 e 1864 publicava El
Mártir del Gólgota, Tradiciones de Oriente, tornando-se logo carro-chefe de um
modismo editorial chamado novela por entregas, que tomou jornais e fascículos
de Madri e Barcelona. Escrich viu, dessa forma, a sua produção ganhar
significativa popularidade, transformando-se, segundo Marlyse Meyer, num dos
autores mais conhecidos da Espanha. Não obstante esse sucesso, a autora comenta
que Escrich queixou-se, numa introdução d’A Casaca Azul, dos abusos que os
editores dessa linha comercial cometiam contra os seus autores (MEYER, 1996).
Ao se referir a Perez Escrich como “um
folhetinista que foi popularíssimo no Brasil”, Marlyse Meyer afirma que as suas
obras ainda não foram analisadas pela crítica formal, estando bem desconhecidas
pela “mal chamada república literária.”
Analisando registros de
biblioteca, catálogos de gabinetes de leitura, inventários de livreiros,
anúncios de livrarias, vemos como foi expressiva a recepção que seus romances
tiveram no Brasil dos oitocentos.
O livro de consultas da Biblioteca
Provincial do Ceará, que utilizamos para observar as leituras dos
freqüentadores desse estabelecimento, começou os seus registros em abril de
1878, ficando, desse ano, apenas registrado esse mês. Já o cotidiano de
leituras nessa instituição a partir de 1879 seria registrado sem interrupções
até 1887.
As consultas às obras de Escrich
foram praticamente diárias no período registrado no livro de leituras, sendo em
alguns dias quase absoluta. Os números referentes a Perez Escrich e aos seus
romances, nesse momento, na Biblioteca, são surpreendentes: em maio, de 1879,
seus romances foram consultados 64 vezes; em julho, de 1879, 95 vezes; em
agosto, de 1879, 84 vezes. Esses são apenas alguns exemplos. Enquanto os
romances de Escrich obtinham esses índices de escolha, clássicos, como Ovídio,
recebiam 1 consulta, as obras de José de Alencar dificilmente alcançavam 4
consultas em um mês, as de Joaquim Manuel de Macedo e de Machado de Assis
também quase não eram solicitadas.
Numa observação mais detalhada e
cuidadosa desse documento, conseguimos perceber melhor o que foi, no mínimo, um
grande interesse dos indivíduos que usavam esse ambiente para a formação da sua
cultura letrada e/ou para entretenimento. Para começar temos ao longo dos dias
registrados nesse livro uma variedade significativa de títulos de Perez Escrich
que foram lidos e, porque não, relidos nessa biblioteca. A Mulher Adultera,
Amor dos Amores, Coração nas mãos, A mãe dos desamparados, A Esposa Martyr, O
amigo intimo, Um drama no mar, O Martyr do Golgotha, Casamento do Diabo, A
Perdição da mulher, são alguns desses títulos.
Percorrendo as páginas do
registro de leitura dessa biblioteca, percebemos, com relação às consultas aos
romances de Perez Escrich e aos seus leitores, situações muito interessantes.
Como o que aconteceu no sábado do dia 23 de junho de 1879, quando houve 3
consultas na biblioteca, sendo duas ao romance A Mulher Adúltera. Nesse dia,
José Carneiro Meirelles e Francisco Gonçalves Vieira foram a esse estabelecimento
conhecer a história dramática de Madalena, protagonista desse romance. No
período de funcionamento da biblioteca registrado no livro de consultas, era a
primeira vez que Francisco Gonçalves Vieira lia nesse espaço, já escolhendo a
ficção de um autor cujos títulos, nesse momento, na Biblioteca Provincial do
Ceará, alcançavam expressivos índices de preferência entre os leitores. Com
relação a José Carneiro Meirelles, ele havia estado na biblioteca a 24 de maio
do mesmo ano lendo “Os que riem e os que choram”, de Escrich. Já tendo
conhecido a escrita desse autor, este leitor voltava à biblioteca quase 1 mês
depois para consultar uma outra obra do literato espanhol. Como a biblioteca
nesse período fechava aos domingos, José Carneiro Meirelles teve que esperar
até a segunda-feira, dia 25 de junho, para continuar a sua leitura do romance A
Mulher Adúltera. Tendo em vista a sua volta imediata à biblioteca para
continuar lendo essa história, podemos supor que, no mínimo, esta trama
despertou alguma curiosidade nesse leitor, levando-o, talvez, a lamentar o não
funcionamento dessa instituição aos domingos, já que esperou até segunda para
prosseguir com a sua leitura. Nesse mês de junho, as obras de Perez Escrich
foram solicitadas 55 vezes ao bibliotecário Fausto Domingues da Silva, ficando,
como já apontamos anteriormente, nessa média ou acima durante os outros meses
registrados.
