08/03/2014

Poemas de Cesário Verde

 Poemas de Cesário Verde
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Do risível amor de si ao desastre do Outro

O constante uso da ironia, não  raras vezes do escárnio puro e outras tantas da  auto-flagelação,  se  constituem,  de  acordo  com  a  intenção  desta  análise,  não  só  as  primeiras  ‘pinceladas’ autorais de Cesário, mas um recurso estilístico de extrema importância para seus  poemas. É através deste recurso que, em seus trabalhos inicias, o Eu se permite esconder atrás  do  contraste  entre  a  enunciação  do  tema,  o  seu  desenvolvimento    e  a  conclusão  que  desconstrói o que foi até então dito. Esconde-se atrás do riso, mas esconde-se também de si,  já  que  este  Outro  não  pode  ser  nada  além  de  sua  extensão.  A  escolha  pela  perspectiva  intimista, como já tratado anteriormente, permite este tipo de leitura: mesmo quando se centra  no Eu enquanto persona, no Outro como um personagem e nas relações entre eles como um  terceiro objeto, se está a meio caminho de uma visão totalizante, ou melhor, uma visão que  abrange  estes  elementos  sempre  voltados  para  a  caracterização  da  escrita  do  autor,  e  como  isso determina a estilização do Eu.

O  Eu  que  se  percebe  nos  primeiros  poemas  publicados  é  um  Eu  impossibilitado  de  poder  compartilhar  do  amor  do  Outro.  São  dois  motivos  pelos  quais  este  ‘amor’  não  se  consuma:  o  primeiro  é  sê-lo  demasiadamente  carnal,  e  o  segundo,  pelo  Eu,  hesitante,  se  constituir ainda num Eu não definido. O amor  carnal o  atrai, o sufoca, o enforcará. Aquele  que  imagina  ser  o  seu  ideal,  um  amor  de  adoração,  distante,  sublime,  não  será  encontrado.  Assim, o Eu encontra desde já seu primeiro ponto de fragmentação: O amor que o Eu procura  é o Amor Ideal,  mas o que encontra é o amor real, carnal. Seu amor ideal encarna-se na doce  mulher,  na  Vênus  linfática.  Por  esta  perspectiva,  a  ironia  não  é  somente  esperada,  como  a  única saída razoável para o Eu fugir intacto deste contato “danoso”. A ironia, neste sentido,  também mereceu importante estudo de Janet Carter: “O tom de ironia mordaz(...) sugere certa  inquietação psicológica ou conflito emocional quanto à situação amorosa. A tensão que assim  se  evidencia  entre  o  querer  e  o  não  querer  tem  o  seu  paralelo  temático  no  conflito  que  se  manifesta  na  reacção  do  ‘eu’  perante  a  figura  feminina  em  geral.”  O  Outro,  enquanto  mulher,  deveria  se  constituir  apenas  num  espelho  para  o  Eu  engrandecer-se  e  olhar-se  com  garbo e altivez. A ironia é o escudo contra tal erotismo, mas é também a possibilidade do Eu  se  relacionar  com  o  Outro  apenas  em  parte.  É  que,  tal  como  usada  nos  poemas,  a  ironia  é  como um mea culpa do pecador flagrado no ato: confissão de uma culpa que se divide pela  sedução do Outro. Fosse esse Outro puro, o deleite poderia acontecer no campo do Ideal. 

Nem toda ironia, porém,  em Cesário, trata deste tipo de relação ou tem somente este  tipo  de  solução.  A  ironia,  como  a  define  Hegel,  envolve  um  conhecimento  da  situação,  permeada por um desprezo não somente ao objeto ironizado, mas também a si mesmo. O  Outro  também  se  transmorfa,  assim  como  o  Eu  avança  nos  domínios  do  seu  autoconhecimento.  No  início,  ele  ainda  é  hesitante,  juvenil,  deleitoso  dos  prazeres  carnais, recém descobridor de si enquanto ser. Se o Eu se imagina digno de adoração  (“Já que adorar-me  dizes  que  não  podes”),  puro  (“Ò  áridas  Messalinas,  Não  entreis  no  santuário.

Transformareis  em  ruínas,  o  meu  imenso  sacrário”),  iluminado  (“Lâmpada  no  mundo  cavernoso”) e se o Outro somente existe para ressaltar tais qualidades em contraposição pelos  seus defeitos, tal relação tomará outros rumos quando o Eu abandonar o Amor de si e passar a  dirigir seu olhar para o Outro. Até então, o foco sempre tem sido no Eu; um Eu doente de si e  cheio  de  si,  onde  em  seu  mundo  cavernoso  o  que  não  é  Eu,  é  errado,  é  o  Outro.  A  grande  ironia se constitui então não no escárnio aberto e claro dos versos, mas a constatação de que  se ri não  do Outro ou das relações, mas de si mesmo.

O  Outro,  além  de  funcionar  como  contraposição  ao  Eu,  ressaltando-o,  também  é  a  ponte    entre  este  Eu  -  mergulhado  no  amor  de  si,  focado  e  entronizado  somente    em  suas  próprias  reações  e  sensações  -  e  uma  realidade  empírica,  histórica  e  social,  principalmente,  porém,  cultural.  A  “Imperatriz  serena,  alva  e  discreta”  não  é  uma  traidora  simplória  qualquer,  mas  aquela  que  tem  um  peito  de  Herodes,  assim  como  a  “Vênus  linfática”  não  engana  pelo  simples  instinto  ou  pela  malícia,  ludibria  com  a  ajuda  do  Secretário  das  Amantes. Mais do que definir o Outro, a mulher sensual acaba por provocar o efeito oposto:  O Eu constituído nestes poemas inicialmente tratados será enforcado, enganado ou profanado.

Mas o que há-de apertar o meu pescoço
Em lugar de corda de bom linho
Será do teu cabelo um menos grosso

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Fonte:
André Yuiti Ozawa: “Cesário Verde e o desconcerto do eu.” (Dissertação apresentada na Faculdade de  Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo  para obtenção do título de Mestre em Literatura Portuguesa. Área de concentração: Literatura Portuguesa Orientador: Profº Dr. Álvaro Cardoso Gomes). São Paulo, 2008.

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