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Do risível amor de si ao desastre do Outro
O constante uso da ironia,
não raras vezes do escárnio puro e
outras tantas da auto-flagelação, se
constituem, de acordo
com a intenção
desta análise, não
só as primeiras ‘pinceladas’ autorais de Cesário, mas um
recurso estilístico de extrema importância para seus poemas. É através deste recurso que, em seus
trabalhos inicias, o Eu se permite esconder atrás do
contraste entre a
enunciação do tema,
o seu desenvolvimento e
a conclusão que desconstrói
o que foi até então dito. Esconde-se atrás do riso, mas esconde-se também de
si, já
que este Outro
não pode ser
nada além de
sua extensão. A
escolha pela perspectiva intimista, como já tratado anteriormente,
permite este tipo de leitura: mesmo quando se centra no Eu enquanto persona, no Outro como um
personagem e nas relações entre eles como um terceiro objeto, se está a meio caminho de uma
visão totalizante, ou melhor, uma visão que abrange
estes elementos sempre
voltados para a
caracterização da escrita
do autor, e como
isso determina a estilização do Eu.
O Eu
que se percebe
nos primeiros poemas
publicados é um Eu impossibilitado de poder compartilhar
do amor do
Outro. São dois
motivos pelos quais
este ‘amor’ não se
consuma:
o primeiro é
sê-lo demasiadamente carnal,
e o segundo,
pelo Eu, hesitante,
se constituir ainda num Eu não
definido. O amor carnal o atrai, o sufoca, o enforcará. Aquele que
imagina ser o
seu ideal, um
amor de adoração,
distante, sublime, não
será encontrado. Assim, o Eu encontra desde já seu primeiro
ponto de fragmentação: O amor que o Eu procura é o Amor Ideal, mas o que encontra é o amor real, carnal. Seu
amor ideal encarna-se na doce mulher, na
Vênus linfática. Por
esta perspectiva, a
ironia não é
somente esperada, como a
única saída razoável para o Eu fugir
intacto deste contato “danoso”. A ironia, neste sentido, também mereceu importante estudo de Janet
Carter: “O tom de ironia mordaz(...) sugere certa inquietação psicológica ou conflito emocional
quanto à situação amorosa. A tensão que assim se
evidencia entre o
querer e o
não querer tem
o seu paralelo
temático no conflito
que se manifesta
na reacção do ‘eu’ perante
a figura feminina
em geral.” O
Outro, enquanto mulher,
deveria se constituir
apenas num espelho
para o Eu
engrandecer-se e olhar-se
com garbo e altivez. A ironia é o
escudo contra tal erotismo, mas é também a possibilidade do Eu se
relacionar com o
Outro apenas em
parte. É que,
tal como usada
nos poemas, a
ironia é como um mea culpa do pecador flagrado
no ato: confissão de uma culpa que se divide pela sedução do Outro. Fosse esse Outro puro, o
deleite poderia acontecer no campo do Ideal.
Nem toda ironia,
porém, em Cesário, trata deste tipo de
relação ou tem somente este tipo de
solução. A ironia,
como a define
Hegel, envolve um
conhecimento da situação, permeada por um desprezo não somente ao objeto
ironizado, mas também a si mesmo. O Outro também
se transmorfa, assim
como o Eu
avança nos domínios
do seu autoconhecimento. No
início, ele ainda
é hesitante, juvenil,
deleitoso dos prazeres
carnais, recém descobridor de si enquanto ser. Se o Eu se imagina digno
de adoração (“Já que adorar-me dizes
que não podes”),
puro (“Ò áridas
Messalinas, Não entreis
no santuário.
Transformareis em
ruínas, o meu
imenso sacrário”), iluminado
(“Lâmpada no mundo cavernoso”)
e se o Outro somente existe para ressaltar tais qualidades em contraposição
pelos seus defeitos, tal relação tomará
outros rumos quando o Eu abandonar o Amor de si e passar a dirigir seu olhar para o Outro. Até então, o
foco sempre tem sido no Eu; um Eu doente de si e cheio
de si, onde
em seu mundo
cavernoso o que
não é Eu, é errado,
é o Outro.
A grande ironia se constitui então não no escárnio
aberto e claro dos versos, mas a constatação de que se ri não
do Outro ou das relações, mas de si mesmo.
O Outro,
além de funcionar
como contraposição ao
Eu, ressaltando-o, também
é a ponte
entre este Eu
- mergulhado no
amor de si,
focado e entronizado
somente em suas próprias reações
e sensações - e uma
realidade empírica, histórica
e social, principalmente, porém,
cultural. A “Imperatriz
serena, alva e
discreta” não é
uma traidora simplória qualquer,
mas aquela que
tem um peito
de Herodes, assim
como a “Vênus
linfática” não engana
pelo simples instinto
ou pela malícia,
ludibria com a ajuda do
Secretário das Amantes. Mais do que definir o Outro, a mulher
sensual acaba por provocar o efeito oposto: O Eu constituído nestes poemas inicialmente
tratados será enforcado, enganado ou profanado.
Mas o que há-de apertar
o meu pescoço
Em lugar de corda de bom
linho
Será do teu cabelo um
menos grosso
[..]
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Fonte:
André Yuiti Ozawa: “Cesário Verde e o desconcerto do eu.” (Dissertação apresentada na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Literatura Portuguesa. Área de concentração: Literatura Portuguesa Orientador: Profº Dr. Álvaro Cardoso Gomes). São Paulo, 2008.
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Fonte:
André Yuiti Ozawa: “Cesário Verde e o desconcerto do eu.” (Dissertação apresentada na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Literatura Portuguesa. Área de concentração: Literatura Portuguesa Orientador: Profº Dr. Álvaro Cardoso Gomes). São Paulo, 2008.
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