Enquanto único espaço
institucional público de leitura na segunda metade do século XIX no Ceará, a
Biblioteca Provincial funcionou como um aparelho decisivo para a formação do
universo de leitura nessa Província. Dessa forma, é plausível afirmar que os
romances de Enrique Perez Escrich participaram significativamente dessa
constituição.
Os dados apresentados até aqui
mostram um pouco da expressiva repercussão de Escrich na segunda metade do
século XIX, na Província do Ceará. Entretanto, estando convencidos desse fato,
é importante notarmos que isso não significa necessariamente que a prosa desse
escritor apenas agradava aos gostos literários de todos que procuravam os seus
títulos, pois eram vistos também como uma produção indigna de ser reconhecida
como “bellas lettras”. Nesse sentido, vejamos o que comentou o editorial do
periódico literário “A Quinzena”, em 15 de janeiro de 1888:
Demanda pouco tempo e trabalho fazer a
estatistica dos que lêem entre nós, negligenciado, é claro, o numero
avultadissimo dos que se deleitam com os romances de Escrich e Paulo de Kock,
as selectas de recitativos e as discussões da imprensa diaria.
E não é destes que deve uma
publicação puramente litteraria, feita de boccados de bellas lettras e ensaios
scientificos, esperar animação e auxilio expontaneo, gostosamente
prodigalisado.
Sendo mais um indicador dos
números “avultadissimo” de leituras aos romances de Perez Escrich, este trecho
também traz uma perspectiva que coloca a literatura desse autor como algo
irrelevante para os índices do que ele sugere como a “boa” leitura da “boa”
literatura. Indubitavelmente, desconsiderar para esses cálculos as leituras de
Escrich, tendo em vista os índices das consultas na biblioteca, seria criar uma
lacuna significativa à história da leitura da Província.
Algumas de suas tramas também
foram publicadas no Brasil, nesse período, na modalidade de folhetim. Entre os
anos de 1872 e 1873 duas narrativas de Perez Escrich ocuparam os rodapés do
Jornal do Commercio. A mãe dos desamparados – romance original de costumes e Os
anjos terrestres – romance original foram publicados em seqüência nesse
periódico carioca. De 1879 a
1882 apenas as histórias do escritor espanhol preencheram os rodapés do jornal
A Província de Matto-Grosso. Durante esses anos O violino do diabo, O anjo da
guarda, O amigo intimo e A verdade nua e crua mexiam com as emoções dos
leitores e com as vendas desse jornal. Considerando que o folhetim na imprensa
do século XIX era um chamariz importante para o levantamento das vendas dos
jornais, a continuidade de um mesmo autor, ocupando com as suas histórias esse
espaço, indica que a sua escrita estava funcionando para tal finalidade. Nesse
sentido, os dramas familiares e de amor criados pela pena romântica de Perez
Escrich despertaram a curiosidade, o interesse, a preferência do público,
enfim.
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Fonte:
Fonte:
José Humberto Carneiro
Pinheiro Filho (Mestrando em Teoria e História Literária - Unicamp; bolsista da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP): Os romances de enrique perez escrich:
Cotidiano de leituras na Biblioteca Provincial do Ceará. Disponível em: www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br
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