16/11/2014

Fábulas de Esopo

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A fábula como prática oral 

Documentos comprovam que a origem da fábula é mais remota do que se imagina e que ela não é um gênero genuinamente grego. De acordo com as informações de Dezotti (2003, p. 21), há textos sumerianos oriundos do século XVIII a.C, que veiculam narrativas com animais antropomorfizados, semelhantes às fábulas que conhecemos hoje. As diferenças entre essas narrativas e as fábulas gregas concernem à forma de se estruturar o texto ou de se figurativizar determinado tema, uma vez que todo discurso é permeado por aspectos culturais distintos, caracterizadores de culturas e visões de mundo particulares.

Importa, pois, esclarecer que nos apoiamos nos estudos de Dezotti (1988, p. 107) ao atribuir o rótulo “fábula” a um conjunto muito mais amplo de narrativas do que as que conhecemos por meio de coletâneas de caráter literário. Para a autora, “o que confere a uma narrativa o estatuto de ‘fábula’, é uma orientação interpretativa apontada pela enunciação”.

No que toca às fábulas veiculadas pelos gregos, a autora postula que, inicialmente, ela era utilizada como prática discursiva , como forma alternativa de alguém estruturar seu discurso, pois o locutor poderia utilizar-se de uma narrativa ficcional ou de uma história verídica para concretizar seu argumento. Para citar um exemplo de argumento sustentado por um discurso ficcional, podemos nos reportar à conhecida fábula O rouxinol e o falcão, parte integrante do poema Os trabalhos e os dias, do poeta Hesíodo, que teria vivido no século VIII a.C.

Nesse período, a fábula, palavra grega que costuma ser traduzida por “história”, e era usada pelos poetas arcaicos para referir-se a uma pequena narrativa, conforme mostra o poema de Hesíodo (vv.202):

A seguir Hesíodo utiliza-se de uma fábula para ilustrar sua fala:

Assim disse o gavião ao rouxinol de colorido colo no muito alto das nuvens levando-o cravado nas garras; ele miserável varado todo por recurvadas garras gemia enquanto o outro prepotente ia lhe dizendo: “Desafortunado, o que gritas? Tem a ti um bem mais forte; tu irás por onde eu te levar, mesmo sendo bom cantor; alimento, se quiser, de ti farei ou até te soltarei. Insensato quem com mais fortes queira medir-se, de vitória é privado e sofre, além de penas, vexame.”
(HESÍODO, vv. 203-211)

A história que o poeta conta é uma fábula em que a lei do mais forte prevalece e governa a vida, pois um falcão, ao segurar um rouxinol que implora para não ser devorado, não se condói dele, dizendo-lhe, perante suas súplicas, que, por ser mais forte, agirá como lhe aprouver. O pássaro deve manter-se calado, pois somente os iguais devem discutir, enquanto os inferiores devem permanecer quietos para que não sejam humilhados. De acordo com a narrativa, é desta maneira que se deve ler esta fábula.

Entretanto, inserida num contexto de desavença fraternal, esta fábula é proferida por Hesíodo ao seu irmão Perses, acusado de escamotear a divisão de uma herança deixada pelo pai. Na realidade o poeta constrói sua própria moralidade e dá outra finalidade a esta narrativa: ele a profere com a intenção de aconselhar seu irmão Perses a não agir como o falcão da fábula.

Este é um modelo clássico de narrativa que viria a se consolidar como “fábula” nos séculos posteriores. Escrita em versos e de acordo com os moldes da épica clássica, a narrativa conta com animais que dramatizam situações, interesses, sentimentos e paixões tipicamente humanas. A construção figurativa aliada ao caráter argumentativo típico deste tipo de texto denota paradigmas de comportamentos a serem seguidos ou evitados em determinada situação.

Confirma-se, assim, que nas narrativas da tradição, o discurso figurativo servia de ilustração para censurar ou aprovar determinadas atitudes dos seres humanos, e isso dependia do contexto e da intenção daquele que proferia a fábula, pois o discurso moral era construído pelo próprio enunciador da narrativa.

A outra forma de o locutor sustentar seu argumento, conforme postula Dezotti (1990), é usar histórias exemplares de caráter real, que poderiam ser contadas com a finalidade de exortar alguém a fazer algo.
[...]
E Odisseu, disfarçado de mendigo, narra-lhe as peripécias e dificuldades que passou em batalha ao lado de Menelau, numa noite muito fria, sem um cobertor para proteger-se do inverno. Ao findar a história, Eumeu deu-lhe um manto, pois compreendeu que a intenção do forasteiro ao contar narrativa, era pedir-lhe um agasalho. Heródoto recompõe uma situação enunciativa entre o rei Ciro e os povos jônios e eólios. O historiador documenta uma fábula que Ciro narrou aos mensageiros desses povos quando estes chegaram em sua corte oferecendo ajuda militar. Disse Ciro:

Certa vez um flautista, vendo peixes no mar, começou a tocar sua flauta, imaginando que os atrairia assim para a terra. Decepcionado em sua esperança ele apanhou uma rede, lançou-a e capturou uma grande quantidade de peixes; ao vê-los saltando ele disse aos peixes: “Parem de dançar agora, pois vocês não saíram para vir dançar ao som de minha flauta”. (ESOPO apud DEZOTTI, 1988, p. 114)

Ciro narra esta fábula a eles porque, certa vez, ao pedir-lhes apoio contra Cresos, teve seu pedido recusado. A intenção de Ciro era revidar, agindo da mesma maneira que eles agiram anteriormente, e fez isso por meio do discurso fabulístico.

