16/11/2014

As sete dores de N. Senhora, de Coelho Neto

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A Reabilitação de Coelho Neto nos Anos 40 e 50

Nos debates ocorridos nos cadernos de cultura e suplementos literários das décadas de 40 e 50, o que se procurou, além de reabilitar Coelho Neto, foi situá-lo no quadro geral do romance brasileiro. Importava sobretudo ler o romancista e se desfazer dos preconceitos e das intransigências da critica anterior. O debate se intensificou inclusive na imprensa do final da década de 50. É que em 1958 a Editora Aguillar lançava no mercado editorial o primeiro volume da obra seleta de Coelho Neto. Acompanhava a edição um ensaio de Brito Broca e outro de Hennan Lima, além de uma pequena iconografia e um esboço biográfico escrito por Paulo Coelho Neto.

Mas, para se ter uma idéia dos bons ventos que sopravam sobre a fortuna crítica de Coelho Neto basta recuperar neste momento o número especial do Suplemento Literário de A Manhã  dedicado ao romancista. A primeira página desta revista trazia um pouco da produção poética de Coelho Neto, realçando por um lado sua opulência verbal, e por outro, seu lirismo tingido de cores românticas, e levemente matizado por um simbolismo. Nos trechos selecionados pelos organizadores constavam as seguinte temáticas: o amor, o dever cívico, a figura do poeta e sua relação com a imprensa_ O Suplemento continha não  somente uma antologia da obra de Coelho Neto, mas um apanhado de sua fortuna crítica. No cômputo geral a seleção dos textos críticos sobre a obra do romancista era satisfatória. O Suplemento procurava contrabalançar as opiniões extremadas, mas o recorte dos textos em prosa apresentava-se sofríveL Tornemos este trecho como exemplo:

"Os passarinhos deviam cantar à noite, para alegria da alma. Assim como há constelações para o regalo dos olhos, devia haver gorgeios para o encanto dos ouvidos.

A impressão que se fica é que o texto foi colocado apenas para aproveitar um espaço que estaria sobrando no canto inferior da página. E o grave deste procedimento é que tais textos  ó servem para confirmar a imagem de um escritor afetado, dotado de um didatismo poético e de uma sensibilidade de fundo romântica, o que em última instância é ocasião para os sarcasmos e deboches da critica literária. Outros problemas ainda são detectados nesta coletânea de textos críticos. É o caso do artigo de Adelmar Tavares que para se referir ao talento de Coelho Neto usa a seguinte expressão: "claviculário do mais opulento tesouro vocabular da língua" ou então, João Neves da Fontoura que traça um parentesco entre o ornamentalismo da prosa do romancista e o Barroco mineiro:

"Estes enfeites vocabulares, o amor às perífrases., o purismo das construções deram ao seu estilo literário por vezes alguma coisa de barroco, que faz insensivelmente lembrar certas obras de Aleijadinho na arquitetura colonial de nossas igrejas."

Passando da comparação estilística ao comentário do gênero literário, encontra-se ainda no Suplemento Literário opiniões como a de Machado de Assis, que ao comentar o romance Miragem faz a seguinte observação:

"( ... )aqui está Coelho Neto, romancista, que podemos chamar historiador, no sentido de contar a vida das almas e dos costumes.”

Em contrapartida, José Maria Bello concluiria que na obra de Coelho Neto falta realidade e ambiente, a paisagem é cenográfica; as figuras que criou são inconsistentes, em suma, é urna obra que padece da artificialidade da oratória.

Pode-se resumir esta coletânea de textos críticos organizado pelo Suplemento Literário em dois momentos. O primeiro descarta a obra de Coelho Neto por ela ser marcada pelo vício da oratória, neste viés o romancista é caricaturizado como "mestre de orquestra". O segundo momento quer recuperar o escritor por sua opulência verbal, ou pelo lado de crônica de costumes presente em alguns romances.

O início dos anos 50 é marcado por alguns estudos de Lúcia Miguel Pereira. Em Prosa de Ficção (de 1870 a 1920)18, a autora realizaria uma análise arguta, porém demasiadamente severa. Seu veredicto acerca dos romances coelhonetianos é de que o verdadeiro caminho do romancista "seria o habitual cotidianismo da ficção brasileira". Para a autora, O Morto (1898) e Miragem (1895) seriam bom exemplos de romances nos quais Coelho Neto teria renunciado um pouco do seu amor pelas palavras.

Em Cinquenta Anos de Literatura19, Lúcia Miguel Pereira retomaria suas análises sobre a produção literária do início do século. Agora, de um modo sumário, a autora discutiria logo nas primeiras páginas do seu estudo o fenômeno da oratória. Lúcia Miguel Pereira se perguntaria qual a relação entre um clima eufórico nas letras e os acontecimentos políticos e sociais. Será na expressividade de algumas personagens do início do século que a autora encontrará o elo causal. Primeiro, o destaque de Santos Durnont na Europa; em seguida,. Rui Barbosa, "a águia de Haia"; e no plano político, econômico e social, Prudente de Morais iniciando a recuperação financeira do país, cujo término se daria com Campos Sales. Por sua vez, este saneamento do déficit público em muito ajudaria as reformas de Rodrigues Alves na urbanização e remodelização do Rio de Janeiro. Tais fatos subscreveram o clima de euforia e eloquência nas letras:

"Há um ruflar de asas, um enfunar de velas, uns toques de clarim nas frases rutilantes., faiscantes, que a moda exigia tão ricas em curvas como as mulheres de então; no tom superiormente afirmativo, o seu tanto de dogmático, de muitos, senão da maioria dos escritores.”

Toda esta exasperação do brilho e do adorno conduziria na opinião da autora a uma espécie de estagnação literária na década de dez. O abuso do descritivo, do paisagismo, das exterioridades pitorescas descambariam numa artificialidade estética e num "preconceito da forma". Ora, será justamente este quadro de características que Lúcia Miguel Pereira irá identificar e reprovar nos romances de Coelho Neto.

Numa perspectiva diferente colocar-se-á Brito Broca em seu ensaio "Coelho Neto, Romancista" de 1952. O ensaísta além de dar algumas diretrizes para o exame dos romances em Coelho Neto, ainda o teria restaurado no cânon da literatura brasileira. Aliás, na opinião de Antônio Cândido este teria sido o maior feito de Brito Broca enquanto "releitor".

É importante sublinhar no ensaio de Brito Broca suas estratégias para desobstruir o acúmulo de estereótipos que pesavam na obra do romancista. O argumento inicial do estudo baseia-se no impacto da geração de 22 para a recepção critica da obra coelhonetiana. Neste sentido, Brito Broca coloca dois pontos que foram o fiel da balança na fortuna crítica de Coelho Neto. Entre os preconceitos, os impropérios e os estereótipos herdados pela geração do pós 22 e as preocupações sociais da literatura dos anos 30, organizou-se um certo consel150 do passadismo literário de Coelho Neto:

"As preocupações sociais que surgiram na literatura brasileira depoís de 1930, o neo naturalismo de 1932, com suas obsessões documentárias, implicando o desprezo pela forma, o descrédito da arte pela arte e da 'literatura', concorreram para que Coelho Neto continuasse no esquecimento e na hostilidade a que o relegaram os modernistas.”

Brito Broca procurará aplacar esta hostilidade refazendo o itinerário do romancista, e neste percurso, o ensaísta irá apontar os desvios, os acertos e as promessas da prosa coelhonetiana Começando pelo romance de estréia A Capital Federal, o ensaísta critica o equivoco de parte da historiografia literária ao identificar neste romance influências diretas de As Cidades e as Serras ( 1901) de Eça de Queiróz. O parentesco mais plausível entre os dois livros é o ceticismo quanto ao progresso material que poderia vir da civilização técnica. A Capital Federal se insere num gênero híbrido: misto de crônica da vida carioca do século XIX com romance. Daí viria inclusive na opinião de Brito Broca os defeitos do livro:

"Os personagens são criações puramente intelectuais e ressentem-se daquele humor admirável que faria Lima Barreto atingir o máximo de sua arte num livro um pouco semelhante, por ser igualmente uma crônica do Rio: Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá.”

Passando de A Capital Federal para um outro romance, Miragem, Brito Broca localiza o ponto nevrálgico que teria feito que mesmo os antipáticos à estética do escritor aceitassem este romance como algo digno da literatura brasileira:

“Quando os negadores de Coelho Neto ressalvam A Mrragem, o que os leva a isso é, porém, o fato de nos haver o autor oferecido alguns flagrantes da proclamação da República, de não ter-se alheado da nossa realidade ..."

Esta tendência realista com alguns matizes românticos de A Miragem seria retomada anos mais tarde em Turbilhão o que faz Brito Broca pensar que a variedade da obra coelhonetiana força o crítico a comentá-la e organizá-la do ponto de vista cronológico. É que o escritor desenvolve uma tendência, abandona-a, e depois a retoma em um outro romance.

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Fonte:

Marcos Aparecido Lopes: “No purgatório da crítica: Coelho Neto e o seu lugar na história da literatura brasileira”. (Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Letras na Área de Teoria Literária. Orientador: Prof Dr. Francisco Foot Hardman). Campinas, 1997.

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