As passagens citadas mostram o uso de narrativas como um recurso argumentativo típico do período arcaico, mas que não perdeu essa finalidade em séculos posteriores. Ao contrário, a popularidade da fábula aumentou entre os séculos VI e V a.C e coincide com o surgimento de Esopo na Grécia.

Pouco se sabe sobre a vida de Esopo, mas de acordo com a tradição, ele fora um
escravo que viveu, provavelmente, no século VI a.C., e destacou-se por ser considerado muito hábil em proferir fábulas, fato que fez com que os gregos o intitulassem “Pai da fábula”. Daí em diante, a maioria das fábulas que circulavam na Grécia foi atribuída a Esopo e seu nome veiculado em toda a Hélade.

Assim, no século V a.C, o uso da fábula estendeu-se ao teatro, sendo possível encontrar referências ao fabulista e às suas fábulas na boca de Filocleão, personagem principal da comédia Vespas, de Aristófanes:

Filocleão: Escute menininha; vou lhe contar uma história muito bonita.
Padeira: Não quero ouvir história nenhuma!
Filocleão: Um dia Esopo, voltando de um jantar viu-se perseguido por uma cadela indecorosa e bêbada que não parava de latir. “Cadela”, disse ele, “você faria melhor negócio trocando sua má língua por um pedaço de pão.”
(ARISTÓFANES, vs. 1400-1405)

No contexto ilustrado acima, bem típico da comédia, a fábula foi utilizada de forma muito grosseira pela personagem Filocleão, com a finalidade de ofender uma padeira que lhe cobrava pelos pães que ele a fizera derrubar. O maldoso Filocleão, que faz uma analogia entre as reivindicações da moça e os latidos de uma cadela, usa a fábula para desqualificá-la, dizendo que assim como os latidos de uma cadela são inúteis, as reivindicações da moça também seriam.

Nesse mesmo período, afloram os estudos filosóficos e largo uso desse tipo de discurso também fizeram os retores gregos, que usavam as fábulas como exercício argumentativo para seus alunos. Aristóteles nos diz na Arte Retórica:

“As fábulas convém ao discurso e têm a vantagem de que, sendo difícil encontrar no passado, acontecimentos inteiramente semelhantes, é muito mais fácil inventar fábulas. Para imaginá-las, assim como as parábolas, basta reparar nas analogias, tarefa essa facilitada pela Filosofia. É pois mais fácil encontrar argumentos pelas fábulas (...)” (RETÓRICA, XX,4)

Mais adiante, no capítulo dedicado aos exemplos, o filósofo faz referência a Esopo e usa uma de suas fábulas como exemplo argumentativo:

Esopo, falando aos sâmios em favor de um demagogo perseguido em justiça por crime capital, contou-lhes a fábula seguinte: “Uma raposa, ao atravessar um rio,caiu num fosso profundo e, não podendo de lá sair, agüentou durante muito tempo, mas foi assaltada por um enxame de carrapatos. Passeava por ali um ouriço que, ao ver a raposa, teve dó dela e perguntou-lhe: - Queres que te liberte dos carrapatos? – A raposa recusou. O ouriço perguntou o motivo da recusa. – É que, respondeu a raposa, os carrapatos já estão engurgitados de sangue e não me sugam mais; se tu os tiras, virão outros esfomeados que sugarão o pouco de sangue que me resta.” – Do mesmo modo, prosseguiu Esopo, “Sâmios, este homem já não vos prejudicará, pois é rico; mas, se o condenais à morte, outros virão, que, espicaçados pela sua pobreza, vos roubarão e dissiparão o erário público.” (RETÓRICA, XX, 3)

Essas referências mostram que, por mais obscuras que sejam as informações a respeito da origem da fábula grega e do fabulista Esopo, essas narrativas fixaram-se sob seu nome e foram veiculadas por toda a Grécia, adquirindo a popularidade que permanece até nossos dias.

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Fonte:
Eliane Quinelato
: “A figurativização do trabalho  nas fábulas de Esopo”. (Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Unesp, para a obtenção do título de Doutor em Letras (Área de concentração: Estudos Literários).Orientadora: Profª. Drª. Maria Celeste Consolin Dezotti). Araraquara, 2009.

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